domingo, 17 de agosto de 2008

Interregno: praia e cine-concertos


Este blogue vai finalmente entrar num período de poisio temporário: até final de Agosto, pouca actualização haverá. Motivo: Uma semana de praia e outra de trabalho (criativo, entenda-se). Durante a última semana de Agosto vou tocar quatro vezes - com o meu projecto Kubik - em quatros cidades alentejanas diferentes, naquilo a que se designou chamar-se "cine-concerto" (filme mudo musicado ao vivo):

Montemor-O-Novo, Auditório do Parque Urbano, 26 de Agosto, 21h30
Évora, Praça do Sertório, 27 de Agosto, 22h
Arraiolos, Espaço junto à Biblioteca Municipal, 28 de Agosto, 21h30
Estremoz, Casa de Estremoz, 30 de Agosto, 21h30
Depois da minha experiência aquando da composição da música original para os filmes mudos "Un Chien Andalou" (1928) de Luís Buñuel e Salvador Dalí; "Entre'Acte" (1924) de René Clair e o filme português "João Ratão" (1938) de Jorge Brum do Canto, desta vez fiz a música para o filme mudo "Felicidade" (1934) do russo Alexander Medvedkin. O convite partiu do Festival de Performance e Artes da Terra "Escrita na Paisagem" (com sede em Évora).
Alexander Medvedkin foi contemporâneo de eminentes cineastas soviéticos como Eisenstein, Pudovkin, Dovjenko e Vertov, mas nunca chegou a ter a projecção e o reconhecimento destes realizadores compatriotas. "Felicidade" (na imagem) é um notável filme sobre a repercussão da Revolução Bolchevique no povo anónimo. Ao contrário da seriedade dos filmes de Eisenstein, Medvedkin opta antes pelo género de comédia do burlesco, directamente influenciado por Buster Keaton. O resultado é um filme repleto de gags visuais, de crítica social e de grande rigor estético e formal. O realizador e documentarista Chris Marker foi um dos que reabilitou a figura e a importância de Medvedkin no cinema soviético, ao realizar o documentário "The Last Bolchevik" (1993). A Amazon.com prepara-se para lançar, no início de Setembro, um DVD contendo o filme "Felicidade" e o documentário de Chris Marker. Sem dúvida uma oportunidade para conhecer o trabalho de um realizador esquecido.
Quanto à música que irei tocar para acompanhar o filme ao vivo... A questão maior foi: que música é adequada para um filme de humor mudo anti-bolchevique banido na Rússia durante 40 anos? Num filme feito de uma fina e subtil estrutura formal e narrativa, só faz sentido uma música que consiga corresponder a essas características. Pretendi que houvesse uma relação dinâmica entre a imagem e a música, recorrendo a múltiplas sonoridades, texturas, ambientes e estilos musicais (com programações electrónicas e instrumentos avulsos - concertina, guitarra eléctrica, harmónica, flautas, xilofone, percussão....
Por conseguinte, se alguém passar por estas terras nesses dias, está desde já convidado a assistir a um destes cine-concertos. Nem que seja para ver o que vai sair dali...
Entretanto, acaba de ser lançado pela netlabel (editora digital) MiMi Records o novo EP de Kubik intitulado "How Blue Was My Sky" que pode ser descarregado gratuitamente no site da editora.

A RTP tem bom gosto


Há três dias escrevi num post mais abaixo uma pequena abordagem ao documentário "Naqoyqatsi" e eis que ontem foi transmitido na RTP uma reportagem sobre a arquitectura de Pequim e o inerente crescimento económico. O que é que tem a ver uma coisa com a outra? Muita coisa. Desde logo, porque a música dessa reportagem televisiva é exactamente a mesma do filme de Godfrey Reggio e Philip Glass. Depois, a própria realização e montagem foi claramente inspirada na estética visual do documentário. Já para não falar nas semelhanças em termos de conteúdo e mensagem: quer a peça jornalística quer o filme, abordam as questões de fundo da vivência do homem em contexto urbano, subjugado à megalómana arquitectura das cidades e dos seus absorventes ritmos de vida (que por sua vez são ditados pela imparável vida económica). Depreende-se, pois, que o jornalista da RTP conhece a linguagem audiovisual contemporânea e, em particular, da trilogia Qatsi.
Mais do que acusar o jornalista de plágio (seria ridículo), parece-me mais interessante e justo felicitá-lo pelo trabalho de criação de uma peça jornalística que vai buscar referências audiovisuais de qualidade, ponto por ponto, ao filme "Naqoyqatsi". E é mais uma prova de como este filme (e os outros dois da trilogia) influenciaram grande parte da produção audiovisual dos últimos 20 anos: documentários sobre natureza, publicidade, videoclips musicais, televisão, etc. Afinal, ainda há surpresas no meio jornalístico televisivo.
A reportagem da RTP pode ser vista aqui - "Arquitectura em Pequim".

Sofrer para vencer

Como acontece em todos os desportos e, consequentemente, em todas as provas desportivas, o êxito vive paredes meias com o fracasso. A vitória com a derrota. A alegria com o pesar. Com a qualidade jornalística habitual a que nos habituou a agência Reuters, vejamos algumas fotografias de atletas que não conseguiram atingir o almejado sonho Olímpico. Sangue, suor e lágrimas em magníficos retratos de esforço (sobre)humano. Link.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Mais um ano neste dia

Neste dia feriado, dia da Assunção de Nossa Senhora, nasceu Napoleão Bonaparte e morreu René Magritte. Neste 15 de Agosto teve também início o primeiro dia do histórico festival de Woodstock. É um dos dias mais fortes de festividades pimba, um pouco por todo o país. Um dia de muitos casamentos de emigrantes e festarolas populares. Um dia de início ou fim de férias para milhares de portugueses e turistas. Um grande dia nacional, portanto.
E é o dia em que o Homem Que Sabia Demasiado comemora mais um aniversário. Mais um ano passa por este dia.

Didjeridoo


O didjeridoo é um instrumento de sopro oriundo das tribos aborígenes australianas. Tradicionalmente, é um tronco longo de eucalipto ou de bambu oco por acção das térmitas. Tem um som característico e pode variar entre a austeridade tímbrica e a suavidade mística. O didjeridoo está longe de se restringir à música étnica, uma vez que tem sido utilizado (e continua a ser) em muitos grupos de música e géneros musicais ocidentais. Aliás, é um instrumento tão popular como o djambé. Apesar de não parecer, tocar didjeridoo não é fácil e requer treino persistente, sobretudo para o músico conseguir controlar a chamada técnica de "respiração circular", que permite emitir sons de forma contínua (expira-se com a boca e inspira-se pelo nariz ao mesmo tempo).
Em Portugal há um excelente executante deste instrumento australiano: faz parte do grupo Olivetree, um trio de músicos constituído por um tocador de didjeridoo, um baterista e um percussionista. Os seus concertos ao vivo (vi-os uma vez) são uma verdadeira e alucinada celebração rítmica (como se fosse drum'n'bass tribal). Por esse mundo fora há muitos músicos que tocam didjeridoo, de forma amadora ou profissional. Um dos maiores especialistas no didjeridoo é Stephen Kent, um músico australiano que fez parte do grupo Trance Mission. No vídeo que se segue podemos vê-lo a tocar com o baterista americano Tony Royster jr., um jovem e talentoso músico de 23 anos (começou aos 10!). A junção dos sons graves e ondulantes do didjeridoo com os ritmos da percussão conferem uma proposta musical deveras inusitada e contagiante.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

A violência como forma de vida

"Naqoyqatsi" encerra a brilhante trilogia "Qatsi" da dupla Godfrey Reggio (realizador) e Philip Glass (música). O documentário, baseado em imagens de arquivo, é uma verdadeira reflexão filosófica sobre o estado do mundo actual e da relação do homem com a tecnologia (referido já aqui). Neste último capítulo da trilogia, Godfrey Reggio aborda a violência global como tema do seu trabalho com as imagens, enquanto o compositor Philip Glass e o prestigiado violoncelista Yo-Yo Ma compõem uma música que pontua, em notável crescendo, a montagem endiabrada das imagens.
Estes 9 minutos são os mais intensos e inebriantes de todo o filme (visual e musicalmente falando), culminando em imagens pungentes de sofrimento humano. Na net, alguém escreveu, a propósito desta sequência de "Naqoyqatsi": "nunca pensei que um "art film" me fizesse chorar". Não duvido.

Génios atrás das grades



Para além da literatura, o que têm em comum Dostoiévski, William Burroughs, Jean Genet, Oscar Wilde, Cervantes, Paul Verlaine, Ken Kesey, Alexander Soljenítsin, Thomas More ou Marquês de Sade? Todos estiveram presos em determinada circunstância das suas vidas por distintos motivos (desde atentados ao pudor a questões políticas e pequenos delitos). A par de escritores, podia-se juntar uma lista de actores, músicos e desportistas, consagrados e famosos, que já experimentaram ver o sol atrás das grades. A genialidade criativa também tem o seu lado obscuro e demente, prova de que todo o homem se resume a um comum mortal com fraquezas e debilidades.
Como dizia o filósofo Kierkegaard, "a vida é um território sem fim de possibilidades e a cada momento somos forçados a escolher qual o caminho a percorrer". Definitivamente, o mundo é igual para todos e os ímpetos mais negativos e destrutivos da natureza humana não escolhem profissões, estatuto social ou condição artística.

Discos que mudam uma vida - 25


Dissidenten - "Sahara Electrik" (1983)

Alguém me gravou este disco numa cassete áudio pelos meados dos anos 80. Das várias centenas de cassetes que acumulei durante essa década, confesso que a cassete com o viciante disco "Sahara Electrik" dos Dissidenten foi das que mais rodou na aparelhagem (ao ponto da fita se ter estragado). À altura, era para mim um disco com uma sonoridade totalmente nova e estimulante, em que sons do Médio Oriente e da Ásia se misturavam com ritmos electrónicos, na esteira do álbum "My Life in the Bush of Ghosts" (editado dois anos antes) de David Byrne e Brian Eno.
Os Dissidenten são um colectivo alemão (ainda em actividade) que criou alguns álbuns essenciais (este é o principal) para a evolução da estética "fusionista" entre a world music e a sensibilidade puramente pop (que viria a desenvolver-se posteriormente com outros grupos). De resto, o tema "Fata Morgana" dos Dissidenten foi um dos temas mais populares nas pistas de dança alternativas da primeira metade dos 80 em países como Espanha, Itália, Alemanha e Canadá. Ouça-se "Fata Morgana" aqui. "Sahara Electrik" é um disco de pura energia e encantamento melódico e rítmico, concebido por um grupo de alemães fascinados pela tradição musical de Marrocos, Argélia e Índia (colaboraram com alguns músicos destes países).
Para quem quiser conhecer ou recuperar este disco dos Dissidenten, basta carregar neste link e o disco estará pronto a ser degustado em todo o seu esplendor!

Díptico - 23


Mão Morta: "Müller no Hotel Hessischer Hof" (1998) e "Maldoror" (2008)

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Brazilian Girls


"New York City" é o terceiro álbum do projecto Brazilian Girls, um quarteto de Nova Iorque cujos elementos nada têm a ver com o Brasil (dois americanos, um argentino e uma cantora italiana que canta em várias línguas). Um disco multicultural que assenta na confluência de gostos e sensibilidades díspares. A sonoridade deste grupo é a certa para o Verão: mistura de pop electrónica com bossa nova, reggae, rock, jazz, ritmos exóticos e ambientes de cabaret (ouça-se a viciante canção "Berlin" do myspace do grupo). Diz-se que não costumam ensaiar: sobem ao palco e vão criando e improvisando as suas músicas. Irreverência visual e atitude provocatória são outros atributos dos Brazilian Girls. A título de exemplo, veja-se e ouça-se esta magnífica prestação ao vivo no programa de David Letterman (com um tema referente ao álbum anterior):

Nova Take


Já se encontra disponível a revista portuguesa de cinema Take, número de Agosto. Basta abrir este link e desfolhar página a página ou descarregar directamente o respectivo PDF. A estreia do filme de animação "Wall-E" é a capa da Take, que conta ainda com as habituais secções (críticas, entrevistas, retrospectivas de cinematografias...). Especial atenção para um texto do crítico Lauro António no qual disserta sobre o prazer da escrita e da crítica de cinema (com base na sua própria experiência como jornalista).

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Guitarra e guitarristas


Aprendi a tocar guitarra com 10 anos. Como é habitual no ensino deste instrumento, primeiro aprendi guitarra clássica, para depois passar para a eléctrica. Nunca primei pela técnica ou pelo virtuosismo. Toco o suficiente para a música que faço. Ponto. Sempre menosprezei o virtuosismo pelo virtuosismo, a técnica pela técnica, como é apanágio de muitos músicos (e ouvintes). E nunca apreciei os chamados "guitar heroes". Por isso nunca gostei de Eric Clapton, Carlos Santana, Steve Vai, Joe Satriani, Jeff Beck, Stevie Ray Vaughan e afins. É certo que têm o seu lugar na história da música rock e da guitarra eléctrica, mas musicalmente dizem-me praticamente zero. É aqui que reside o fulcro da questão: posso reconhecer capacidades instrumentais num guitarrista mas não me identificar, de todo, com a sua música. De resto, esta premissa é válida para muitos outros instrumentistas e intérpretes.
Aos tecnicistas ferozes, que debitam 30 notas diferentes a cada segundo (escalas atrás de escalas), prefiro sempre os guitarristas que fazem da guitarra um instrumento de combate sonoro. Guitarristas que dão mais importância à exploração tímbrica e rítmica do instrumento. Que abordam a guitarra com total emoção em detrimento da técnica. Guitarristas que preferem a subtileza e a simplicidade eficaz do que os solos intermináveis. Bastam dois ou três acordes para fazer música interessante - depende é de como se utilizam e exploram esses acordes (o punk-rock é um exemplo). Neste capítulo, há melhores guitarristas do que os de blues? Bo Diddley (recentemente falecido), Buddie Guy, (o grande) Robert Johnson, Lightnin' Hopkins, B.B. King, Big Bill Broonzy, Johnny Lee Hooker, Muddy Waters. Todos os grandes guitarristas - do rock ao jazz - aprenderam com os mestres do blues. Foram os verdadeiros visionários no dedilhar das cordas da guitarra, como se esta fosse a manifestação sonora da alma humana.
Na história do rock há um nome incontornável e decisivo: Jimi Hendrix, considerado por muitos o melhor guitarrista de sempre. Tinha técnica, é verdade, mas a sua mestria foi posta ao serviço de ideias musicais incendiárias e de formas de tocar revolucionárias. Os densos riffs de guitarra dos The Velvet Underground, as malhas noise de Glenn Branca, de Lee Ranaldo e Thruston Moore (Sonic Youth), os primeiros Jesus and Mary Chain, o inventivo The Edge (U2), o rítmico Dick Dale, os inovadores Robert Fripp, Fred Frith, Jim O'Rourke e John Fahey, o elegante Ry Cooder, são apenas exemplos de guitarristas que tocam com o coração nas mãos. Com um estilo totalmente distinto da mediania dos guitarristas mundiais, "guitar heroes" incluídos.
A revista Rolling Stone, citada pelo site Hotguitarrist.com, lançou mais uma das suas habituais listas em que se seleccionam os 100 melhores guitarristas de sempre. A questão é que nunca se sabe quais os critérios destas listas: o que significa "melhor guitarrista"? Aquele que corresponde ao paradigma da capacidade técnica ou aquele que priveligia a criatividade e a inovação? Seja como for, subjectividades à parte, o certo é que o primeiro lugar é inquesionável: o guitarrista canhoto que um dia cantou "Hey Joe, where you're walking with that gun in your hand?". Ver aqui lista

Donnie Darko

O filme "Donnie Darko" (2001) de Richard Kelly é um dos melhores filmes independentes da última década, tendo-se tornado num autêntico fenómeno de culto. Com um notável e original argumento, Richard Kelly realizou um filme que é uma belíssima peça de relojoaria surreal sobre os tormentos de um adolescente (um jovem Jake Gyllenhaal) que tem visões de um coelho gigante que o força a cometer crimes. Obra com narrativa bizarra mas altamente sugestiva para os sentidos. Não admira que tenha sido comparado com outro filme bizarro - "Mulloland Drive" de David Lynch, estreado também em 2001.
"Donnie Darko" tem um início de filme fulgurante, no qual a fotografia, os movimentos de câmara (montanha, bicicleta) e a música (inesquecível "Killing Moon" dos Echo & The Bunnymen) compôem um quadro audiovisual perfeito durante os primeiros 4 minutos de filme.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Retrato do artista quando jovem - 6


Frank Sinatra

Karlheinz Stockhausen

Sylvia Plath

Stephen King

Roman Polanski

Pabrlo Neruda

Jodie foster

Buster Keaton

Al Pacino

O tributo


Já era hora: disco de homenagem aos The Cure. Vai ser editado apenas em Outubro deste ano, e vai ter o formato de CD duplo, com perto de 40 versões das canções da banda de Robert Smith. Temas míticos como "A Forest", "Close to Me", "Killing an Arab", "Love Cats", "In Between Days" e tantos outros, vão ser revistos à luz de novas abordagens e sonoridades. Aguardemos, portanto.
Mais informação no site da editora Manimal Vinyl Records.

Livrai-nos do Mal

O homem da imagem exerceu o sacerdócio durante quase 40 anos no estado da Califórnia. Este homem de olhar sereno e apaziguado, de humilde origem irlandesa, chama-se Oliver O'Grady e é o mais reconhecido pedófilo da Igreja Católica moderna. Como este padre, houve muitos outros acusados de abusos sexuais a menores, mas O'Grady é o caso mais mediático e, talvez, um dos mais perturbantes dos últimos anos. Sem qualquer vergonha ou qualquer sentimento de culpa, O`Grady usava o seu charme e autoridade para violar dezenas de crianças e famílias Católicas do Norte da Califórnia. Durante mais de duas décadas, as suas vítimas foram desde um bebé de 9 meses à mãe de um adolescente, que também tinha sido molestado. Apesar das queixas em várias comunidades, a Igreja foi dissimulando o caso para evitar críticas, transferindo-o de paróquia em paróquia como se isso resolvesse algum problema. Oliver O´Grady acabaria por ser preso, mas cumpriu apenas metade dos 14 anos a que foi condenado. Hoje em dia passeia-se livremente pelas ruas de Dublin.
Sobre a tumultuosa vida deste ex-padre a realizadora Amy Berg realizou um fascinante documentário em 2006 que resultou numa nomeação ao Óscar para a categoria de Melhor Documentário em 2007 (para além de ter ganho cinco outros importantes prémios). O documentário tem, apropriadamente, o título "Deliver us From Evil", com tradução portuguesa litaral "Livrai-nos do Mal". Em Portugal não estreou comercialmente em sala, mas qualquer interessado poderá conhecer o filme comprando o DVD que na Fnac custa menos de 10€. Também é recomendável entrar no site oficial do filme e visionar o excelente trailer.
"Deliver us From Evil" é um documentário extremamente bem conseguido pela forma inteligente como aborda um tema tão delicado. A colaboração do pedófilo assumido foi essencial para o bom resultado do filme, visto que, sem pejo nem mostras de arrependimento, O'Grady revela pormenores escabrosos dos abusos que perpetrou durante décadas. Não há recurso habitual à narração em off, nem efeitos visuais vistosos, não há moralismos condescendentes, nem montagem ou música para sensibilizar o espectador. Toda a informação do filme é transmitida de forma seca e crua, como secos e crus foram os factos vividos pelas vítimas. É um filme perturbante porque neste homem se espelhavam os valores religiosos, os quais foram brutalmente traídos, corrompendo premissas básicas como a verdade, a fé, a inocência, a moral, a devoção. O'Grady violou e abusou de dezenas de crianças (e não só), e a hierarquia da Igreja, hipocritamente, tentou sempre ocultar o problema com soluções de supérflua validade (como a transferência do padre para outras paróquias). As vítimas são agora adultas e não revelam medo no modo como manifestam as suas emoções no filme. Sentem profunda revolta, uma revolta que lhes custou a inocência perdida (como um jovem conta).
"Livrai-nos do Mal" é um exercício de exorcismo para com o padre pedófilo, mas é também um documento para compreendermos como o mal se encerra, muitas das vezes, sob a capa do humanismo e dos valores supostamente incorruptíveis da religião - de resto, a História é pródiga em comprovar este tese. Este homem, Oliver O'Grady, que após cada violação ia à Igreja pedir perdão a Jesus Cristo, cumpriu uma parca sentença na prisão pelos seus hediondos crimes. Agora passeia-se nas ruas de Dublin...

domingo, 10 de agosto de 2008

Díptico - 22


A música do cinema na rádio


A Rádio Universidade de Coimbra é um exemplo claro de serviço público de rádio. Como referi já neste post, a RUC é uma estação que, estando ligada a uma Universidade e a uma cidade, consegue suplantar as limitações habituais de programação com uma filosofia radiofónica de autor e de qualidade. Uma filosofia que prima pela diversidade de informação e de programas, priveligiando as correntes musicais alternativas, promovendo debates sobre cultura e artes, concertos, parcerias com outras entidades culturais, etc.
Na rica e dinâmica linha de programação da RUC existem programas temáticos concebidos por animadores não profissionais, mas com sólida preparação ao nível da comunicação e da formação cultural. Na RUC podemos ouvir programas de qualidade que divulgam as músicas do mundo, o jazz, o rock independente, a electrónica mais experimental, o heavy metal, a nova música portuguesa ou a música erudita. Daí que a rádio da cidade dos estudantes seja um caso praticamente único e de grande resistência no panorama português da rádio, mesmo após mais de 20 anos após a sua fundação.
Um dos seus programas mais peculiares é o "Cinemusicorium", de Vasco Otero. Trata-se de um programa que visa, objectivamente, divulgar as músicas (bandas sonoras) do cinema, realizando semanalmente o relato áudio e verbal descritivo de uma obra da sétima arte em cada emissão. Ouvem-se as músicas, assim como de debita informação sobre os compositores de cinema, conversas com convidados especiais, entrevistas, etc. A música para cinema é uma arte muitas vezes negligenciada, pelo que o labor de Vasco Otero é o de lembrar que a música dos filmes é tão importante quanto outras criações musicais de género mais popular. E que, por isso mesmo, faz sentido incluir uma programa deste teor na programação de uma rádio.
O programa vai para o ar semanalmente todas as segundas-feiras, entre as 20h e 21h, e pode ser ouvido através da RUC online. Para mais informação sobre o programa e os conteúdos tratados no mesmo, o melhor mesmo é abrir o blogue do Cinemusicorium.

sábado, 9 de agosto de 2008

Díptico - 22


"A Guerra do Fogo" (1981) e "O Urso" (1988) de Jean-Jacques Annaud

Uma Diva intemporal


No dia 8 de Agosto de 1985 morria, na total solidão e indiferença, uma das maiores divas do cinema mudo: Louise Brooks. Teve uma carreira curta, de pouco mais de 10 anos e participou apenas em 24 filmes, quase todos filmes menores e esquecidos. Menos um, que foi o suficiente para lhe valer o reconhecimento mundial, elevando-a ao património do imaginário cinematográfico de sempre: "A Caixa de Pandora" (1928), do realizador alemão G.W. Pabst (que já tinha lançado Greta Garbo). Neste filme, Brooks irrompe na tela como um vulcão e interpreta Lulu, uma jovem radiante que é inconscientemente responsável pela ruína dos seus amantes e é vítima da exploração daqueles que se aproveitam de sua beleza e ingenuidade. A actriz empresta à personagem Lulu uma alta carga de erotismo. Um erotismo à flor da pele, insinuante, feito de gestos e olhares. O rosto e corpo de Brooks irradiam sensualidade, enlouquecendo os homens à volta (mais do que Marlene Dietrich fez em "O Anjo Azul" de Sternberg). A beleza expressiva e rara de Louise Brooks e o seu talento para interpretar essa mulher fatal, enigmática e ingénua, sagrou-a para sempre como uma figura de culto que perdura até aos nossos dias. Tal é o culto que existem inúmeras páginas na internet de devoção incondicional a esta actriz e mulher que, após o fim do período mudo, praticamente não voltaria a trabalhar no cinema. A título de exemplo, veja-se este site brasileiro.
Em Portugal não há edição em DVD do filme "A Caixa de Pandora", mas pode ser adquirido uma edição espanhola (a que eu tenho) mesmo aqui, por um preço muito convidativo.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Nico Muhly - um talento afirmado


O rapaz da fotografia tem cara de um jovem saído da adolescência, igual a tantos outros. Na verdade já tem 27 anos e, apesar da cara de miúdo, é actualmente um compositor prestigiado e reconhecido. É americano, chama-se Nico Muhly e teve formação musical clássica. Com pouco mais de 20 anos colaborou já com nomes sonantes como Philip Glass (enquanto orquestrador e organista) e com Björk. Compôs inúmeras peças eruditas (para orquestra e coro, sobretudo) e é tido como um excelente intérprete de reportório renascentista e clássico. É especialista em música renascentista, medieval e coral, mas isso não o impede de abraçar experiências contemporâneas, nomeadamente, com música pop e de cariz mais experimental. Mistura referências eruditas com elementos da linguagem pop, compõe tanto para cravo, banjo, percussão, piano, como para cordas, coro e samples electrónicos. Ou seja, um compositor que escapa a convenções e classificações, o que é um excelente e saudável sintoma de inconformismo artístico.
Pela precocidade artística e pelo talento insólito revelado, Nico Muhly tem sido alvo de todas as atenções por parte da comunicação social especializada - dos jornais mais circunspectos à vanguardista revista Wire. E compreende-se porquê. Editou há poucas semanas o seu segundo disco a solo, intitulado "Mothertongue" (imagem à direita), um disco que é uma fascinante viagem ao imaginário musical ecléctico de Nico Muhly. Podemos escutar jogos vocais em espiral (influência óbvia das peças vocais de Philip Glass), composições electro-acústicas de fino recorte musical, grande variedade de paleta tímbrica e instrumental, aproximações difusas ao formato de canção pop - mas sempre com um inebriante rasgo de inovação formal (seja pela orquestração ou pelos arranjos). Nico Muhly, apesar da sua juventude, está claramente a marcar pontos no panorama da música contemporânea, situando-se num território estético marcado pela fusão e simbiose de referências estilísticas.

Dois filmes de Espanha


São dois filmes recentes que comprovam a vitalidade do cinema espanhol. Sobretudo no que se refere à produção do cinema fantástico e de terror. Filmes multipremiados em diversos festivais (como o Fantasporto), "O Orfanato", de Juan Antonio Bayona (com produção de Guillermo Del Toro) é um prodigioso exercício de suspense com base numa inquietante história de amor maternal; "Rec", de Jaume Balegueró e Paco Plaza, revela-se uma obra de grande fulgor emocional tendo como pano de fundo o mundo do jornalismo televisivo. "O Orfanato" foi candidato ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro na última edição dos Óscares.
Depois do fulgurante filme "Os Outros" (2001) de Alexandro Amenábar com Nicole Kidman, também ele um filme de terror extremamente bem conseguido, o cinema espanhol continua a evidenciar grandes qualidades de criação e de produção - ao nível do que de melhor de faz no mundo inteiro. Um cinema que consegue extraordinárias receita de bilheteira (os espectadores espanhóis acorrem em massa às salas para verem filmes espanhóis), da mesma forma que consegue obras de grande pujança artística e comercial sem comprometer a qualidade. Em contrapartida, o cinema português divide-se entre o cinema de autor elitista de um Pedro Costa e as alarvidades de objectos como "Corrupção" e quejandos...

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Woody Allen cartoon

Há uns tempos li que o realizador Woody Allen era uma das figuras artísticas contemporâneas mais representadas graficamente. Sobretudo por caricaturistas e cartoonistas (já para não falar nos fotógrafos). Eis alguns exemplos: