domingo, 31 de julho de 2011

"Dogville" motiva massacres?


O realizador dinamarquês Lars Von Trier, autor do filme "Dogville" (na imagem), admitiu ontem que a sua película pode ter servido de inspiração a Anders Breivik para cometer o duplo atentado na Noruega que vitimou 77 pessoas. Disse o realizador ao jornal dinamarquês "Politiken": "Sinto-me bastante mal só de pensar que o Dogville pode ter servido para Breivik como uma espécie de guião".
A minha sucinta conclusão: não só acredito que ver "Dogville" não desperta em ninguém instintos assassinos em massa como acredito que esta intervenção do cineasta é, mais uma vez, um pretexto oportunista para falar de si e dos seus filmes.
É como se agora a editora de videojogos Activision viesse desculpabilizar-se porque Anders Breivik era adepto do jogo "Call of Duty: Modern Warfare", em jeito encapotado de publicidade gratuita ao mesmo.
Lars não descarta uma oportunidade para se auto-promover e a sua declaração só atira confusão na opinião pública sobre a alegada relação entre filmes violentos e crimes reais.

Notas de Bresson #4

"As obras-primas da pintura e da escultura, tipo Gioconda ou Vénus de Milo, têm tantas razões para serem admiradas que acabam por ser admiradas apenas pelas más. As obras-primas do cinema são habitualmente admiradas pelas más razões".

sábado, 30 de julho de 2011

Remake inútil

Juro que não percebo a obsessão de Hollywood em fazer remakes de filmes clássicos e de culto. É o sintoma definitivo do esgotamento de ideias da indústria cinematográfica norte-americana: à falta de argumentos arrojados e inovadores, capazes de mobilizar novos espectadores às salas de cinema, os produtores preferem investir na reconstituição moderna de filmes que outrora foram marcantes. Para quê? É a pergunta a que ninguém consegue responder...

Nos últimos tempos as notícias de remakes são sucessivas e imparáveis. Ainda há dias lia acerca do remake de "The Thing" de John Carpenter e agora deparei-me, ao ler a revista Total Film, do remake do espantoso clássico do mestre Sam Peckinpah, "Straw Dogs" ("Cães de Palha"). Vi o trailer e fiquei a pensar quão inútil e desnecessário deve ser este filme realizado por um tal Rob Lurie. Qual o objectivo deste remake quando o original é tão bom? Pelo que vi e li, só mudam praticamente os actores, a história mantém-se idêntica, e há até planos iguais aos do filme de Peckinpah. Até o cartaz é igual ao protagonizado por Dustin Hoffman! Enfim, dinheiro e tempo desperdiçados.

Estou em crer que, por este andar, ainda veremos infames remakes de obras como "Citizen Kane" ou "O Couraçado Potemkine"...

Sobre "Straw Dogs" (o meu Peckinpah preferido) já tinha escrito este post.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

quinta-feira, 28 de julho de 2011

O dislate de Morrissey


"We all live in a murderous world, as the events in Norway have shown, with 97 dead. Though that is nothing compared to what happens in McDonald's and Kentucky Fried Shit every day."

Morrissey, em declarações sobre o massacre na Noruega. Não percebo o verdadeiro intuito das palavras do ex-cantor dos Smiths. Toda a gente sabe que é um vegetariano fundamentalista ("Meat is Murder") mas não pode - nem deve - comparar e misturar o massacre diabólico da Noruega de dezenas de seres humanos com a indústria do hambúrguer e o respectivo abate de animais. Coerência e sensatez são atributos que Morrissey nunca gostou muito de cultivar e a sua afirmação não abona nada em favor da cultura do Veganismo.

Kubik e os posters de cinema

"Movie Poster": música para posters de cinema. Novo projecto de Kubik a apresentar numa mini-digressão pelo Altentejo na primeira semana de Agosto.

Toda a informação aqui.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

O filme ou os Extras?

"Nunca faço extras de comentários do realizador nos meus lançamentos em DVD. Sei que as pessoas gostam de extras, mas, agora, com todos os acrescentos, parece que o filme simplesmente se perdeu. Temos de preservar o filme em si. Trabalha-se tanto para conseguir um filme de uma certa maneira: não se devia mexer nele.
Os comentários do realizador só abrem a porta à mudança da percepção das pessoas ao elemento número um - o filme. Acredito, sim, em contar histórias que girem à volta do filme, mas comentar à medida que se vai rodando é um sacrilégio."
David Lynch, in "Em Busca do Grande Peixe" (2008)

terça-feira, 26 de julho de 2011

A poesia de Jean Vigo


Jean Vigo, que morreu com apenas 29 anos, fez parte da primeira vaga da vanguarda francesa do cinema, com Jean Cocteau, René Clair e Luís Buñuel (apesar de este ser espanhol, foi em França que começou a carreira de realizador). E é para mim um dos mais espantosos realizadores franceses de sempre, apesar da sua curta vida e carreira.

O pai de Jean Vigo era anarquista e esta ideologia influenciou determinantemente a sua visão artística, resultando num cinema libertário, de recusa de regras académicas, fazendo um cruzamento de linguagens entre o realismo de um Jean Renoir, a poesia de um Baudelaire e o surrealismo de um Buñuel. A sua escassa filmografia é de uma riqueza singular: o documentário “A propósito de Nice” (1929) que tanto influenciou Manoel de Oliveira na sua obra “Douro, Faina Fluvial”; o documentário “Taris” sobre um nadador famoso (1931); “Zero em Conduta” (1933), obra fundamental que reflecte sobre o autoritarismo da escola; e o maravilhoso “Atalante” (1934), última obra de Vigo.

Não admira que, com esta escassa mas riquíssima filmografia, Jean Vigo se tornasse num cineasta tão amado pelos realizadores da "Nova Vaga" da década de 60. Uma curiosidade: todos os filmes de Jean Vigo tiveram como operador de câmara Boris Kaufman, irmão do fundamental cineasta russo Dziga Vertov. E desde 1951 foi instituído o “Prémio Jean Vigo” para o melhor realizador francês, atribuído anualmente.
Eis o belíssimo documentário mudo "A Propos de Nice" (1939), com música de Mark Perrone:

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Carregar "pause" na cultura pop


Nuno Markl assinou uma crónica interessante na última edição do semanário Expresso. Basicamente, escreve sobre a velocidade e o excesso de propostas culturais comparativamente com uns 15 ou 20 anos atrás. Com o sugestivo título "Alguém Que Carregue no Pause", Markl escreve que há dias foi interpelado por um amigo que lhe perguntou se já se tinha dado conta da oferta que há hoje, comparado com o tempo deles.

Markl respondeu e escreveu: "Já tinha dado conta e odeio. Só pessoas desprovidas de vida podem rejubilar com o total e completo descontrolo em que se encontra a cultura pop moderna. A cada semana surge uma série nova de qualidade. Um filme de qualidade, ou 500 discos de novos artistas. É um ritmo alucinante. Quero de volta o tempo em que parecia que parecia que só existia "A Balada de Hill Street" ou "Cheers", em que parecia sair só um LP por semana. Estou a enlouquecer porque costumava ter tempo para devorar todas as novidades. Longe vai o tempo em que eu estava na vanguarda da descoberta das novidades que iriam tornar-se ouro."

Eu já tinha abordado esta questão no blog por diversas vezes. Na verdade, pegando nas palavras de Nuno Markl, é alucinante o ritmo de oferta cultural dos nossos tempos. Muitíssimo mais quantidade e diversidade do que há 20 anos, quando era muito fácil acompanhar as novidades do novo filme que estreava, dos dois ou três discos a ouvir em cada semana, das duas séries de televisão que passavam semanalmente, de um ou outro livro bom que urgia ler. Agora não. De há uns anos para cá, muito por culpa da internet (mas não só), a oferta de produtos e objectos culturais é demencial. Por dia são editados em média 40 novos livros apenas no mercado português; todos os dias somos inundados com dezenas de novos discos, novas bandas, novas promessas da música nacional ou estrangeira; todas as semanas as revista e jornais da especialidade nos convidam a comprar dezenas de livros que importa ler; todas as semanas estreiam 7 ou 8 filmes nas salas de cinema; todos os dias há 4 ou 5 séries televisivas que se podem ver nos canais temáticos por cabo; etc.

Perante este cenário de super-abundância e diversidade de informação, o desnorte impera mesmo para consumidores culturais experimentados. Paradoxalmente, perante este excesso de oferta, a fruição cultural ressente-se e torna-se angustiante e penoso e demorado fazer a triagem, separar o trigo do joio, seleccionar o essencial do essencial e eliminar o supérfluo.
Sim, são os novos tempos da velocidade da informação e da comunicação, muitas das vezes, à distância de um simples clique. Mas esta velocidade acarreta riscos e paradoxais consequências. Na verdade, era bom fazer mesmo "pause" na cultura pop.

Notas de Bresson #3

"Não à música de acompanhamento, de conforto ou de reforço. Não a qualquer tipo de música. É preciso que os ruídos se tornem música."

domingo, 24 de julho de 2011

Clássicos do Cinema em BD para Pessoas com Pressa #27

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O realizador do massacre de Oslo

É uma mania que eu tenho: sempre que ocorre um acontecimento violento e trágico, ponho-me a pensar que realizador seria o ideal para adaptar ao grande ecrã esse mesmo acontecimento.
A propósito do recente massacre de Oslo, lembrei-me que o Michael Mann seria perfeito para levar a cabo um filme sobre esta carnificina inqualificável. Não só porque é um notável realizador de filmes de acção, mas também porque tem um sensibilidade especial para filmar cenas épicas de tiroteios e matanças ("Heat", "Colateral" ou "Inimigos Públicos" são bons exemplos).
E já agora: Johnny Depp estaria à altura de interpretar o papel do frio e impiedoso assassino Breivik.

sábado, 23 de julho de 2011

Mais um nome para o Clube 27


Nada que não se estivesse à espera, mais tarde ou mais cedo. A morte de Amy Winehouse, aparentemente vítima de overdose de drogas, não surpreende e engrossa a já vasta e considerável lista do fatídico "Clube 27" - o dos grandes e jovens artistas que morreram com apenas 27 anos.

Sobre este clube, escrevi isto.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Vilões e vilãs

Há uns anos fui desafiado por um blog para escolher 5 vilões e 5 vilãs que marcaram o cinema. Tentei fugir às escolhas mais óbvias (como por exemplo Jack Torrance de "The Shining"). Eis as minhas escolhas (sem ordem de preferência nem de cronologia):
VILÕES:
George (Arno Frisch) - "Funny Games"
(1997) - Michael Haneke

Max Cady (Robert Mitchum) - "Cape Fear"
(1962) - J. Lee Thompson

Henry Lee Lucas (Michael Rooker) - "Henry, Retrato de um Assassino"
(1986) - John McNaughton

Mick Taylor (John Jarratt) - "Wolf Creek"
(2005) - Greg McLean
Patrcik Bateman (Christian Bale) - "American Psycho"
(2000) - Mary Haron

Camião assassino - "Duel - Assassino Atrás das Costas"
(1971) - Steven Spielberg

VILÃS:
Mallory Knox (Juliette Lewis) - "Assassinos Natos"
(1994) - Oliver Stone

Peyton Flanders (Rebecca de Mornay) - "A Mão Que Embala o Berço"
(1992) - Curtis Hanson

Nicole Horner (Simone Singoret) - "As Diabólicas"
(1955) - Henri-Georges Clouzot


Alex Forrest (Glenn Close) - "Atracção Fatal"(1986) - Adrian Lyne


Annie Wilkes (Kathy Bates) "Misery - Capítulo Final"

(1990) - Rob Reiner

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Outra forma de olhar "The Shining"

O imaginário visual que emana do filme "The Shining" (1980) de Stanley Kubrick é quase inesgotável. Partindo desse mesmo imaginário e dos pormenores visuais que preenchem todo o filme (desde o machado ao triciclo, do padrão do tapete do hotel à porta do quarto...), designers e gráficos de todos os quadrantes criaram posters alternativos.
Alguns são da lavra de verdadeiros e importantes autores, como o poster amarelo que é da autoria do mestre Saul Bass (que fez posters e genéricos para Hitchcock).















Notas de Bresson #2

"Duas espécies de filmes: os que empregam os meios do teatro (actores, encenação, etc) e se servem da câmara para reproduzir; e aqueles que utilizam os meios do cinematógrafo e se servem da câmara para criar".

domingo, 17 de julho de 2011

A música em espaços comerciais


A música nas lojas comerciais é quase sempre utilizada de forma absolutamente aleatória e sem critério (ou seja: a metro). Entra-se numa loja de roupa de marca e o que se ouve, invariavelmente, é música tecno em alto volume. Quase que nem dá para falar. Entra-se numa loja de decoração ou electrodomésticos e a experiência é a mesma. Isto quando não existe um LCD pregado à parede a debitar incessantemente videoclips da MTV dos anos 80. Já me aconteceu sair de uma loja por não conseguir aguentar a música (o pelo volume ou pelo estilo), como na Worten ou na Electric Co. (nesta última costuma passar em altos berros música pimba, fenómeno que afugenta muita clientela - não sei como os responsáveis da loja não se dão conta disse facto). Apesar da música ser passada nas lojas comerciais sem quaisquer critérios (sejam eles quais forem), há ainda algumas excepções.

É o caso da loja Natura, especializada em artesanato e artigos do mundo. Em qualquer centro comercial há, habitualmente, uma loja Natura (conhecida também por ter um urso de tamanho real à porta). O cliente sabe que esta loja é especial e diferente de qualquer outra. A decoração do espaço, os agradáveis aromas do ar (devido às fragrâncias e velas que a loja vende), a cor e a iluminação e, também, a música, ajudam a criar um conceito de identidade comercial muito próprio.

Os técnicos de comunicação e marketing souberam trabalhar a imagem desta loja porque souberam atribuir importância a todos os pormenores. Mas eu queria realçar a importância que a música desempenha para o espírito da Natura: sempre que entro numa destas lojas a música que se ouve é sempre excelente e adaptada ao conceito deste espaço comercial. Como a Natura vende essencialmente produtos e objectos (decoração, roupa...) de raiz tradicional e étnica (a filosofia oriental é subjacente ao espírito da Natura), a música faz jus a esse preciso espírito.

O cliente frui todos os estímulos, visuais, olfactivos e auditivos (vivemos o apogeu do chamado "neuromarketing"), pelo que os responsáveis da Natura sabem que todos os elementos são importantes para cativar o cliente. Daí que a música que se ouve na Natura - e num registo de volume sempre adequado ao espaço físico - é a música referente a múltiplos estilos de música do mundo, designadamente, do Médio Oriente, da Ásia e de África. Outras vezes ouve-se a fusão dessas músicas étnicas com electrónica e pop.

Outra ideia interessante: a loja coloca sempre em cima do balcão o CD que está no momento a tocar, disponibilizando-o ao cliente caso o queira consultar. Foi o que fiz. Muito agradado com a música que estava a ouvir e que desconhecia, dirigi-me ao balcão e solicitei o CD. E assim fiquei a conhecer um músico que de outra forma, provavelmente, não conheceria noutras circunstâncias (uma vertente que se diria didáctica): Issa Bagayogo, músico e tocador de Kora (herdeiro do grande Toumani Diabate). Aliás, no site da Natura, encontra-se disponível a criteriosa selecção musical que passa nas lojas de todo o mundo.

A loja natura é um oasis nas lojas comerciais que proliferam, de forma indistinta, nas catedrais do consumo. Uma loja que defende uma identidade, um conceito e uma filosofia de vida (com preocupações ambientais e ecológicas) como o interessante movimento slow.

sábado, 16 de julho de 2011

Kubik visto pelo Expresso

"Kubik ensaia um alucinado exercício de colagem, num equilíbrio quase perfeito entre sentido lúdico e veia experimental. Tem um savoir-faire da orquestração de matéria-prima diversa e um esmero na composição atmosférica sem nunca perder de vista a forte marca de autor". Ricardo Saló (Expresso)
Clicar na imagem para aumentar:

quinta-feira, 14 de julho de 2011

A música de Hitchcock


Este livro foi editado em 2008 e andava à procura dele há algum tempo. Afinal de contas, descobri agora que está integralmente disponível para leitura no Google Books (neste link). Trata-se de um livro que aborda a relação entre Alfred Hitchock e a música dos seus filmes, elemento crucial em toda a sua filmografia. Sem a música que Hitchcock utilizou, os ambientes de suspense e de terror nunca seriam a mesma coisa.

O autor do livro, Jack Sullivan, disseca de forma detalhada a relação de trabalho que Hitchcock estabelecia com os seus compositores, com uma análise a cada filme mais importante do mestre e com um especial enfoque no compositor Bernard Herrmann (com quem mais colaborou em diversas películas).

Nesta obra "Hitchcock's Music", Jack Sullivan conta inúmeros episódios como este que se passou entre Hitch e John Williams (antes de ser famoso com a música de "Star Wars"): corria o ano de 1976 e Hitchcock fazia o seu último filme, "Family Plot".

Numa conversa com John Williams sobre a música que este deveria utilizar para a sequência do assassinato, o realizador advertiu que não deveria utilizar sopros e timbales na orquestração porque era uma sonoridade muito lúgubre. John Williams ripostou afirmando que seria a melhor forma de sonorizar um homicídio. Ao que Hitchcock respondeu: "Não está a compreender, sr. Williams. O assassínio pode ser divertido".

quarta-feira, 13 de julho de 2011

O radicalismo de Godard


Dos grandes cineastas históricos ainda vivos, Jean-Luc Godard é o que eu tenho menos simpatia. Pelo menos do seu trabalho dos últimos 10 ou 15 anos. Bem sei que é um monstro sagrado da história do cinema, uma referência incontornável, um visionário que revolucionou a sétima arte, um realizador-chave da "nova vaga" francesa, etc.

Um cinéfilo tem as suas preferências, e para mim Godard é daqueles cineastas que, apesar de indubitavelmente talentoso, não me comove. E a emoção é parte essencial da linguagem artística. Gosto dos filmes do Godard dos anos 60 ("A Bout de Soufle", "Band à Part", "Le Mépris", "Pierrot le Fou", "Alphaville", "Wekkend"...), mas já não adiro com o mesmo entusiasmo aos filmes mais radicais do realizador franco-suíço.

E falo, particularmente, da sua mais recente obra, "Film Socialism", uma obra que vi ontem no cinema e que me deixou estupefacto. Godard refuta quaisquer resquícios de narrativa convencional (já o fazia antes, mas nunca com o radicalismo de agora) e explora à saciedade fragmentos de imagens, diálogos e sons que se estilhaçam a cada segundo. Para ver este filme, o espectador é forçado a uma concentração desmedida, tal a incrível avalanche de estímulos audiovisuais a que é submetido.

Sabe-se que "Film Socialisme" é constituído por três movimentos (ou secções); sabe-se que o filme lança farpas à Europa (mais uma vez), ao capitalismo, à falência das ideologias, recorrendo a imagens de arquivo, cortes abruptos e inesperados da montagem, a enquadramentos de câmara improváveis, a um ritmo avassalador de ideias, sons, memórias, informação em demasia. Radicalismo formalista do qual não retiro prazer estético.

É desse mal, quanto a mim, que padece o filme de Godard: à custa de tanto querer ser vanguardista e experimentalista - mesmo nos seus veneráveis 80 anos de idade -, o seu cinema enreda-se num formalismo levado às últimas e redundantes consequências. Cerebral, frio e metódico em excesso.

Não admira que "Film Socialisme" tenha sido recebido com reacções totalmente díspares: houve quem o comparasse à magnitude da obra literária "Ulisses" de James Joyce, e houve quem o cilindrasse pela petulância intelectual, pela linguagem audiovisual exacerbada e pela abstracção excessiva (parece que Godard, tendo filmado pela primeira vez com o sistema HD, se deixou deslumbrar com as potencialidades do mesmo - as brincadeiras visuais são mais do que muitas).

Gosto de propostas cinematográficas que me desafiem e provoquem, mas não a um nível como o cinema de Godard faz. O seu cinema actual é um cinema que me deixa exausto e desorientado, e pior: que não me provoca um pingo de emoção estética, que não me inspira nem me estimula. Saía da sala de cinema cansado pela frieza do que tinha visto e 10 minutos depois deixei de pensar no filme.

Há quem diga que "Film Socialisme" é já a manifestação visionária do "cinema do futuro". Pois que seja. Subjectividade por subjectividade, eu prefiro um plano-sequência de um qualquer filme do Béla Tarr do que este "cinema do futuro". E reconheço que "Film Socialisme" é um objecto essencial para ser discutido e analisado numa aula de cinema, de teoria da arte ou de comunicação visual.

(Nota: agora os defensores acérrimos do Godard podem encher a caixa de comentários com críticas... mas construtivas, se faz favor).

terça-feira, 12 de julho de 2011

3001

Este é o meu post nº 3000 e não tenho nada de útil para dizer/escrever.
O escritor Jack London dizia que "não se pode esperar pela inspiração, é preciso ir procurá-la num bar." Tendo em vista a hora e o cansaço, vou antes procurar a tal inspiração no "vale dos lençóis".
E agora é esperar pelo post nº 3001...

Notas de Bresson #1



O cineasta Robert Bresson escreveu um livrinho com pequenas notas que intitulou "Notas Sobre o Cinematógrafo" (edição Elementos Sudoeste, com tradução e posfácio do escritor e crítico Pedro Mexia).


Através destas notas, este livro revela a personalidade e as ideias do realizador francês. Cada nota - às vezes uma simples frase - demonstra uma subtil sensibilidade perante a arte do cinema, um olhar muito particular do acto de filmar, de dirigir actores, de montar e dar coerência a uma obra cinematográfica (e logo a uma obra tão exigente quanto a de Bresson).


Bresson escolhe as palavras de forma minuciosa, procurando por vezes a abstração, outras vezes, uma desarmante objectividade das ideias. Mas há sempre pertinência, substância e rigor nestas notas bressonianas. São pensamentos, reflexões e ideias, mais do que regras ou mandamentos do tipo teórico ou técnico.


Como cada nota, por mais pequena que seja, pode propiciar reflexão sobre o cinema, inicio aqui uma nova rubrica: "Notas de Bresson".


- "Sonhei que o meu filme se fazia passo a passo sob o meu olhar, como a tela de um pintor eternamente vívida".

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Playtime #60


A solução: "Caramel" (2007) - Nadine Labaki
Quem descobriu: Sam

A minha escolha: Danny Elfman


O Flávio Gonçalves, autor do blog de cinema O Sétimo Continente, convidou-me a escrever um pequeno texto sobre uma banda musical preferida de um filme.
Perante tamanha dificuldade, escolhi uma banda sonora pouco conhecida e de que gosto especialmente: a primeira composição original de Danny Elfman (o meu compositor contemporâneo favorito de cinema) para a primeira longa-metragem de Tim Burton - "A Grande Aventura de Pee-Wee"

As razões da escolha aqui.

domingo, 10 de julho de 2011

Jorge Lima Barreto


(Fotografia da autoria de Nuno Martins)
Em 1994 estava eu a terminar a licenciatura em Educação Musical quando, perante a necessidade de realizar um trabalho académico final, decidi fazê-lo sobre a corrente estética Música Minimal Repetitiva (Philip Glass, Steve Reich, La Monte Young...). Visto que, naquela altura, a Internet como fonte de informação era ainda uma miragem, procurei em bibliotecas livros sobre o assunto que queria desenvolver. Nada feito. O tema era demasiado rebuscado para ter acesso a qualquer tipo de informação. Então resolvi contactar directamente alguém que era a maior sumidade em música contemporânea em geral e na música minimal repetitiva em particular: Jorge Lima Barreto (JLB).

Já conhecia bem o trabalho musical do duo Telectu (com o guitarrista Vítor Rua), um projecto único na história da musica portuguesa, pela longevidade, diversidade e qualidade demontradas ao longo dos anos. Conhecia também um ou outro livro de JLB sobre jazz e música improvisada e tinha várias gravações do seu programa de de rádio Musonautas. Solicitei, então, ajuda ao JLB para a realização do tal trabalho. Com grande simpatia, o musicólogo respondeu-me prontamente enviando-me basta literatura e bibliografia sobre o tema. Tanto mais que, nessa altura, o próprio JLB estava a preparar um livro acerca da corrente minimalista nos EUA. A correspondência entre mim e o JLB continuou durante vários anos, trocando ideias e opiniões sobre as mais variadas áreas musicais. Li-o também, sempre com grande curiosidade, no Expresso e no Jornal de Letras. Mais tarde conheci-o pessoalmente e entrevistei-o para uma publicação do Porto.

Apesar da sua fama de arrogante, sempre admirei a sua vastíssima cultura musical (do rock ao jazz, da improvisação à electrónica), a sua visão intelectual da cultura, da vida e do mundo, tão patente na sua obra ensaística. JLB editou alguns dos livros sobre música mais importantes de sempre: "Revoluções do Jazz", "Jazz Off", "Rock Trip" ou "Musa Lusa", este último título, uma verdadeira enciclopédia sobre as novas correntes da música portuguesa. Após o fim dos Telectu, estranhei o silêncio de JLB: praticamente não voltou a fazer música, a proferir conferências, a escrever livros (ainda que em 2011 tenha concluído a sua tese de doutoramento), a fazer programas de rádio ou a escrever em jornais ou revistas da especialidade.

Um amigo meu, bem informado, confessou-me há apenas 3 dias, que JLB se encontrava gravemente doente num hospital em Lisboa. Ontem confirmou-se a notícia com a morte de JLB, com apenas 61 anos de idade e tanto ainda por dar à cultura e à música nacional. Entretanto, Vítor Rua desabafou na sua página do Facebook que, no dia do falecimento de JLB, recebeu mais telefonemas de jornalistas do que em 30 anos de carreira dos Telectu. É triste este jornalismo com pegada de abutre e é também um sintoma do nível cultural do mesmo.

Jorge Lima Barreto: obrigado por tudo o que me ensinaste e descansa em paz.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Morrison. Jim Morrison.


Jim Morrison morreu há 40 anos.
Nunca fui um particular fã do cantor dos The Doors, mas não sou alheio ao culto que a sua personalidade transmite. Uma das mais fortes e inebriantes personalidade que a história do rock conheceu.
Dono de uma voz que podia ser tão doce quanto intempestiva, responsável por algumas das mais intensas actuações em cima do palco, Morrison era uma espécie de xamã (como o próprio gostava de ser reconhecido) que emitia ondas de energia sempre que cantava os seus poemas (influenciados por poetas malditos como Rimbaud, Allen Ginsberg ou Baudelaire).
A música dos Doors pretendia ser livre de amarras num tempo de contracultura libertária (movimento hippie, beat generation…) e a liderança de Jim foi o farol de intervenção junto de toda uma geração.
Por isso fazem tanto sentido, nos anos 60 como agora, as seguintes palavras visionárias de Jim Morrison:
"Tudo o que tenha a ver com desordem, revolta e caos interessa-me; e interesssam-me particularmente as actividades que parecem não ter nenhum sentido. Talvez sejam o caminho para a liberdade. A rebelião externa é o único modo de realizar a libertação interior."

Diálogos-Fantasmas 2