quarta-feira, 1 de maio de 2013

O prazer (ou não) de rever filmes


João Bénard da Costa, saudoso ex-director da Cinemateca Nacional, disse um dia que o filme que mais “amava” e que mais vezes tinha visto na vida era “Johnny Guitar” (1954) de Nicholas Ray. Bénard da Costa viu este western 60 vezes (!). Sessenta visionamentos de mesmo filme, ao longo de uma vida. Pode parecer um exagero, mas o ex-director da Cinemateca defendia que, a cada novo visionamento, descobria pormenores novos.
Mais: conforme a idade com que via o filme, a disposição mental ou as circunstâncias mais diversas, “Johnny Guitar” parecia-lhe sempre um filme “novo”. Também lhe dava especial prazer - à força de tanto ver o filme – saber os diálogos de cor e citá-los à mesa do café com os amigos.
Não tenho a certeza, mas creio que o filme que já vi mais vezes foi o “The Shining” do Kubrick (ou o “Psico” do Hitchcock). Vi-o umas 7 ou 8 vezes. E na verdade nunca me cansei nem julgo que me cansarei a cada novo visionamento. Já outros filmes não resistem a um segundo visionamento, quanto mais ao quinto ou ao décimo quarto.
Há quem tenha reservas em rever um filme porque “já foi visto”. Mas tenho para mim que um bom filme deve e pode rever-se sempre quando necessitemos de o rever (com a disposição mental da primeira vez, sem reservas ou preconceitos), da mesma forma como se deve reler um bom livro dezenas de vezes ou ouvir uma música que já ouvimos centenas de vezes. A experiência é sempre diferente. Nem que seja um pouquinho diferente. O prazer estético que se retira desta fruição repetitiva é sempre positivo e enriquecedor, e não ofusca ou prejudica o prazer de descobrir objectos artísticos novos. Um prazer complementa o outro.
Já agora, como só vi o “Johnny Guitar” uma vez, vou aproveitar para vê-lo outra vez. Se gostar da experiência, talvez consiga igualar (ou superar) o record de visionamento de João Bénard da Costa.

3 comentários:

Carlos Branco disse...

acompanho a ideia de que um bom filme pode "servir-nos" várias vezes, as vezes que quisermos e acompanho também essa ideia de que cada visionamento é capaz de dar-nos sempre algo de novo.

Rui Alves de Sousa disse...

O filme que mais vezes vi foi O GRANDE DITADOR do Chaplin. Umas doze vezes, e revejo duas vezes a cada ano. O Bénard da Costa tinha razão: os filmes que adoramos tornam-se novos a cada visionamento. Outros filmes que vi muitas vezes (mas menos - cerca de 7-8): O PADRINHO I/II e ERA UMA VEZ NA AMÉRICA.

Um Abraço,

Rui Alves de Sousa

Rui Gonçalves disse...

É difícil aceitar que um filme visto uma única vez «já foi visto», porque é impossível numa única visão reparar em todos os detalhes significativos da obra. Mas também é óbvio que quanto mais rico for o filme, mais vezes suporta cada nova visualização. O Guitar, a propósito, vi-o umas 8 ou 9 vezes. P.S. Um texto muito interessante, Victor.