sábado, 19 de fevereiro de 2011

Os anos decisivos

Não há tempo tão importante na formação das nossas vidas do que a adolescência. Tenho para mim que é nesses anos decisivos que se constrói e se define a nossa personalidade, os nossos gostos, a nossa visão global das coisas. Os anos que se seguem até atingir a idade adulta são de confirmação e sedimentação desse estádio de vida.
Dei-me conta disto quando arrumei recentemente umas velhas cassetes (K7) com gravações de discos dos Bauhaus, The Fall, The Sound, Siouxsie and the Banshees, Lydia Lunch e Echo & The Bunnymem. E relembrei as sensações fortes que senti ao ouvir aquelas músicas a primeira vez aos 15 ou 16 anos. Ou o impacto tremendo que senti quando vi, com 17 anos, os primeiros filmes de Andrei Tarkovski, David Cronenberg ou Ingmar Bergman.
Muitos anos depois, sinto que a maturidade não provoca tamanhas sensações de descobertas efusivas. Continuo a ter gosto em conhecer novas propostas musicais, cinéfilas ou literárias, mas concluo que já não exercem o mesmo fascínio que nos meus anos de adolescência/juventude. Com a idade, desenvolve-se outra forma - talvez mais acomodada e previsível - de sentir os impactos estéticos.
Na adolescência, pelo facto da estrutura intelectual se estar a formar progressivamente, abrem-se outras portas de percepção, outras maneiras de sentir (e compreender) os desafios de linguagens novas, de ruptura, de contrapoder. Era, basicamente, esse o grande estímulo que sentia nesses anos.
A idade proporciona, claro, um acumular de conhecimentos, de informação e de referências úteis, mas a verdadeira aventura da descoberta, livre e descomplexada, desformatada e aberta, acontece nos excitantes anos da adolescência.

5 comentários:

abc disse...

«abrem-se outras portas de percepção» - bonita expressao, faz-me lembrar as outras vias para tornar sensivel o intelecto, mesmo na maturidade, ou melhor, especialmente para a maturidade (para bom entendedor...)

Bruno Cunha disse...

Concordo muito com o que dizes. Tenho 16 anos e à medida que os dias passam aprendo sobre novos assuntos como cinema e literatura. Lembro-me que a minha paixão pelo cinema foi com o cinema americano mas à medida que abro portas vou descobrindo novas obras e novas vidas. Lembro-me do fascínio ao ver Kubrick pela primeira vez assim como Hitchcock, perguntava-me como é que existia este mundo e eu desconhecia. Lembro-me de ser catapultado para a leitura através da BD e hoje delicio-me a ler o Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley. São estas pequenas coisas que dão um brilho à minha vida e me fazem sentir diferente do resto das pessoas da minha idade. E eu adoro.


Abraço
Frank and Hall's Stuff

Unknown disse...

Galo: a expressão "portas de percepção" não foi utilizada inocentemente: é o título de um livro de Aldous Huxley que inspirou também o nome da banda The Doors. E é curioso que o Bruno tenha citado igualmente Huxley! Está tudo ligado.

Gostei do teu comentário, Bruno. Aproveita bem os teus "anos decisivos"! ;)

Vasco disse...

E com a política também terá sido assim?

Abraço

Rato disse...

Totalmente de acordo com o referido neste post. Quanto à questão da "política" colocada pelo Vasco, as coisas ainda se extremam mais. Pelo menos para a minha geração, a que viveu as mudanças trazidas pela Revolução dia a dia, hora a hora, depois de anos a fio de uma ditadura castradora,sobretudo culturalmente, que foi a vertente que mais me afectou enquanto estudante, e que inclusivé me obrigou a saír do País para poder ver os filmes que se encontravam proibidos. Entre Abril de 74 e Novembro de 75 nada era mais importante do que viver todos aqueles acontecimentos, que se sucediam a um ritmo vertiginoso. Independentemente do "lado da barricada" em que cada um se encontrava, foi um tempo em que todos nos sentíamos palpitantes de vida. Depois, e como cantou o Chico Buarque, "a festa acabou" e tudo voltou progressivamente à "normalidade". Hoje sou completamente alérgico a políticos e seus correligionários, mas congratulo-me pelo privilégio de ter pertencido àquela geração.