quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Uma pérola de Hitchcock




Eis o meu primeiro grande momento cinematográfico de 2013: um filme mudo com quase 90 anos que representou o início de uma retumbante carreira de um então jovem (26 anos) realizador chamado Alfred Hitchcock: "The Lodger - A Story of the London Fog" (1927).
Numa deambulação pela FNAC deparei-me com este DVD de importação (capa em baixo) com banda sonora original do músico Nitin Sawhney.
Eu tinha conhecimento deste trabalho e até já o tinha referenciado no blogue (como os leitores mais atentos se lembrarão). Para além do DVD contendo o filme digitalmente restaurado (pelo British Film Institute), a edição é acompanhada ainda de um pequeno livro (15 páginas) com informação sobre o filme e dois CDs contendo as músicas de Nitin Sawhney.
Vi o filme ontem e fiquei absolutamente deliciado. "The Lodger" é, na cronologia da filmografia de Hitchcock, o seu terceiro filme, mas é historicamente considerado o seu primeiro filme deveras importante. É a obra na qual Hitchcock lança as sementes temáticas da sua carreira (a partir do serial killer londrino "Jack, O Estripador"): crime, suspense, falso culpado, assassínio, mulher fatal e loura, conflito psicológico e moral, mistério, sexo e morte...
E no final do período mudo, Hitch soube trabalhar na perfeição o legado visual e estético de filmes expressionistas de Fritz Lang ou Murnau, recorrendo a uma realização estilizada, uma fotografia feita de sombras insinuantes e um ritmo crescente de tensão. Ivor Novello é o misterioso "inquilino" deste filme, à época o actor (e cantor) mais popular da Inglaterra. E Ivor Novello consegue uma interpretação perturbadora, com um olhar frio e uma atitude dúbia, revela ser uma personagem na linha entre a culpa e a inocência. Uma personagem acusada de um crime monstruoso mas que, afinal, poderá ser apenas um homem solitário à procura do amor...
Sem ser uma obra-prima, "The Lodger" é um crucial e superlativo filme de Hitchcock, com uma sólida estrutura dramática e visual e um ritmo narrativo escorreito (este é também o filme no qual Hitchcock fez o seu primeiro "cameo").
A música original criada por Nitin Sawhney, músico britânico de ascendência índia com larga experiência musical, inclusive  no campo da composição para cinema, está à altura da qualidade do filme: Nitin compôs a banda sonora com uma clara alusão à música de Bernard Herrmann, compositor icónico que trabalhou com Hitchcock em vários filmes. A música de Nitin estabelece uma relação específica com as imagens e o desenrolar da acção, pontuando os momentos dramáticos e os momentos românticos com igual brilhantismo.
Novidade na música para cinema mudo é o facto de Nitin Sawhney ter utilizado dois momentos musicais cantados para acompanhar a paixão entre o casal protagonista. Ao contrário do que eu temia, o resultado é bastante positivo e encaixa na perfeição na estrutura estilística do resto da música. O bom gosto musical impera durante todo o trabalho criativo de Nitin.
A música de Nitin Sawhney foi interpretada e gravada pela prestigiada London Symphony Orchestra, e resultou numa música de teor orquestral, com recurso à percussão e às cordas e misturando a linguagem clássica com o jazz e a pop (num dos extras do DVD, o compositor explica o método de criação da banda sonora original).
Foi uma experiência deveras entusiasmante ver (e ouvir) este "The Lodger", num trabalho notável de Hitchcock que ajudou a definir as regras do thriller futuro e numa abordagem musical digna e competente de Nitin Sawhney.
Altamente recomendável, portanto.

1 comentário:

Anónimo disse...

O post aguçou-me o apetite. Nunca vi este filme. Estive há pouco tempo a preparar um ciclo sobre cinema expressionista alemão para o meu blog, e o nome do filme surgiu-me em diversas fontes. Vou tentar vê-lo.

Bom Ano!