segunda-feira, 30 de abril de 2012

Uma questão de escolha

"Escolha uma vida. Escolha um emprego. Escolha uma carreira – escolha uma família! Escolha a merda de uma TV gigante! Escolha uma máquina de lavar, carros, discman, abridora de latas eletrónico. Escolha um bom seguro de saúde, escolha baixo colesterol, plano de saúde dentária. Escolha uma casa – escolha os seus amigos! Escolha roupas, acessórios. Escolha um terno feito do melhor tecido. Escolha bater uma punheta num domingo de manhã pensando nessa merda de vida. Escolha sentar-se no sofá para ficar a ver programas de massas. Comer um monte de porcaria e acabar a apodrecer. E no fim do caminho escolha uma família e filhos que vão envergonhar-se de você por causa desse sentimento egoísta de que você os pôs no mundo para substituí-lo. Escolha o seu futuro. Escolha a vida. 

Por que eu iria querer algo assim? 
Eu escolhi ‘não escolher a vida’. Eu escolhi uma outra coisa. 
E os motivos? Não há motivos. 
Quem precisa de motivos quando se tem heroína?"
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Voz-off do início de "Trainspotting" (1996) de Danny Boyle

A música de "Prometheus"

Marc Streitenfeld é um jovem compositor para cinema de origem alemã que iniciou a sua curta carreira como assistente do já aclamado compositor Hans Zimmer. Tem feito música original e trabalhos de sonoplastia e edição de som para o realizador Ridley Scott, mas só agora o talento de Streitenfeld poderá ser reconhecido com o trabalho que fez para o muito aguardado "Prometheus", cujo fantástico trailer deixa altíssimas expectativas no ar (a sua última composição para cinema foi para o filme "The Grey").
Ora, pelo que os vários trailers deste filme de Ridley Scott revelam e do que já se pode ouvir em sites e blogs especializados, a banda sonora é de vital importância para criar o ambiente intenso e de terror sci-fi que o filme exige. Marc Streitenfeld esmerou-se na composição de uma música negra, densa e opressiva, condizente com a essência do thriller psicológico e visual que "Prometheus" demonstra ser. 
Senão, atente-se a esta pujante peça musical que faz parte da banda sonora original do filme: ritmicamente minimalista e progressivamente tensa, quase de teor industrial e geradora de tensão permanente. 
Se o "Alien" original já tinha uma excelente música do mestre Jerry Goldsmith, agora é a vez do (quase) novato Marc Streitenfeld poder marcar a nova incursão de Ridley Scott na série "Alien" com a música de "Prometheus".
Aguardemos, portanto. 

Nota: Marc Streitenfeld é também conhecido por ser marido da actriz Julie Delpy.

domingo, 29 de abril de 2012

117 anos

Francisco José Viegas, Secretário de Estado da Cultura, a propósito da implementação nas escolas do Plano Nacional de Cinema, afirmou que "os estudantes devem perceber que o cinema não começou há cinco anos, começou há cem."
Ora, se o governante queria ser pedagógico na sua afirmação (para o caso dos estudantes o terem lido), a verdade é que não se esforçou para ser historicamente rigoroso. Por um lado, duvido que até o aluno mais burro possa alguma vez afirmar que o cinema começou "há cinco anos"; por outro lado, o próprio Secretário de Estado da Cultura peca por defeito quanto à existência da sétima arte: o cinema não começou há cem anos, como refere, mas sim há exactamente 117 anos (desde 1895). 
Se o SEC queria ter sido pedagógico e objectivo, devia ter referido este número e não ter arredondado à centena, assim a modos que a despachar o assunto como quem não tem muito a certeza da coisa. 

Discos que mudam uma vida - 163

    Philip Glass - "North Star" (1977)

Lynch vs. Gucci

Um bom número de realizadores que hoje fazem carreira no cinema começaram na publicidade. David Fincher, Guy Ritchie, Spike Jonze ou Michel Gondry são apenas alguns nomes. O mundo da publicidade é o primeiro palco de promoção artística de um cineasta, o espaço de experimentação e onde o realizador afirma a sua linguagem estética. Por questões de visibilidade ou por motivos meramente financeiros, realizadores consagrados também se entregam aos ditames comerciais da publicidade. É o caso de David Lynch, que já assinou vários spots para produtos como perfumes ou automóveis.
Mas o que pode acontecer quando uma marca credenciada como a Gucci contrata o credenciado realizador David Lynch para assinar um recente anúncio publicitário para a televisão? Pode acontecer que Lynch incuta no anúncio a sua costela visual bizarra e surreal. Ou pode acontecer uma mistura desse seu universo tão pessoal com uma cedência estética de teor mais comercial. E é o que acontece com esta publicidade que David Lynch filmou para a Gucci. Em apenas um minuto, identificamos o estilo visual de Lynch, mas numa abordagem menos arrojada do que é habitual nos seus filmes. Seja como for, é um magnífico spot televisivo, pela forma como encadeia os planos da loura platinada, o impacto das cores fortes e saturadas, a música de Blondie a entrecruzar-se com os movimentos sensuais da actriz, os gestos em câmara lenta e os subtis sons bizarros do final. Está criado o ambiente luxuoso e exclusivo, precisamente de acordo com os fins promocionais e comerciais de um produto como o perfume Gucci.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

A voz de Carey Mulligan em "Shame"


"Shame" ("Vergonha") de Steve McQueen. Não adorei o filme, o que não significa que o achei mau, obviamente (adorei, isso sim, o seu primeiro filme, "Hunger", de 2008). Claro que "Shame" é um belo exercício de cinema, estilizado e formalmente irrepreensível, maravilhosamente fotografado e interpretado. No entanto, não lhe consegui extrair o sumo emocional de que estava à espera. O olhar quase clínico e distanciado de McQueen esvazia a possibilidade de emoção e aumenta o ambiente cru e frio que perpassa por todo o filme. 
A obsessão sexual de Brandon (sublime Michael Fassbender) é o motor de todo o processo de angústia e de autocomiseraçao, mas senti que era matéria pouca para aguentar todo o filme. Daí que julgue que "Shame" seja, também, um testemunho da solidão humana numa grande metrópole (eterna Nova Iorque), mais do que meramente a dependência sexual do protagonista (para mim, não houve outros cineasta a filmar melhor a obsessão sexual do que Luis Buñuel).
Isto tudo para dizer que a sequência que mais gostei de todo o filme é aquela que diz respeito ao momento em que Sissy (irmã de Brandon), interpretada por Carey Mulligan, canta num bar uma versão da canção "New York, New York", imortalizada por Frank Sinatra.
Ao que constam as notas de produção, toda esta sequência foi filmada em tempo real, sem cortes, e com as câmaras direccionadas para a actriz e os actores. Estes foram surpreendidos com a performance vocal da actriz e a reacção à mesma é, tudo o indica, realista. É o mais belo e enigmático momento contemplativo de todo o filme, como que a atribuir uma ambiência quente e intimista a um drama de contornos gélidos e obsessivos. E a voz de Mulligan, suave e sedutora, contribui para acentuar essa sensação.

Primeiros minutos perfeitos


Na vida de qualquer cinéfilo há memórias intensas que nunca se apagam. É o caso da primeira vez que vi "Apocalypse Now", a obra-prima de Francis Ford Coppola. Tinha uns 16 anos e vi-o num antigo cinema que agora já não existe. Com essa idade, quase não tinha ainda visto cinema de qualidade em sala, e aquela experiência foi deveras forte. Há muitos momentos geniais e inesquecíveis no filme de Coppola, mas das coisas que mais me lembro e mais me marcaram foi a sequência inicial. Fiquei atónito logo com os primeiros minutos do filme, porque nunca tinha visto nada assim antes: primeiro um plano fixo da selva, silêncio, sons de pás de helicópteros, de repente, um som de uma guitarra e a voz de Jim Morrison a cantar "This is The End..." no exacto momento em que o napalm incendeia as árvores. O ecrã iliminava-se perante os meus olhos em total espanto. Enquanto as imagens de destruição ao som da música dos The Doors me impressionava, fiquei novamente surpreendido com a introdução da magnética voz off de Martin Sheen ("Saigão"....). Diria que são os primeiros minutos mais hipnóticos de sempre da história do cinema. 
Na verdade, depois de muitos anos e muitos filmes vistos, concluo que nenhum outro início de filme provocou um impacto emocional em mim como este.
Ver a sequência completa aqui.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Remakes que superam os originais

Cinema de vanguarda

Ter contacto pela primeira vez com o cinema de vanguarda é sempre uma experiência desafiadora para os sentidos. O cinema de vanguarda, existente desde o cinema mudo, percorreu e explorou estéticas completamente inovadoras na manipulação das imagens e dos seus significados. Tantas vezes relacionado com as artes plásticas, a música e a literatura, o cinema de vanguarda procurou novos caminhos artísticos e formas inovadoras de comunicação com o espectador. 
Neste link sugerem-se 10 filmes-chave desta corrente cinematográfica. Contém uma breve sinopse e os respectivos filmes na sua totalidade. Na referida lista, constam nomes importantes como Stan Brakhage, Maya Deren (na imagem), Kenneth Anger, Dziga Vertov ou Marcel Duchamp. 

quarta-feira, 25 de abril de 2012

O cinema na escola (finalmente)

Já por diversas vezes escrevi no blogue sobre a importância do cinema como ferramenta de educação para os mais novos. Hoje mesmo o jornal Público publicou uma reportagem sobre um plano de cinema a implementar nas escolas. Acho uma intenção de louvar por parte do Secretário de Estado da Cultura. Veremos quando e de que forma se irá concretizar este plano. Numa coisa acertou: na intenção de valorizar o cinema como uma ferramenta educacional e de afirmação artística junto dos jovens estudantes. É fundamental que esse ambicioso plano seja acompanhado de uma contextualização histórica e de uma preparação pedagógica essenciais para fomentar uma proveitora relação entre os jovens e o cinema.
Na verdade, se há uma idade na qual o cinema pode ter uma influência marcante na construção do gosto estético do indivíduo, essa idade é a da adolescência. Ora, em 2005, o British Film Institute revelou uma lista de 50 filmes que os adolescentes deveriam ver. Era uma lista bastante heterogénea em termos de diversidade de títulos (e épocas) e muito homogénea no que se refere à qualidade. Agora foi o site Flavorwire a mostrar uma lista - mais pequena - de 10 filmes que os adolescentes devem ver. É uma lista interessante mas assaz discutível no que se refere a alguns títulos:

- "O Senhor dos Anéis: O Regresso do Rei"
- "Stand By Me" (na imagem)
- "A Princesa Mononoke"
- "O Padrinho"
- "Labirinto"
- "Psico"
- "Juno"
- "O Fabuloso Destino de Amélie"
- "Rebelde Sem Causa"
- "Baraka"
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Um comentário breve: Concordo com todos estes títulos (saúdo especialmente "Baraka"!) à excepção de um: "Psico" de Hitchcock. Apesar dos jovens de hoje estarem habituados a ver filmes de terror e de violência gráfica, parece-me que o terror psicológico do filme de Hitch é demasiado denso e perturbador para cabeças de 13 ou 14 anos. 

Seria um grande festival

terça-feira, 24 de abril de 2012

Espanha não liga ao cinema

Segundo o jornal espanhol ABC, a crise no cinema em Espanha continua a dar que falar. Segundo o que dados oficiais indicam, houve uma brutal quebra de receitas de bilheteira nos cinemas espanhóis durante o primeiro trimestre deste ano: nada mais, nada menos do que 42% a menos.
Por este andar, Espanha chega a Dezembro com um score negativo de 80%!...

Playtime #72

A solução: "Duel" (1971) - Steven Spielberg
Quem descobriu: Peter Gunn

domingo, 22 de abril de 2012

A beleza estética de "Amelia"

La La La Human Steps é uma influente companhia canadiana de dança contemporânea fundada em 1980 pelo consagrado coreógrafo Édouard Lock. Rapidamente impôs um estilo de dança invulgar, muito físico e enérgico, com uma abordagem quase acrobática da dança (sem perder a sensibilidade mais fina). Esta companhia trabalhou com famosos músicos e grupos de rock como Frank ZappaDavid BowieEinsturzende Neubauten, ou Skinny Puppy (na concepção de coreografias ou videoclips). O líder da companhia, Édouard Lock realizou diversos filmes (curtas-metragens) com base em coreografias do próprio. A mais famosa e reconhecida (com vários prémios em festivais internacionais de cinema) é "Amelia" (2002), um extraordinário trabalho que alia a dança muito expressiva com momentos de maior serenidade. "Amelia" tem apenas a duração de 25 minutos, mas são 25 minutos de grande intensidade visual, física e musical (do notável compositor contemporâneo David Lang, que até reinterpreta o clássico "Waiting for the Man" dos Velvet Underground).
Em "Amelia", os bailarinos estão numa estranha mas visualmente expressiva caixa de madeira, aparentemente sem entradas ou saídas. Édouard Lock filma os movimentos dos corpos com fascinantes ângulos e movimentos de câmara, de forma a captar as mudanças bruscas coreográficas. A música de David Lang, composta à base de cordas e voz, é de uma grande subtileza dramática, proporcionando momentos contagiantes de movimentos corporais (por vezes os bailarinos ficam suspenso no ar, dão piruetas inesperadas...).
"Amelia" é, em suma, um fabuloso trabalho de dança contemporânea filmado com a exigência de um filme, resultando num todo artístico verdadeiramente único. Poesia para os sentidos. Tudo é brilhante nesta curta-metragem: iluminação, realização, montagem e coreografia. É impossível ficar indiferente a esta obra, mesmo para quem diz que não gosta de dança contemporânea. Pesquisei na internet e não encontrei o filme na sua totalidade, no entanto pode-se degustar oito minutos através deste expressivo excerto:

Genealogia de Fotogramas #20

    "A Noite do Caçador" (1955) - Charles Laughton

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Cannes: a mais elevada expectativa


Se dúvidas houvessem, o festival de Cannes aí está para confirmar que é o melhor e mais competitivo festival de cinema do mundo. Não há realizador – por mais ou menos veterano que seja – que não queira estrear e competir em Cannes. Prova disso é (à semelhança do ano anterior) a extraordinária lista de realizadores que competem à almejada Palma de Ouro.
Convenhamos: em 21 títulos ter filmes de cineastas como Haneke, Loach, Kiarostami, Reygadas, Resnais, Salles, Cronenberg, Mungiu, Audiard ou Carax, é passar um esplêndido e inequívoco atestado de qualidade ao mais alto nível a esta edição de Cannes. Mais uma vez, Cannes volta a ser uma fabulosa montra do melhor cinema contemporâneo num patamar da mais elevada categoria artística e expectativa. E perante tantos realizadores de renome, tentar adivinhar quem levará a Palma de Ouro é arriscar no total escuro.
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Eis a lista da Competição:
“Amour”, Michael Haneke
“The Angels' Share”, Ken Loach
“Baad el mawkeaa”, Yousry Nasrallah
“Beyond the Hills”, Cristian Mungiu
“Cosmopolis”, David Cronenberg
“Holy Motors”, Leos Carax
“The Hunt”, Thomas Vinterberg
“Killing Them Softly”, Andrew Dominik
“In Another Country”, Hong Sang-soo
“In the Fog”, Sergei Loznitsa
“Lawless”, John Hillcoat
“Like Someone in Love”, Abbas Kiarostami
“Mud”, Jeff Nichols
“On the Road”, Walter Salles
“The Paperboy”, Lee Daniels
“Paradies: Liebe”, Ulrich Seidl
“Post tenebras lux”, Carlos Reygadas
“Reality”, Matteo Garrone
“Rust and Bone”, Jacques Audiard
“Taste of Money”, Im Sang-soo
“You Haven't Seen Anything Yet”, Alain Resnais

quarta-feira, 18 de abril de 2012

O guitarrista com Parkinson


Gosto da trilogia "Regresso ao Futuro".
São três filmes de entretenimento de qualidade e que, à época, inovou em termos narrativos. E gosto especialmente do primeiro filme da série, "Back to the Future" (1985), que vi ainda no cinema. O argumento era consistente, ousado e original e a ideia de brincar com a dimensão temporal era irresistível e muito divertida.Por outro lado, as interpretações memoráveis de Michael J. Fox como Marty McFly e Christopher Lloyd como Dr. Emmett Brown, tornaram esta trilogia inesquecível para várias gerações.
No primeiro filme, há uma sequência particularmente hilariante (pelo menos para mim, que me ri desalmadamente a primeira vez que a vi): é quando Marty McFly viaja para o ano de 1955 e toca, num baile de finalistas, o hino do rock'n'roll "Johnny B. Goode" de Chuck Berry. A sequência é hilariante porque Marty McFly toca guitarra eléctrica num tempo em que o rock ainda não era moda, e os solos finais espantam a plateia que fica estática a vê-lo tocar como se não houvesse amanhã.
No filme, Michael J. Fox simulou tocar guitarra eléctrica, mas o curioso é que aprendeu pouco tempo depois a tocar verdadeiramente. Como é sabido, o actor foi acometido da doença de Parkinson nos anos 90, deixando para trás uma carreira no cinema que poderia ter sido brilhante. Ao invés, Michael tem-se dedicado a promover acções de beneficiência e de apoio ao combate à doença. Num desses eventos de angariação de fundos (no final de 2011), Michael J. Fox voltou a tocar o clássico "Johnny B. Goode" em palco. Mas desta vez não simulou: apesar da doença lhe condicionar os movimentos, tocou os acordes e os solos, qual guitar-hero para gáudio da assistência.
Tem o seu quê de comovente e de irónica esta atitude de actor de "Back to the Future", mas tem sobretudo muito de coragem e de abnegação (e é espantoso como continua a parecer um eterno adolescente irrequieto).
Força Michael!
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Para ver a sequência do filme, clicar aqui.
Michael J. Fox toca "Johnny Be Goode" ao vivo em 2011, num concerto de apoio às vítimas da doença de Parkinson.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Notas de Bresson #15

"O que é, face ao real, o trabalho intermediário da imaginação?"

"Fight Club" - A frase

Quando vi "Fight Club" (1999), de David Fincher, fiquei com a nítida ideia de que o filme era essencialmente - para além de outras coisas - uma feroz análise do individualismo numa sociedade materialista subjugada ao sistema capitalista. E esta frase proferida por Edward Norton sintetiza, na perfeição, o seu personagem e a abordagem crítica que o filme comporta. Uma frase que reflecte a vacuidade dos tempos modernos da sociedade de consumo, num tempo em que a aparência funciona como vão paradigma social.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

"Manhattan" de madrugada


Ao fazer ontem zapping pelos canais por cabo, reparei que o canal Hollywood programou a obra-prima (ou uma das obras-primas) de Woody Allen: "Manhattan" (1979). A exibição do filme era nobre mas o horário é que estragou toda a dignidade do feito: 3h30 da madrugada, para terminar perto das 5h00. Qual a intenção de um canal especializado em cinema programar um filme de qualidade para o meio da madrugada?
Quem trabalha no dia seguinte, como é que o podia (ou conseguia) ver esta película? Mais a mais, imediatamente antes de "Manhattan" ser exibido, passou um filme abjecto chamado "Cyborg". De facto, pergunto-me como é possível haver este tipo de critérios num canal que, supostamente, deveria ter como prioridade a exibição de filmes de qualidade em horários condignos.

Discos que mudam uma vida - 162

John Coltrane - "A Love Supreme" (1965)

domingo, 15 de abril de 2012

Lemmy - Lenda do rock


Lemmy Kilmister - que foi "roadie" de Jimi Hendrix - é um ícone do rock, o avô do heavy metal, do punk e do hardcore. Há 35 anos à frente dos Motorhead, Lemmy é uma lenda da música que adora os Beatles e Elvis Presley e que influenciou uma grande diversidade de músicos e grupos como Metallica, Alice Cooper, Mick Jones (ex-Clash), Peter Hook (ex-New Order), Slash (ex-Guns N'Roses), Henry Rollins (ex-Black Flag), Dave Navarro (ex-Jane's Addiction). Todos têm orgulho em manifestar admiração por esta lenda viva do rock, uma carismática figura com o maior bigode, a voz mais rasgada (pelo consumo excessivo de Jack Daniels), as verrugas mais feias, o chapéu inconfundível, mas também com a atitude mais humilde e pragmática que se possa imaginar.
Realizado por Greg Olliver e Wes Orshoski, "Lemmy" (2010) é um documentário (premiado em vários festivais, como Cannes) que se debruça sobre a vida incrível do vocalista e baixista dos Motorhead. Com muitos depoimentos de amigos e músicos, o documentário revisita momentos históricos da sua vida, o seu fascínio pelos símbolos nazis, a sua intensa relação com as mulheres (fez sexo com 1000 mulheres!), a sua relação com o álcool e as drogas, a sua relação com os amigos e, claro, com a música. Apesar da timidez e do ar austero de Lemmy Kilmister, o documentário consegue arrancar algumas declarações surpreendentes - e quase sempre bem-humoradas - do próprio Lemmy, como quando ele diz pela primeira vez, e na frente do filho, que a coisa mais importante da sua vida é o rapaz. Ou quando lhe perguntam: "O que tem a dizer ao facto de o acusarem de ser nazi?". Ao que Lemmy, fardado a rigor com uniforme nazi, responde: "Bom, eu tive seis namoradas negras, logo não posso ser considerado um nazi genuíno!".
"Lemmy", o filme, traz ainda imagens raras do baixista nos The Rockin' Vickers, a sua primeira banda em meados dos anos 60, além de concertos com o grupo de rock Hawkind, do qual foi despedido nos anos 1970 por ser "muito acelerado" - graças ao speed - para o espírito mais psicadélico da banda. Lemmy, no documentário, minimiza esse episódio e justifica: "Fui despedido porque estava a foder com a namorada do vocalista".
"Lemmy" é, pois, um magnífico documentário sobre uma personagem mítica do imaginário rock e um filme honesto e competente.
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Woody Allen: o fracasso anunciado


"To Rome With Love", o mais recente filme de Woody Allen, estreou em Itália e as críticas dos jornais italianos foram más. Muito más.
Segundo o que conta o jornal espanhol El Mundo, os críticos arrasaram o filme de Allen, classificando-o como medíocre e repleto de lugares-comuns sobre os costumes italianos. A crítica refere que este é claramente o filme mais fraco de todos os que o realizador fez na Europa e que, apesar de algumas boas piadas, nada mais se salva de um chorrilho de clichés (nem o excelente elenco de actores serve de tábua de salvação).
Na verdade, não me admira que estas críticas sejam justas, uma vez que depois da graciosidade criativa de "Midnight in Paris", seria difícil a Allen manter o mesmo nível de inspiração. E já é claro desde há uns anos que Woody Allen tem vindo a repetir-se e a não conseguir soltar toda a sua genialidade artística. Quem arrisca fazer cinema ao ritmo de um filme por ano, dificilmente consegue manter a mesma qualidade artística em todos eles (mesmo tratando-se de um realizador prodigioso como Woody Allen).
Ainda assim, esperemos para ver "To Rome With Love"....

sexta-feira, 13 de abril de 2012

O estado da Cultura

Em Espanha grassa a polémica sobre o estado da cultura. Tem havido, como em Portugal, enormes cortes orçamentais que condicionam a dinâmica cultural do país e os artistas sentem-se discriminados e esquecidos pelo Estado e até pelo seu próprio povo. Parece que em Espanha há uma espécie de "curto-circuito entre os criadores e o público", ao ponto do respeitável jornal El Mundo ter publicado ontem uma reportagem com o sugestivo título "Espanha Contra a Cultura?".
A reportagem alega que existe um divórcio entre a sociedade espanhola e os criadores, e que determinados sectores culturais vivem num "paradigma antiquado e encerrados na sua torre de marfim" - como o cinema. O escritor Félix de Azúa vai mais longe e refere mesmo que "Espanha é o país mais bárbaro, selvagem e inculto da Europa, no qual não existe sensibilidade pela cultura". Ainda assim, o escritor ressalva que há uma minoria extraordinariamente interessada e generosa que abraça as manifestações culturais com grande paixão.
Ao menos em Espanha existe debate, discussão, polémica sobre o estado da cultura capaz de agitar consciências e responsabilidades. Em Portugal, apesar das grandes dificuldades existentes no sector e da total falta de sensibilidade do Governo e até de (certa) sociedade, reina a passividade e o conformismo de ideias e opiniões.
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Link da reportagem.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Charles Manson, o músico


Charles Manson - líder de um grupo que há 40 anos levou a cabo uma série de assassinatos brutais - viu hoje ser-lhe negada aquela que deve ter sido a sua última oportunidade de obter a liberdade condicional. Como cidadão, só me posso congratular com esta decisão do tribunal americano. Apesar do horror dos seus crimes, Manson tem tido uma legião de fãs ao longo das últimas décadas (é o prisioneiro que mais cartas recebe na prisão). Se fosse colocado em liberdade, certamente que esses fãs o seguiriam com consequências imprevisíveis...
O que pouca gente sabe é que Charles Manson, actualmente com 77 anos, também foi (é) músico. Um músico mediano, mas ainda assim músico. A cumprir pena de prisão perpétua pelo assassinato (em 1969) de Sharon Tate, a bela actriz e mulher do realizador Roman Polanski (quando foi assassinada estava grávida de 8 meses), Manson lançou em 2008 um disco pela Internet gratuitamente.
Manson, fervoroso adepto de Bob Dylan e dos Beatles (dizia que a música "Helter Skelter" dos Beatles continha uma mensagem satânica subliminar), já fazia música no final dos anos 60 quando fundou a temível e fanática seita “The Family”, da qual Manson era o suposto Messias e que acabou por violar e assassinar a actriz em ascensão Sharon Tate (mais outros 4 amigos). O álbum chamava-se “One Mind”, foi gravado com um gravador portátil ao longo de anos na prisão de San Quentin e tem 16 canções certamente impregnadas de letras alucinadas com traquejo blues e country.
É que Manson tinha como ambição tornar-se numa estrela rock. E pelos vistos ainda continua a manter esse sonho, mesmo atrás das grades.
Sobre o caso do homicídio de Sharon Tate e a liderança “espiritual” de Charles Manson há um interessante filme (2004) que retrata a personagem conturbada e psicótica de Manson: “Helter Skelter – o Caso Sharon Tate”, de John Gray.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Uma sequela inútil


Após vários rumores, eis a notícia oficial: o filme "Raging Bull" ("Touro Enraivecido", 1980) de Martin Scorsese, vai ter uma sequela. Pior: uma mistura de sequela e prequela. O projecto - obviamente - não terá a participação de Scorsese e será levado a cabo pelo desconhecido realizador argentino Martin Guigui e com o actor William Forsythe como Jack La Motta.
Martin Scorsese já veio a público afirmar que considera esta sequela inútil e não vislumbra qual o interesse em voltar a prolongar a história do famoso pugilista, uma vez que no seu filme já foram explorados o auge, queda e autodestruição do mesmo. A opinião de Robert De Niro não é conhecida, mas eu arrisco afirmar que terá uma opinião completamente devastadora para com esta ideia.
A minha opinião é a de que deveria haver um lei que impedisse realizadores oportunistas de fazer sequelas, prequelas ou remakes de obras-primas intocáveis da arte cinematográfica.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Os efeitos da crise

Em "The Company Men" Bobby Walker (Ben Affleck), Phil Woodward (Chris Cooper) e Gene McClary (Tommy Lee Jones) são três quadros superiores de uma grande empresa norte-americana que vêem a sua vida radicalmente alterada quando são despedidos dos seus cargos. Sem saberem o que fazer, os três homens são obrigados a enfrentar o maior desafio das suas vidas recomeçando tudo do zero...
Um filme do argumentista e realizador John Wells sobre os efeitos da crise económica em toda a realidade norte-americana que, no fundo, é também adaptável à realidade da crise à escala mundial. Honesto e sóbrio, "Homens de Negócio" reflecte sobre os efeitos sociais devastadores que o desemprego repentino provoca nas profissões mais improváveis. Não tem o carisma e a pujança emocional do filme espanhol que aborda o mesmo tema "Às Segundas ao Sol" (2002), mas ainda assim revela-se um valoroso objecto cinematográfico (até pela forma como se equilibra habilmente entre o desespero e a esperança de um novo começo).
Interessante para debate em aulas de sociologia e psicologia.

Antonioni e Nicholson

Michelangelo Antonioni parece querer estrangular Jack Nicholson com... uma película.

domingo, 8 de abril de 2012

Manhattan como nunca se viu

A influência é claramente da obra-prima "Koyaanisqatsi" (1982) de Godfrey Reggio, documentário que inovou com as técnicas de filmagem "time lapse" (imagens super-aceleradas em relação à realidade).
Josh Owens, conhecido pelo cognome artístico Mindrelic, passou um mês inteiro em Manhattan a filmar os planos e ângulos mais inusitados da cidade. Desse mês de filmagens resultaram 4 minutos de puro deleite visual: parece que Manhattan é suspensa no tempo e que explode em milhares de cores, movimentos e formas. Alguns movimentos de câmara e planos são verdadeiramente arrepiantes e surpreendentes, como o plano em que se vê Times Square numa perspectiva vertical (de cima para baixo). Josh Owens foi, deveras, mais além do que Godfrey Reggio (talvez também por causa da evolução técnica das máquinas de filmar digitais).
É mesmo como refere o título: "Manhattan in Motion".
Fascinante.

A nossa pequena escala


Segundo a tradição cristã, hoje é dia de Páscoa, dia da ressurreição de Jesus Cristo.
O escritor Julian Barnes, no livro "Nada a Temer" (Quetzal, 2011), uma esplêndida obra literária (ainda por cima com ironia fina), disserta sobre temas sérios como a inevitabilidade da morte, a fé, a existência de Deus, a memória e identidade humanas.
A páginas tantas, Julian Barnes cita o famoso romancista Somerset Maugham acerca da possibilidade da imortalidade (ou da vida eterna pós-morte). Eis que Maugham diz:
"Os homens, banais e medíocres, não me parecem talhados para enfrentar o feito descomunal da vida eterna. Com as suas pequenas paixões, pequenas virtudes e pequenos vícios, estão bastante bem adaptados ao mundo de todos os dias; mas o conceito de imortalidade é demasiado vasto para seres moldados em escala tão pequena. Antes de ter sido escritor, fui estudante de medicina e vi morrer doentes pacífica ou tragicamente. E nunca vi, no último momento, nada que sugerisse que o seu espírito era eterno. Os homens morrem como morrem os cães."
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É isto que eu penso também.
PS - Na imagem, a pintura "A Morte de Casagemas" (1901) de Pablo Picasso.

sábado, 7 de abril de 2012

Crime sem castigo


Revi o filme "Crime e Escapadelas" (1989) de Woody Allen e confirmei que se trata de uma das melhores obras do cineasta. Todo o filme é uma complexa abordagem filosófica a questões como a fé, a culpa, a consciência moral, crime e castigo, a possibilidade do amor e da justiça e o impacto dos valores religiosos (judaicos, no caso) na conduta humana.
Com um argumento extremamente inteligente e com interpretações inesquecíveis (sobretudo Martin Landau), "Crimes e Escapadelas" é um ensaio profundo sobre a condição humana e as consequências de certas decisões morais.
Woody Allen olha com extrema perspicácia para as contradições e paradoxos da vida, tendo como ponto de partida um homicídio premeditado que fica sem castigo, mas não sem fortes sentimentos de culpa no espírito do seu autor (ideia que o realizador iria retomar no brilhante "Match Point"). Particularmente interessante é o diálogo final entre Woody Allen e Martin Landau (na imagem), sobre as diferenças entre o assassínio no cinema e o assassínio na vida real.
Eis uma aprofundada análise filosófica a todas as implicações que o filme levanta.

Como nasce uma Stratocaster


A história da música rock não seria a mesma sem a guitarra eléctrica Fender Stratocaster, o modelo de guitarra eléctrica mais importante e influente de sempre. Foram muitos e bons os guitarristas que imortalizaram a Fender Stratocaster: Jimi Hendrix, George Harrison, Keith Richards, Bruce Springsteen, Jeff Beck, David Gilmour, Eric Clapton, Mark Knopfler ou Stevie Ray Vaughan.
Com uma sonoridade única e uma riqueza tímbrica para todos os gostos, a guitarra Fender Stratocaster revolucionou a história da música da segunda metade do século XX. O início da sua construção aconteceu em 1954 na fábrica Corona, na Califórnia. Hoje em dia a Strato (diminutivo) continua a ser construída segundo a sua fórmula original e o seu sucesso comercial e artístico continuam imbatíveis.
Por isso é uma delícia ver este pequeno vídeo que, em montagem "time-lapse", revela todo o processo minucioso da construção da mítica guitarra eléctrica. O título é sugestivo - "A Strat is Born" (trocadilho que se confunde com "A Star is Born"):

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Tarkvoski, 80 anos

Se fosse vivo, o cineasta russo Andrei Tarkovski teria feito (no passado dia 4) 80 anos. Em jeito de homenagem a este artista único e visionário, eis uma montagem com algumas das mais belas sequências de cinema poético de Tarkovski:

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Sound of Noise


Do mesmo colectivo de músicos suecos que criou o sublime "Music For One Apartment and Six Drummers" (curta-metragem multi-premiada sobre um grupo de "assaltantes musicais"), criou também a longa-metragem "Sound of Noise" (2010), titulo nunca estreado comercialmente em Portugal.
Este sexteto de criadores e músicos recorre à música e aos sons e ruídos de objectos do dia-a-dia (através de jogos de percussão) para criar um imaginário sonoro original e muito sugestivo. Claro que já os Stomp trabalhavam com ritmos recorrendo aos mais diversos materiais domésticos, mas o que este grupo sueco faz é outra coisa: é uma construção musical extremamente minuciosa que se baseia numa espécie de rigorosa narrativa visual (quase) sem recurso à palavra.
Daí que o filme "Sound of Noise" seja isso mesmo: um filme que se conta através das múltiplas e surpreendentes soluções sonoras, tímbricas e rítmicas construídas ao mais ínfimo pormenor. Claro que o humor é uma peça fundamental para que a comunicação com o espectador seja mais proveitosa. E "Sound of Noise" - filme de polícias e ladrões musicais - é a apologia dos sons quotidianos aplicados a uma lógica narrativa específica, na qual a comunicação verbal é praticamente inexistente (porque os sons contam tudo).
Engenhoso e muito criativo, "Sound of Noise" pode ver-se na internet ou, por segmentos, no próprio YouTube. Como esta deliciosa sequência de assalto a um banco:

quarta-feira, 4 de abril de 2012

"Lightning"

O álbum "Songs From the Liquid Days" (1986) de Philip Glass é uma obra-prima ímpar na obra do compositor norte-americano. E esta obra-prima em forma de disco é constituída de pequenas obras-primas musicais, em forma de composições.
É o caso deste tema "Lightning" (cuja parte vocal é erradamente atribuído à cantora Susanne Vega). Ouvir este tema até ao fim é sentir uma energia avassaladora proveniente da construção rítmica e harmónica de Glass. E a voz de Janice Pendarvis é espantosamente bela e possante, uma espécie de torrente emocional que encaixa na perfeição na música de Glass.
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A partir desta composição extraordinária, um grupo de músicos de rua muito especial criou esta fabulosa performance e adaptou a música para um surpreendente naipe de instrumentistas de sopro e percussão.

Duas boas novidades


Ontem (terça-feira) foi um dia especial para os cinéfilos, por dois motivos:
1) Ficaram a conhecer um espantoso videoclip (na imagem) de David Lynch realizado pelo próprio para uma música sua, "Crazy Clown Time".
2) Ficaram também a conhecer o promissor trailer do novo filme de Woody Allen, "To Rome With Love".
O videoclip de Lynch é quase uma curta-metragem de inegável poder de sedução visual e sonora, no recorrente estilo estético bizarro e provocador a que nos habituou o cineasta. Por seu lado, o trailer de Woody Allen remete-nos, uma vez mais, para uma comédia à volta de encontros e desencontros amorosos, desta vez, tendo como pano de fundo a capital italiana (e com um elenco de luxo, como não podia deixar de ser).
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Todos os dias podiam ser assim.