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terça-feira, 24 de julho de 2012

Entrevista Póstuma (13) - João César Monteiro

O Homem Que Sabia Demasiado - O filme que obteve maior sucesso foi "Recordações da Casa Amarela", visto por  quase 40 mil espectadores.
João César Monteiro - Sim, mas a minha atitude é sempre a mesma: nas tintas para o público. Afinal de conta, é um filmezinho...
O Homem Que Sabia Demasiado - Afinal, que tipo de cinema e de cineastas lhe interessam?
João César Monteiro - Há, de facto, duas ou três dezenas de bons cineastas espalhados pelo mundo, desde Taiwan até Tiblissi, passando quiçá por Lisboa, o Canadá e mesmo a América. É esse cinema que a mim me interessa e não outro qualquer, nem essa coisa artificial que é o cinema europeu. Europeu? Então e os africanos? E nós, somos europeus de que lado? Nós a única coisa que temos virado para a Europa é o cu.
O Homem Que Sabia Demasiado - Mas esse é o tipo de cinema que raramente se consegue ver na exibição comercial.
João César Monteiro - Pois é, e não admira, dada a selvajaria que se tornou a exibição do cinema em Portugal. Eu gosto de ver filmes. Mas filmes que sejam cinema, e não fogo-de-artifício. A maior parte dos filmes hoje produzidos são só merda... merda... Mas talvez eu já esteja a divagar...
O Homem Que Sabia Demasiado - Porque é que escolheu o cinema como forma de expressão artística, conehcendo a sua paixão pela poesia e pela literatura?
João César Monteiro - É uma pergunta ingrata. Porque é que se escolhe uma coisa e não se escolhe outra?!
O Homem Que Sabia Demasiado - O seu cinema sempre foi considerado de autor, inconformado, irreverente, facto que as más línguas gostavam de criticar.
João César Monteiro - Eu quero é que as más línguas se fodam!
O Homem Que Sabia Demasiado - Mas... Porque é que...
João César Monteiro - E quero também que o senhor se foda e não me chateie mais com perguntas idiotas!

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Entrevista Póstuma (12) - Kurt Cobain




O Homem Que Sabia Demasiado - Será sempre recordado como o líder de uma geração inquieta, cujo lema musical está patente em "Smells Like Teen Spirit"?

Kurt Cobain - Bah! Nunca quis ser modelo de ninguém, muito menos de uma geração. E essa música, apesar de ter sido a que mais sucesso comercial teve com os Nirvana, é das que gosto menos.

O Homem Que Sabia Demasiado - Durante toda a sua vida lutou contra o vício da heroína, depressão, fama, imagem pública e pressões profissionais. Como lidou com tudo isto?

Kurt Cobain - Como acha que lidei? Sempre odiei a exposição pública e o mediatismo que, a dada altura, os Nirvana me trouxeram. As depressões eram decorrentes dessa sensação de permanente insegurança. A droga foi uma libertação e, ao mesmo tempo, uma maldição toda a vida.

O Homem Que Sabia Demasiado - E a sua vida familiar também não foi fácil...

Kurt Cobain - Pois não. Eu tinha vergonha dos meus pais. Eu não poderia enfrentar alguns dos meus amigos na escola porque eu, desesperadamente, queria ter a família típica. Mãe, pai. Eu queria a segurança, mas só senti ressentimentos para com os meus pais. E na escola passei por um inferno porque fui vítima de violência e bullying.

O Homem Que Sabia Demasiado - E que papel teve a sua educação religiosa?

Kurt Cobain - Bom, os meus pais educaram-me com os valores religiosos, mas à medida que crescia procurei outras soluções, como o Budismo, que tinha outra hierarquia de valores mais importantes para mim. Foi do Budismo que retirei o nome da banda - Nirvana.

O Homem Que Sabia Demasiado - Gostou do filme que o realizador Gus Van Sant fez vagamente inspirado na sua vida - "Last Days" de 2005?

Kurt Cobain - Detestei. Tudo: a realização lenta e monótona, a interpretação do tipo que, supostamente, fazia de mim, a forma como foi utilizada a música no filme... Tudo. Aquilo é tanto sobre a minha vida como "Psico" é sobre a Madre Teresa de Calcutá.

O Homem Que Sabia Demasiado - Casou com Courtney Love em 1992 já ela estava grávida da sua filha. Que papel teve Courtney na sua vida?

Kurt Cobain - Preferia não falar dela. Houve demasiados equívocos e problemas que acabaram por me destruir a vida, e Courtney contribuiu para isso. Sempre achei que as maiores loucuras são as mais sensatas alegrias, pois tudo que fiz ficou na memória daqueles que um dia sonharão ser como eu: louco, porém, feliz.     

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Entrevista Póstuma (11) - Marlene Dietrich

Depois de 10 Entrevistas Póstumas feita a realizadores como Kubrick, Buñuel, Tati, ou músicos como Ian Curtis ou Jimi Hendrix, volta uma nova ronda de Entrevistas Póstumas.
A primeira entrevistada: Marlene Dietrich (1901 - 1992)
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O Homem Que Sabia Demasiado - Disse numa entrevista: "Na vida real, a maioria dos actores de cinema é uma decepção. Eu, por outro lado, sou melhor na vida real do que no cinema."

Marlene Dietrich - Oh, quando disse isso estava no início da carreira, ainda não tinha alcançado a maldita fama que consegui muitos anos depois. Mas é verdade que sempre pensei isso. Os actores são uma espécie rara, com muitos tiques e presunções que não suporto. Podem acusar-me de ter também alguns tiques, mas sempre me achei uma mulher mais interessante na vida real do que no cinema.

O Homem Que Sabia Demasiado - Participou em sete filmes do realizador Josef von Sternberg, com o início mítico no filme "O Anjo Azul", que lançou a sua carreira como "sex-symbol".

Marlene Dietrich - Pois foi. Trabalhei com Sternberg de 1930 a 1935, na Alemanha. Foram anos muito duros, de total entrega e sacrifício. Poderia ter continuado a trabalhar com Sternberg, mas o Nazismo estava no poder e não me identificava com ele. Hitler ainda me convidou para protagonizar filmes de propaganda nazi, mas recusei e exilei-me nos EUA. Hitler chamou-me de "traidora", mas não me importei...

O Homem Que Sabia Demasiado - Anos depois a 2ª Guerra Mundial deflagra e dedica-se a cantar para as tropas aliadas.

Marlene Dietrich - Foi uma espécie de catarse. Senti que a minha voz e a minha presença eram fortes e ajudavam o moral dos soldados.

O Homem Que Sabia Demasiado - Mesmo com o seu visual algo andrógino.

Marlene Dietrich - Ah ah ah! Sempre gostei de cultivar essa imagem. Sabe, fui das primeiras figuras públicas femininas a usar calças de homem e a fumar em 1920! Mas os homens gostavam disso, ficavam todos caídos por mim.  

O Homem Que Sabia Demasiado - A sua filha Maria Riva escreveu um livro sobre si no qual a declarava uma pessoa fria e autoritária.

Marlene Dietrich - Sempre gostei da minha filha. Apesar de alguns problemas, tínhamos uma boa relação. Mas preferia não comentar.

O Homem Que Sabia Demasiado - Um dos últimos grandes filmes em que participou foi em "Sede do Mal" (1958) de Orson Welles, em que interpreta uma cigana cartomante. Gostou desse papel e do filme?

Marlene Dietrich - Adorei trabalhar com o Orson! Nesse filme interpretava o capitão Quinlan, um polícia corrupto, gordo e sebento, que tentava seduzir-me. Ah ah ah, cada vez que me lembro do que nos divertimos a fazer esse fantástico filme. O Orson era completamente louco. Genialmente louco.


O Homem Que Sabia Demasiado - Morreu com 90 anos. É verdade que tinha medo do envelhecimento e da morte?

Marlene Dietrich - Custa-me admitir, mas é verdade. Tinha horror à velhice e guardei numa gaveta todas as fotos de quando era nova. Por isso me isolei de todos e de tudo. Fui aguentando a solidão e o sofrimento da velhice, até ao fim irremediável.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Entrevistas Póstumas (10) - Ian Curtis


O Homem Que Sabia Demasiado - Ian Curtis, 30 anos depois, a sua arte continua a fascinar gerações de amantes de música. Como explica isto?

Ian Curtis - Listen to the silence, let it ring on. Eyes, dark grey lenses frightened of the sun. We would have a fine time living in the night, Left to blind destruction, Waiting for our sight.

O Homem Que Sabia Demasiado - E o que me diz das suas letras plenas de negrume existencial, de deseperada lassidão emocional?

Ian Curtis - Heart and soul, one will burn. An abyss that laughs at creation, A circus complete with all fools, Foundations that lasted the ages, Then ripped apart at their roots. Beyond all this good is the terror.

O Homem Que Sabia Demasiado - Era considerado, nos Joy Division, o músico mais tímido e reservado. Como se tornou no líder carismático da banda?

Ian Curtis - Is this the role that I wanted to live? I was foolish to ask for so much. Without the protection and infancy's guard, It all falls apart at first touch.

O Homem Que Sabia Demasiado - A música dos Joy Division tornou-se na marca de uma geração e influenciou dezenas de bandas. Que sentimento e que responsabilidades isto lhe traz?

Ian Curtis - Walk in silence, Don't walk away, in silence. See the danger, Always danger, Endless talking, Life rebuilding, Don't walk away.

O Homem Que Sabia Demasiado - A sua viúva, Deborah Curtis, disse ter odiado o filme "Control" de Anton Corbijn. Que comentário quer fazer?

Ian Curtis - Confusion in her eyes that says it all. She's lost control. And she's clinging to the nearest passer by, She's lost control. And she gave away the secrets of her past, And of a voice that told her when and where to act, She's lost control, again.

O Homem Que Sabia Demasiado - Sei que tinha uma boa relação com a sua mãe. O que lhe diria caso a encontrasse?

Ian Curtis - Mother I tried please believe me, I'm doing the best that I can. I'm ashamed of the things I've been put through, I'm ashamed of the person I am.

O Homem Que Sabia Demasiado - A sua arte como músico e poeta foi construída segundo as suas próprias experiências de vida. Sente que as emoções, a vida e o amor são destruídos pela presença da rotina e pela certeza da morte?

Ian Curtis - When routine bites hard, And ambitions are low, And resentment rides high, But emotions won't grow, And we're changing our ways, Taking different roads. Then love, love will tear us apart again. Love, love will tear us apart again.

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Com esta décima e especial entrevista, termina a série de Entrevistas Póstumas.

Para ler as restantes nove, abrir aqui.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Entrevistas Póstumas (9) -James Dean

O Homem Que Sabia Demasiado - É um caso único na história do cinema: fez apenas três filmes e tornou-se rapidamente num mito da cultura popular.

James Dean - Nunca procurei ser um símbolo de uma geração, ainda que o filme "Rebeldes Sem Causa" (1955) tenha ajudado a tal. O realizador Nicholas Ray estava sempre a dizer-me que aquele filme iria transformar-me num símbolo de rebeldia juvenil, mas eu nunca quis, conscientemente, assumir tal destaque. A rebeldia da juventude nasceu com o Rock 'n'Roll na década de 50 e mais tarde com o fenómeno Hippie. Eu fui apenas um actor que fiz o melhor nos poucos filmes em que participei.

O Homem Que Sabia Demasiado - E que grandes filmes! O filme "A Leste do Paraíso" (1955) realizado pelo notável cineasta Elia Kazan, é talvez o filme em que "explode" como actor do método do "Actor's Studio" de Lee Strasberg. A sua magnífica interpretação como jovem incompreendido e angustiado, valeu-lhe quase a classificação de génio.

James Dean - Mais uma vez, julgo que é uma classificação desmesurada. É verdade que trabalhei muito para conseguir ter aquela interpretação natural, quase espontânea, com alguma improvisação à mistura. Porém, a direcção de actores de Kazan foi essencial para ter conseguido tirar o máximo de potencial das minhas capacidades.

O Homem Que Sabia Demasiado - No seu filme seguinte, "Giant" (1956), que estreou já depois de ter falecido no trágico acidente de carro, fechou uma espécie de triângulo magistral no universo da interpretação, numa ascensão que parecia imparável.

James Dean - "Giant" foi um filme do qual não gostei muito de participar, ao contrário dos dois anteriores. Durante as filmagens houve um clima constante de guerrilha de estrelas entre Elizabeth Taylor e Rock Hudson e o realizador, George Stevens, não conseguia dar um rumo ao filme, até porque houve sérios problemas financeiros e de produção.

O Homem Que Sabia Demasiado - É verdade que se dizia que Marlon Brando era o seu único rival no que dizia respeito a actores jovens e muito talentosos?

James Dean - Conheci Brando e gostava muito dele. Houve rumores que afirmavam que ambos tínhamos uma relação homossexual, mas era tudo fantasia da comunicação social. Mas respondendo à pergunta: havia outro grande actor que competia, se quiser, pelo lugar de "jovem actor talentoso": Montgomery Clift. Um actor de grande personalidade e potencial.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Entrevistas Póstumas (8) - Luis Buñuel


O Homem Que Sabia Demasiado - É verdade que os seus filmes são anti-clericais?

Luis Buñuel - Como sabe, eu sou ateu graças a Deus, e em muitos dos meus filmes manifesto esta minha inquetude. Acredito que é preciso ter fé, mas uma fé não necessariamente de cariz religiosa, cristã. Eu fui educado na mais fundamentalista fé cristã, até que fui para Paris muito novo e comecei a ter contacto com a fascinante vida mundana e artística. Este contacto abriu-me novas portas de percepção, de entendimento do mundo.

O Homem Que Sabia Demasiado - O facto de ter conhecido um artista tão especial como Salvador Dalí contribuiu para isso?

Luis Buñuel - Sem dúvida. Fui grande amigo do Salvador nos anos 20, assim como do Garcia Lorca, grande poeta de língua espanhola. Com o Dalí realizei o meu primeiro filme, "Un Chien Andalou", que escrevi a meias com ele. Depois ainda começámos a escrever o argumento de "L'age D'or" mas depressa me zanguei com o Salvador. O seu ego era, já nessa altura, insuportável de aturar.Nas décadas seguintes só falei umas poucas vezes com ele.

O Homem Que Sabia Demasiado - É verdade que tinha pedras no bolso durante a estreia de "Un Chien Andalou", para o caso do público não gostar do filme e assobiar?

Luis Buñuel - Eh eh eh... É verdade. Estava escondido atrás do ecrã, ansioso pelo final do filme para perceber a reacção do público. Mas para meu espanto, quase todos gostaram e aplaudiram. Mas essa estreia não fez com que tivesse imensos problemas com as autoridades morais e religiosas nos meus filmes seguintes.

O Homem Que Sabia Demasiado - Por causa da sua veia irreverente e até subversiva...

Luis Buñuel - Hum... Não sei se me qualifico como tal. Sempre fiz o cinema em que acreditei, sobre as minhas próprias obsessões, sem pensar em chocar mentalidades específicas. E como já sei que me vai perguntar quais são as minhas obsessões, digo-lhas já: sexo, morte, religião, padres, liberdade, Deus, burguesia, mendigos, surrealismo, freiras, erotismo, fé...

O Homem Que Sabia Demasiado - Arrepende-se de alguma coisa?

Luis Buñuel - Bom... Talvez de não ter casado com a Catherine Deneuve. Ela era fogo, um verdadeiro vulcão de sensualidade.

O Homem Que Sabia Demasiado - O que achou do facto de Manoel de Oliveira ter feito uma espécie de continuidade ao seu filme "Belle de Jour" com o filme "Belle Toujours"?

Luis Buñuel - Achei óptimo. O Oliveira é um cineasta com uma forte identidade, mas eu sei que o meu cinema o influenciou. Para mim funcionou como uma homenagem.

O Homem Que Sabia Demasiado - Filmou em Espanha, México e França. Foram experiências muito diferentes?

Luis Buñuel - Sim. O meu exílio forçado no México acabou por ser benéfico, uma vez que fiz lá um dos meus filmes preferidos, "Los Olvidados". E em França foi o país onde realizei os filmes com mais sucesso.

O Homem Que Sabia Demasiado - Na sua autobiografia, "O Meu Último Suspiro", refere no final do último capítulo, que gostaria que, depois de morrer, voltar ao mundo de dez em dez anos para ler os jornais e saber em que estado se encontram o homem e a sociedade. Ainda faz isso?

Luis Buñuel - Oh, não! Já não sinto saudade deste mundo, não me interessa. A última vez que li notícias sobre o estado do mundo prometi desistir de voltar a fazê-lo. É um mundo deprimente, cheio de injustiças, de sofrimento, de selvajaria, de intolerância a todos os níveis. Deixe-me cá estar sossegadinho!

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Entrevistas Póstumas (7) - Leni Riefenstahl



O Homem Que Sabia Demasiado - A sua reputação como cineasta é enorme, apesar de só ter realizado 8 longas-metragens. Como explica este facto?

Leni Riefenstahl - Bom, o meu percurso foi bastante longo, de cerca de sete décadas, mas estive muitos anos sem filmar depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Fiz os meus filmes sobretudo entre 1932 e 1945, depois do fim da Guerra, como sabe, tive imensos problemas para desenvolver os meus projectos.

O Homem Que Sabia Demasiado - A que se deveram, no seu entender, esses problemas?

Leni Riefenstahl - Basicamente, por causa da minha ligação a Adolf Hitler e os dois filmes que fiz para o regime Nazi: "O Triunfo da Vontade" (1934) e "Olympia" (1938). O mundo inteiro acusou-me de colaboradora do regime hitleriano, mas isso não é bem verdade. Apesar do que se diz, não fui eu que ofereci os meus serviços como realizadora a Hitler. Ele é que me convidou depois de ter visto o meu primeiro filme, "A Luz Azul" (1932). Eu ainda declinei, sugerindo que fosse convidado um grande realizador alemão, Walter Ruttman, mas Hitler insistiu que fosse eu e, como estava ansiosa de trabalhar num grande projecto, resolvi aceitar. Como aconteceu a muita gente, eu fiquei fascinada quando ouvi o poder de oratória do Kaiser, e era difícil resistir ao seu incrível magnetismo. Nos anos em que fiz os filmes, desconhecia ainda as atrocidades cometidas contra os Judeus. Pode-ma chamar de ingénua, mas foi isso que aconteceu.

O Homem Que Sabia Demasiado - Acha justo que critiquem os seus filmes pela inevitável propaganda política mas que os elogiem, ao mesmo tempo, pela sua inovadora linguagem estética e formal?

Leni Riefenstahl - Sim, não me importo que as pessoas façam essa análise. Tive muitos meios técnicos ao meu dispor para filmar a convenção Nazi de Nuremberga e por isso inventei novos enquadramentos, novos movimentos de câmara, novas formas de montar as imagens.

O Homem Que Sabia Demasiado - Muitos anos depois, na década de 70, desiste do cinema e torna-se fotógrafa, fazendo reportagens nas tribos do Sudão.

Leni Riefenstahl - Desisti do cinema porque achava que já tinha tido as experiências estéticas que me realizaram. E como senti sempre obstáculos e boicotes para continuar a filmar por causa da minha alegada simpatia com o Nazismo, então experimentei a fotografia, uma outra arte nobre e extremamente gratificante. E com 80 anos descobri outro prazer único: a fotografia submarina! Em 2002, quando fiz 100 anos de idade, realizei um documentário sobre esse fascinante mundo subaquático.

O Homem Que Sabia Demasiado - O seu percurso artístico é indissociável do percurso político do regime Nazi e de Hitler. Há pouco tempo, o estilista John Galliano disse que simpatizava com a figura de Hitler; ontem o realizador Lars Von Trier, referiu que compreendia Hitler e se sentida nazi. A que se deve este fenómeno de "empatia" com uma figura tão terrível da hstória?

Leni Riefenstahl - É difícil explicar, ainda mais para mim, que vivi todos aqueles anos loucos e frenéticos na Alemanha de Hitler. Não creio que Hitler seja citado por ser uma personalidade cruel e responsável por milhões de mortes. Creio que é referenciado porque existe uma total ausência de liderança política na Europa e Hitler, para o bem e para o mal, encarnou um líder carismático, determinado, seguro e com grande poder de fascínio junto das populações. Se houvesse um líder político europeu actual com estas características, mas sem a brutal carga maléfica que lhe é atribuída, talvez as pessoas se esquecessem rapidamente que Hitler existiu.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Entrevista Póstuma (5) - Buster Keaton



O Homem Que Sabia Demasiado - É célebre a sua expressão "Tragedy is a close-up; comedy, a long shot". O que queria dizer com isto?

Buster Keaton - A tragédia e a comédia são dois campos que se tocam, o reverso da mesma moeda. Experimentar ambas só enriquece o ser humano e o torna mais sensível, mais compreensivo para com as contradições da própria vida. O filme "The General" é prova disso: com um tema sério, a guerra, eu construi uma comédia mordaz. Até na violência e na hostilidade se podem criar momentos de humor. O importante é saber equilibrar o lado da tragédia e o da comédia.

O Homem Que Sabia Demasiado - Nos seus filmes sempre houve essa espécie de "sentimento trágico da vida", apesar de toda a enorme carga de humor que era evidente.

Buster Keaton - Sempre foi esse factor que me diferenciou de Charles Chaplin. Ele tinha um lado sentimental da comédia, eu tinha um lado quase negro, quase trágico. Sempre entendi e usei o "gag" cómico como uma ferramenta de interpretação do mundo, das relações entre homens e mulheres, etc.

O Homem Que Sabia Demasiado - Cultivou um semblante sempre impassível, incapaz de expressar emoções, de feições neutras. Porquê?

Buster Keaton - Por um lado, foi uma forma de construir uma personagem icónica, capaz de resistir impávido à cena mais irresistivelmente cómica. Por outro lado, o facto de nunca rir, permitiu que o espectador pudesse projectar em mim as suas próprias emoções segundo o que via.

O Homem Que Sabia Demasiado - O seu humor era muito físico e consta-se que nunca recorreu a duplos nas cenas mais arriscadas.

Buster Keaton - É verdade. Sempre assumi os riscos da profissão que escolhi. Cresci no mundo do "vaudeville", que misturava circo, teatro, com muitos números cómicos arriscados. Aprendi a moldar e a controlar o meu corpo para quedas e saltos mais mirabolantes. Mas houve uma vez que andei com o pescoço partido durante um ano sem quase me dar conta...

O Homem Que Sabia Demasiado - O seu período de ouro foi durante a década de 20, em que realizou e interpretou várias obras-primas do cinema. A partir de 1930, com o contrato que fez com o estúdio Metro, entrou claramente em decadência.

Buster Keaton - É verdade, infelizmente. Nem foi por causa da ascenção do sonoro. Foi porque a partir desse momento perdi totalmente o controlo artístico dos filmes, e fui forçado a fazer filmes com argumentos e montagens impostos pelo estúdio.

O Homem Que Sabia Demasiado - Em 1952 entrou no filme "Luzes da Ribalta" de Chaplin. Como foi esse encontro?

Buster Keaton - Um momento único de dois artistas que fizeram carreira quase em simultâneo. ao contrário do que se dizia, nunca fomos adversários ou concorrentes no cinema. Cada um tinha o seu espaço, a sua arte, o seu espaço. Nesse filme interpretámos dois palhaços decadentes que faziam números em conjunto. Um filme melancólico que serviu quase como uma metáfora para as nossas carreiras naqueles anos.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Entrevista Póstuma (4) - Jimi Hendrix


O Homem Que Sabia Demasiado - Em 1965 disse: 'Quero fazer com a minha guitarra o que Little Richard fez com a sua voz'. O que queria dizer com esta afirmação?

Jimi Hendrix - O Little Richard tinha uma forma de cantar muito própria, com uma tremenda garra, soltava as frases com ritmo e geria muito bem os momentos enérgicos com os mais calmos. Por isso foi uma lenda e um visionário do rock 'n' roll, com o qual tive o prazer de tocar durante um ano. Tentei, por isso, fazer da minha guitarra uma espécie de extensão da maleabilidade vocal de Richard. Modéstia à parte, creio que o consegui.

O Homem Que Sabia Demasiado - Não só conseguiu igualar essas qualidades como, claramente, as superou. Por algum motivo é considerado o guitarrista mais influente de todos os tempos.

Jimi Hendrix - Bom, nunca lidei muito bem com essa classificação tão linsonjeira. No meu tempo houve outros grandes guitarristas tão bons como eu - Chuck Berry, Buddy Guy, Bo Diddley, B.B. King... Todos eles foram tão influentes quanto eu. E a seguir a mim vieram outros grandes guitarristas. A diferença que eu incuti é que inovei na forma de tocar rock e blues com a guitarra eléctrica, com um dedilhar só meu, solos que me saiam das entranhas da alma, e uma atitude em palco que muitos jornalistas consideravam "magnética".

O Homem Que Sabia Demasiado - E não foi só por isso, dado que o Jimi foi também inovador ao utilizar o próprio estúdio de gravação como elemento de criação musical, originando uma nova metodologia de gravação musical.

Jimi Hendrix - Sim, é verdade que fui dos primeiros músicos a utilizar a estereofonia e outras técnicas de gravação que enriqueciam musicalmente o meu trabalho. Mas isso foram apenas recursos técnicos, nada faria sentido se não houvesse a mínima criatividade ou a exploração de ideias novas.

O Homem Que Sabia Demasiado - É impossível falar em si sem falar do Festival de Woodstock de 1970, esse acontecimento mítico da cultura popular da segunda metade do século XX.

Jimi Hendrix - Oh, Woodstock!... Haveria tanto para contar sobre esses loucos dias. A verdade é que foi um acontecimento único de partilha de emoções fortes de toda uma geração que partilhava valores comuns. E não era apenas o movimento "flower power" que centralizava a atenção mundial, era a música associada, as ideias que defendiam, a disseminação do amor livre e o combate feroz à guerra do Vietname. Tudo isso confluiu para um festival que marcou várias gerações e...

O Homem Que Sabia Demasiado - E que marcou também pela negativa por causa das drogas.

Jimi Hendrix - As drogas faziam parte inerente da forma de viver de toda essa geração. Os escritores da Beat Generation e o jazz também se juntaram a nós e foram um rastilho para criar um espírito comum mais livre das convenções e da moralidade da sociedade conservadora. Admito que tomei algumas drogas, nesse contexto específico, mas foram essenciais para criar a minha música e para tocar da forma como tocava.

O Homem Que Sabia Demasiado - Em 1967, num concerto em Londres, Jimi Hendrix incendiou, pela primeira vez, uma guitarra em palco. Qual a razão?

Jimi Hendrix - Muitos disseram que era a droga que me incentivava a queimar as guitarras. Nada mais errado. O fogo é o elemento mais mágico das tribos, o elemento mais purificador. No auge das minhas actuações - e sobretudo quando corriam bem e sentia a energia da parte do público - era levado a queimar a guitarra, símbolo do rock, para a purificar, o momento de êxtase total. Era o meu momento de puro ritual, de libertação depois das descargas de adrenalina rock.


O Homem Que Sabia Demasiado - Se tivesse que escolher um guitarrista actual que pudesse ser, de certa forma, o seu discípulo, quem escolheria?


Jimi Hendrix - Humm... Muito difícil responder. Mas talvez escolhesse Thurston Moore, dos Sonic Youth. Acho que, nas últimas duas décadas, foi o guitarrista que mais se assemelhou à minha energia e criatividade guitarrística.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Entrevista Póstuma (3)-Stanley Kubrick


O Homem Que Sabia Demasiado - Muitos críticos consideram a sua obra cinematográfica como única na história do cinema. Concorda?

Stanley Kubrick - Concordo.

O Homem Que Sabia Demasiado - É conhecido por ser um cineasta de grande exigência formal, muito meticuloso na preparação de cada filme, nas filmagens e montagens.

Stanley Kubrick - Não ligo ao que dizem sobre mim acerca desse assunto.

O Homem Que Sabia Demasiado - Sim, mas admite que era particularmente duro com os actores, que os obrigava vezes sem conta a repetir cenas...

Stanley Kubrick - Repetiam as vezes que eram extritamente necessárias. E nunca me dei mal com nenhum actor por isso.

O Homem Que Sabia Demasiado -Mas consta-se que os actores de "The Shining", Jack Nicholson e Shelley Duvall, se queixaram do nível de exigência nas repetições de cenas.

Stanley Kubrick - Ambos foram actores maravilhosos. A imprensa exagera. Fiquei muito amigo de Nicholson depois desse filme.

O Homem Que Sabia Demasiado - Os temas dos seus filmes foram sempre temas fortes: guerra, sexo, violência, obsessão, desejo, suicídio, loucura...

Stanley Kubrick - Por nenhum motivo em especial.

O Homem Que Sabia Demasiado - Se tivesse que escolher uma obra que melhor representasse o seu cinema, qual seria?

Stanley Kubrick - O filme "Napoleão", que nunca consegui concretizar ao fim de muitos anos a tentar.

O Homem Que Sabia Demasiado - É verdade que é avesso a entrevistas e sempre as recusou?

Stanley Kubrick - Isso é invenção.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Entrevista Póstuma (2) - Groucho Marx


O Homem Que Sabia Demasiado - É verdade que o FBI tinha um relatório sobre si por causa das suas piadas comunistas?

Groucho Marx – Sim, mas o FBI na altura tinha ficheiros sobre todos os americanos, até daqueles que diziam em público que não gostavam de Baseball. As minhas piadas sobre comunistas tinham a mesma veia corrosiva do que aquelas que fazia sobre as mulheres ou os burgueses vaidosos que faziam apostas milionárias nas corridas de cavalos. Não iria fazer piadas políticas, pois não?

O Homem Que Sabia Demasiado – O humor dos irmãos Marx foi, por isso, rotulado de incómodo e provocatório, uma ataque aos valores é à moral convencional.

Groucho Marx – Não entendo como era entendido assim, visto que fazíamos um humor non-sense e absurdo. Tenho a certeza que a maioria das pessoas nem percebiam o sentido (ou a falta dele) das piadas dos nossos filmes. Alguma vez viu alguém dar uma gargalhada sonante depois de ter assistido a uma piada dos Marx? Pois, eu também não.

O Homem Que Sabia Demasiado – Chaplin disse uma vez que o grande ponto de viragem da sua carreira foi quando adoptou o bigodinho, o chapéu de coco e a bengala e criou a personagem que todos conhecemos. Aconteceu o mesmo consigo com o bigode e as sobrancelhas pintadas?

Groucho Marx – Sabe, eu sempre tive um grande respeito por Chaplin. Ele disse-me uma vez: “Gostava muito de conseguir falar como o Groucho nos filmes”. E eu gostava muito de ter conseguido ser um cómico genial como Chaplin. Seja como for, um dia estava no estúdio de gravação a fazer um dos meus primeiros filmes e procurava uns adereços e figurinos engraçados para mim, assim à Chaplin. Como não encontrei nada, aproveitei o que tinha à mão: um lápis de carvão. Fiz um bigode espesso e umas sobrancelhas grossas, pus um charuto na boca e fui gravar assim. A imagem ficou e assim poupei dinheiro em bigodes e sobrancelhas postiços.

O Homem Que Sabia Demasiado – Os Irmãos Marx fizeram três ou quatro grandes filmes que ainda hoje desafiam o espectador pelo humor subversivo. Seguiam sempre o guião ou improvisavam durante as filmagens?

Groucho Marx – O que é um guião?... Eu e os meus irmãos viemos do teatro de vaudeville, com uma grande experiência no contacto com o público. E por isso gostávamos de sentir essa ligação durante as filmagens com os actores. E sobretudo as actrizes, que nem sempre gostavam como as tratávamos. Eu nunca fui machista. Uma vez, bebi champanhe do sapato de Sofia Loren e os jornais disseram que foi um acto embaraçoso. Não é verdade. Derramei fora quase metade porque ela se recusava a retirar o maldito pé do sapato! Eu tenho muito respeito pelas mulheres. Aliás, sempre disse que atrás de um homem bem sucedido, existe uma mulher. E, atrás desta, existe a mulher dele.

O Homem Que Sabia Demasiado – Groucho, morreu apenas três dias depois de Elvis Presley, facto que acabou por ofuscar a notícia da sua morte. Isso não o incomodou?

Groucho Marx – Oh, não! Pior teria sido se tivesse morrido no mesmo dia da Marilyn Monroe. Sempre tive um fraquinho por ela. De tal forma que deixei uma nota escrita com a indicação que queria ser enterrado por cima da sepultura de Marilyn. Mas o meu filho leu a nota tarde demais…

terça-feira, 22 de março de 2011

Entrevista Póstuma (1) - Jacques Tati


O Homem Que Sabia Demasiado - Eu diria que o seu cinema é um cinema “geométrico”, no sentido em que o humor é desenhado de forma milimétrica, com planos bem estruturados e um timing de humor ao segundo. Concorda?

Jacques Tati – Sim e não. Eu sempre vi o cinema como uma forma de olhar o mundo, uma espécie de mecanismo que grava e transforma esse olhar numa experiência de humor, sem perder a seriedade na análise e na crítica. Nos meus filmes há essa preocupação pelo lado formal e estético, mas há também uma margem de liberdade e de abertura, procurando explorar novas abordagens na realização ou na interpretação. O Sr. Hulot evoluiu muito ao longo dos meus filmes, passou de homem passivo à mercê dos elementos tecnológicos da sociedade moderna (“O Meu Tio”), para um agente de transformação e de intervenção do meio que o rodeia (“Playtime”). Mas há, de facto, um grande sentido de organização interna nos gags que apresento.

O Homem Que Sabia Demasiado - Numa entrevista, o comediante Rowan Atkinson referiu que a sua grande influência foi Jacques Tati.

Jacques Tati - É um reconhecimento louvável do legado que deixei, mas não sei até que ponto o Rowan assimilou todas as subtis nuances cómico-dramáticas do Sr. Hulot. Construi Hulot como um personagem imbuído de uma perspicácia intuitiva, que aprende com os erros e interpreta o mundo com a experiência e inocência de uma criança. O Mr. Bean parece-me antes um personagem infantilizado (no mau sentido) dessa minha perspectiva.

O Homem Que Sabia Demasiado - O seu filme "Playtime", de 1967, parece ter sido altamente visionário, ao satirizar uma sociedade massificada e mecanicista, hiper-tecnológica, que elimina o indivíduo em virtude das massas no seio do caos urbanístico moderno.

Jacques Tati - A minha visão foi nesse sentido, mas repare que a sua descrição corresponde ao que já existia e acontecia na década de 60! A explosão da sociedade de consumo, a obsessão pela tecnologia moderna, a industrialização do trabalho, a erosão afectiva e social derivada desses factores, eram já bem notórios nos anos 50 e 60. O meu filme não foi percursor em nada, foi antes um testemunho de um mundo do qual tenho sérias dúvidas que seja o melhor para o homem viver e conviver. Mas eu nem gosto muito de falar de "Playtime" porque foi o meu filme mais complexo, difícil e que me levou à total ruína financeira.

O Homem Que Sabia Demasiado - O seu tipo de humor deve muito à comédia burlesca do período mudo: Chaplin, Keaton, Lloyd... Que outros actores ou realizadores aprecia?

Jacques Tati - Oh, não houve outros como Chaplin ou Keaton! Eram os maiores, verdadeiros artisitas de uma arte que definhou a partir do aparecimento do cinema sonoro. Ainda assim, aprecio o humor anárquico dos Irmãos Marx, a comédia de costumes de Jerry Lewis ou do italiano Totó. Já os Monty Python não gosto. O humor absurdo, político e filosófico nunca me atraiu. Além do mais, os Monty Python tinham demasiados diálogos e, por vezes, muito complexos. O Sr. Hulot conseguia dizer o mesmo quase sem dizer uma palavra.