O Homem Que Sabia Demasiado - É verdade que os seus filmes são anti-clericais?
Luis Buñuel - Como sabe, eu sou ateu graças a Deus, e em muitos dos meus filmes manifesto esta minha inquetude. Acredito que é preciso ter fé, mas uma fé não necessariamente de cariz religiosa, cristã. Eu fui educado na mais fundamentalista fé cristã, até que fui para Paris muito novo e comecei a ter contacto com a fascinante vida mundana e artística. Este contacto abriu-me novas portas de percepção, de entendimento do mundo.
O Homem Que Sabia Demasiado - O facto de ter conhecido um artista tão especial como Salvador Dalí contribuiu para isso?
Luis Buñuel - Sem dúvida. Fui grande amigo do Salvador nos anos 20, assim como do Garcia Lorca, grande poeta de língua espanhola. Com o Dalí realizei o meu primeiro filme, "Un Chien Andalou", que escrevi a meias com ele. Depois ainda começámos a escrever o argumento de "L'age D'or" mas depressa me zanguei com o Salvador. O seu ego era, já nessa altura, insuportável de aturar.Nas décadas seguintes só falei umas poucas vezes com ele.
O Homem Que Sabia Demasiado - É verdade que tinha pedras no bolso durante a estreia de "Un Chien Andalou", para o caso do público não gostar do filme e assobiar?
Luis Buñuel - Eh eh eh... É verdade. Estava escondido atrás do ecrã, ansioso pelo final do filme para perceber a reacção do público. Mas para meu espanto, quase todos gostaram e aplaudiram. Mas essa estreia não fez com que tivesse imensos problemas com as autoridades morais e religiosas nos meus filmes seguintes.
O Homem Que Sabia Demasiado - Por causa da sua veia irreverente e até subversiva...
Luis Buñuel - Hum... Não sei se me qualifico como tal. Sempre fiz o cinema em que acreditei, sobre as minhas próprias obsessões, sem pensar em chocar mentalidades específicas. E como já sei que me vai perguntar quais são as minhas obsessões, digo-lhas já: sexo, morte, religião, padres, liberdade, Deus, burguesia, mendigos, surrealismo, freiras, erotismo, fé...
O Homem Que Sabia Demasiado - Arrepende-se de alguma coisa?
Luis Buñuel - Bom... Talvez de não ter casado com a Catherine Deneuve. Ela era fogo, um verdadeiro vulcão de sensualidade.
O Homem Que Sabia Demasiado - O que achou do facto de Manoel de Oliveira ter feito uma espécie de continuidade ao seu filme "Belle de Jour" com o filme "Belle Toujours"?
Luis Buñuel - Achei óptimo. O Oliveira é um cineasta com uma forte identidade, mas eu sei que o meu cinema o influenciou. Para mim funcionou como uma homenagem.
O Homem Que Sabia Demasiado - Filmou em Espanha, México e França. Foram experiências muito diferentes?
Luis Buñuel - Sim. O meu exílio forçado no México acabou por ser benéfico, uma vez que fiz lá um dos meus filmes preferidos, "Los Olvidados". E em França foi o país onde realizei os filmes com mais sucesso.
O Homem Que Sabia Demasiado - Na sua autobiografia, "O Meu Último Suspiro", refere no final do último capítulo, que gostaria que, depois de morrer, voltar ao mundo de dez em dez anos para ler os jornais e saber em que estado se encontram o homem e a sociedade. Ainda faz isso?
Luis Buñuel - Oh, não! Já não sinto saudade deste mundo, não me interessa. A última vez que li notícias sobre o estado do mundo prometi desistir de voltar a fazê-lo. É um mundo deprimente, cheio de injustiças, de sofrimento, de selvajaria, de intolerância a todos os níveis. Deixe-me cá estar sossegadinho!
1 comentário:
Imagino os filmes que faria, se ainda estivesse vivo... :) E o Fellini, Kurosawa, Tarkovsky... Já não os fazem como dantes...
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