Quentin Tarantino é um notável artificie das memórias do cinema de antanho. Para alguém, como ele, que nunca estudou formalmente cinema e que aprendeu tudo vendo toneladas de filmes durante os anos em que trabalhou num modesto clube de vídeo, é uma façanha assinalável. A sua filmografia prova que Tarantino conhece de cor e salteado os filmes série B mais obscuros dos anos 60 e 70, italianos ou espanhóis, americanos ou franceses.
Desde "Reservoir Dogs" (1992) que Tarantino tem mostrado a sua mestria na reciclagem estimulante de referências estilísticas de um cinema de culto de décadas passadas. Sam Peckinpah, Samuel Fuller ou Godard são apenas algumas das influências mais notórias. Mas o sucesso de Tarantino não seria o mesmo se não fosse um brilhante escritor de argumentos e, sobretudo, de diálogos. Diálogos sempre febris, improváveis e de grande acutilância, escritos à justa medida dos actores que escrupulosamente escolhe para os papéis. A utilização criativa da música nos seus filmes é outra espinha dorsal da linguagem do seu cinema, capaz de empolgar e de surpreender na forma como encaixa em determinadas cenas e sequências.
E isto para dizer que chegamos a "Django Libertado", estreado há dias em Portugal. Um filme que vinha cunhado com altíssimas expectativas (mais do que o seu anterior "Inglorious Basterds"), prometendo revolucionar os códigos estilísticos do género maior da cinefilia norte-americana: o Western.
Ora, a verdade é que "Django Libertado" tem dividido opiniões de forma peremptória. Há os que o elevam à genialidade pós-moderna do cinema contemporâneo e há os que se sentem totalmente defraudados com esta incursão de Tarantino no western. Para ser claro e directo, eu sinto-me exactamente no meio destes sentimentos extremados: por um lado, não reconheço o génio neste filme como reconheci em filmes anteriores; por outro lado, creio que ainda assim consegue incutir frescura estética a um género difícil de inovar mas sem arrojo e entusiasmo desmesurados.
Isto é: "Django Libertado" é um western reciclado cuja violência sanguinolenta nem deve ser levada a sério (quase parece efeito de comédia "splastick"), sobrevive pelas espantosas interpretações - curioso! - dos actores secundários (Christoph Waltz, Leonardo DiCaprio, Samuel L. Jackson e Don Johnson, remetendo o actor principal, Jamie Foxx, para segundo plano) e pelo sempre original debitar de diálogos inteligentes e mordazes. O humor é bem empregue em certas situações (brilhante a sequência dos capuzes do KKK, que quase poderia ter sido escrita pelos Monty Python), menos bem noutras Assim como a música, que resulta apropriadamente numas cenas, e resulta pateticamente noutras (ouvir uma música hip-hop do Tupac na sequência do massacre final deixou-me irritado! Mas deve ser um problema meu que não sou fã de música negra e menos ainda da "Blaxploitation").
Desta vez, parece-me que Tarantino se deixou deslumbrar pela utilização e reciclagem de referências do imaginário cinematográfico do Western Spaghetti que tão bem conhece. De tanto querer citar e recitar essas referências, o filme escorrega e parece não ter um rumo original. Dá a sensação que Tarantino entrou num irreversível processo autofágico de autocitação. Um beco sem saída?
Jamie Foxx é um herói negro? E depois, não houve já outros no cinema? Há polémica por causa do racismo patente do filme? Simples marketing para vender mais caro os bonecos do filme. Há demasiada violência e sangue? Não, é violência quase paródica, é excesso de sangue usado de forma quase caricatural.
Jamie Foxx é um herói negro? E depois, não houve já outros no cinema? Há polémica por causa do racismo patente do filme? Simples marketing para vender mais caro os bonecos do filme. Há demasiada violência e sangue? Não, é violência quase paródica, é excesso de sangue usado de forma quase caricatural.
E se a primeira parte de "Django Libertado" me pareceu brilhante (sobretudo até à morte do papel de Christoph Waltz), já a sequência final de vingança de Django me pareceu ridícula, como ridículo e risível (no mau sentido) foi o happy end. Mais outra prova do ridículo foi o "cameo" do próprio Tarantino - alguém que lhe diga que não tem talento para actor e que evite esta triste exposição em filmes.
Posto isto, fala-se já que Tarantino se encontra a preparar um novo filme? Qual será o género que irá desta vez estilhaçar e reciclar? O Musical? O Noir? O Thriller? A Comédia Romântica? O Expressionismo Alemão? Aguardemos...
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Entretanto, encerro este texto de opinião com uma das imagens que mais me impressionaram no filme: os olhos e a expressão de Stephen (Samuel L. Jackson):
Posto isto, fala-se já que Tarantino se encontra a preparar um novo filme? Qual será o género que irá desta vez estilhaçar e reciclar? O Musical? O Noir? O Thriller? A Comédia Romântica? O Expressionismo Alemão? Aguardemos...
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Entretanto, encerro este texto de opinião com uma das imagens que mais me impressionaram no filme: os olhos e a expressão de Stephen (Samuel L. Jackson):
9 comentários:
Concordo com tudo o que disse acerca do filme menos com um ponto, a personagem do Christoph Waltz é, para mim, péssima. Uma pena pois foi ele quem "levou as costas" o inglourious basterds, já neste filme aparece num papel sem nenhum brilhantismo. Para mim um dos piores filmes do Tarantino.
Concordo plenamente com o que disse. Acho que mais facilmente fica deslumbrado com este filme, um espectador neutro, que um seguidor atento de Tarantino. É um facto que as personagens secundárias dão o corpo e suportam toda a estrutura do filme, ficando para Jamie Foxx, um papel pouco principal. A banda sonora esteve presente, com a qualidade e adequação do costume (excepção ao exemplo já referido: péssimo). Faltou o que é ainda mais característico, personagens densas com diálogos mais ou menos longos e interessantes (apareceram a espaços, mas sem a densidade habitual). Também fiquei um pouco neutro.
Eu gostei da actuação do Christoph Waltz. Achei-a plena de cinismo e de um requinte muito mordaz.
Bem acho este Django um filme bem acima da media, logo não acho que tenha sido um Tarantino mediano.
Agora quanto ao excesso de violência pelo menos com o "sangue" das cenas do grande tiroteio. Estou em sintonia com a critica... não gostei dessa parte e facilmente apagava-as se pudesse, e se eu fosse o diretor ;)
Uma das cenas que mais gostei foi a que precedeu o grande tiroteio, antes da morte de DiCaprio e de Waltz. Momentos antes, uma senhora tocava na harpa, Fur Elise, de Beethoven, música que Waltz não conseguia suportar. Vinham-lhe à memória, as brutais cenas de Dartagnan com os cães. Seria por o compositor ser Alemão?
Concordo em parte, creio que Tarantino se perde um pouco (a cena com os KKK, por exemplo ou aqueles últimos 30 min comandados pelo insosso Foxx).
Mas não lhe chamaria um Tarantino mediano, mesmo para os fãs do realizador, creio que é dos seus melhores trabalhos. O argumento tem passagens fantásticas e practicamente todo o elenco está magistral, com especial destaque para DiCaprio (como é possível ter passado ao lado dos grandes prémios?...) e Jackson.
Esta crítica mereceu destaque na rubrica «A “Polémica” do Mês» do Keyzer Soze’s Place, disponível aqui: http://sozekeyser.blogspot.pt/2013/01/a-polemica-do-mes-19.html
Cumps cinéfilos.
Os spoilers eram escusados. Pelo menos podia ter posto um aviso...
Caro anónimo: não tive qualquer intenção de criar spoilers...
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