João Lopes, motivado por um mail de um leitor do seu blogue Sound + Vision, abordou uma questão pertinente sobre a distribuição do filme de animação "O Mágico" de Sylvain Chomet. Basicamente, a questão (ou o problema) reside no simples facto de que o referido filme só se encontrar em exibição em Lisboa e no Porto (e em apenas uma sala).
Ou seja, a pergunta levantada pelo leitor faz sentido: "se os filmes não vão ser vistos pela maioria das pessoas, para quê fazer-lhes publicidade?". João Lopes corrobora esta preocupação questionando - com total legitimidade - o que fazem os agentes envolvidos no sistema de distribuição cinematográfica para conseguir público para os filmes.
Na realidade, parece-me uma verdadeira aberração que só duas ou três salas do país exibam determinados filmes (e não apenas este de Chomet, porque a lógica da distribuição de cinema comercial americano é a inversa: massificação por todos o país e por todas as salas possíveis - com os centros comerciais à cabeça).
Na lista dos melhores filmes do suplemento Ípsilon do jornal Público, reparei num pormenor esclarecedor: 6 ou 7 títulos referenciados (em 10) tiveram unicamente exibição comercial em Lisboa (eventualmente também no Porto). Ou seja, para o Público, a maioria dos melhores filmes do ano foram vistos por uma pequeníssima percentagem de espectadores (os privilegiados das duas grandes cidades portuguesas). Paradoxos difíceis de explicar.
Perante este facto, pergunto: e o resto do país? Um cinéfilo de Bragança ou de Beja tem de se deslocar ao Porto ou a Lisboa para ver um simples filme? É assim com esta deficitária distribuição de cinema de autor que se combate a pirataria? Pelo contrário, só a incrementa. Por isso é que, no meu caso especial, não podendo ver o filme "O Mágico" numa sala de cinema de Lisboa ou do Porto, o procuro na internet.
Dir-me-ão os puristas que não é a mesma coisa. E serei o primeiro a concordar. Claro que não é a mesma coisa. A prioridade para ver um filme é sempre a sala escura. Mas a verdade é prefiro mil vezes ver esse filme que não encontro na sala gravado num DVD ou até num ficheiro avi do que, pura a simplesmente, não o poder ver de todo por falta de oportunidade.
Talvez seja por isso que, ainda há dias, a França chumbou uma proposta de lei que punia a pirataria de filmes e de música.
Acredito que o aceso livre ao conhecimento, à informação e à cultura é um bem mais importante do que os pressupostos e interesses economicistas e comerciais que regem o sistema capitalista que tantas injustiças dissemina por esse mundo fora.
9 comentários:
E o que dizer do panorama nos Açores, onde só se pode "contar" com a Castello Lopes?...
Pessoalmente, não critico os que optam muitas vezes por "sacarem" determinado álbum, filme ou série da net. Eu também o faço por questões económicas. Se não fosse esta limitação, visualizaria e compraria tudo aquilo que gosto e que pretendo conhecer.
Sinceramente não me pesa na consciência, até porque grande parte do dinheiro que é desviado pela pirataria deixa de entrar nos cofres das produtoras e afins e não propriamente dos artistas.
Sabemos também que muitos desses artistas recebem num filme, ou num álbum mais dinheiro que um comum trabalhador recebe durante toda a sua vida de trabalho e não sei até que ponto esse desproporção abismal é justa.
Podemos, no entanto argumentar que graças à pirataria deixará de haver dinheiro para investir em novos valores; no entanto se a internet veio "matar" o aparecimento desses novos artistas, ao mesmo tempo veio permitir-lhes divulgar o seu desempenho, que a ser realmente apreciado significará um retorno financeiro no futuro nomeadamente através de concertos ao vivo, Cd's e DVD's com extras e o habitual merchandising para os verdadeiros apreciadores.
Se tiver que optar entre o cenário em que se verifica o enriquecimento desmedido das produtoras e conceituados músicos e actores, onde há algum investimento nos novos valores mas também grandes limitações no acesso à cultura por razões financeiras por parte do cidadão comum, eu opto pelo sistema que permite a baixo custo o acesso massivo e quase ilimitado à cultura cinematográfica e musical, mesmo que isso signifique deixar de alimentar avidamente a máquina comercial e "obrigar" os novos valores a fazer pela vida utilizando os meios de divulgação ao seu dispor.
Normalmente desconfio dos acérrimos defensores das normas anti-pirataria; ou porque fazem parte da máquina, ou porque têm possibilidades financeiras que lhes permitem alcançar de uma forma em geral aquilo que buscam e só pensam neles; ou porque não gostam muito de música e/ou cinema e se contentam com um parco investimento nesta área, ou porque têm medo da própria sombra e temem sofrer as consequências da infracção à lei, ou finalmente, porque dão mais importância ao culto da posse do que ao contacto com a cultura per si e não compreendem outra forma de se estar na vida.
Assim sendo, os únicos defensores da autenticidade que eu possa verdadeiramente respeitar são aqueles que apesar de não pertencerem à máquina, nem serem abastados, nem terem pouca sede de cultura ou pânico da justiça e muito menos preferirem o "terem" do que o "serem", são simplesmente contra devido a uma questão de ética; a esses eu respeito, apesar de não conseguir ser como eles.
Excelente comentário caro Alexander Sweden. Concordo totalmente com o que diz.
Não tenho muito mais a acrescentar àquilo que foi aqui dito. Eu sem a internet não conhecia nem metade do que conheço hoje em termos cinematográficos e musicais...Tudo o que é cultura a sério está nos grandes centros e eu porque vivo mais no interior sou obrigado a levar com as diarreias mentais da cultura de massas que me impõem? Não.
Por isso mesmo que proíbam e que comecem a punir quem faz o download de arquivos na internet, eu continuarei a faze-lo. É a única forma que tenho de ter acesso a cultura a sério...
Bem é isto.
Cumprimentos e parabéns pelo blogue. Sou um leitor assíduo. "Comentador" é que nem por isso. Parabéns também pelo seu maravilhoso projecto de música "Kubik"
Obrigado Alexandre pelo óptimo contributo e obrigado Guakjas pelo comentário!
Bom ano!
Caro Victor, é um facto que a distribuição de cinema em Portugal é um caso estranho…e não é de agora!
Deixo este comentário só para referir que os filmes (depois de saírem de Lisboa e Porto, eu sei) que interessam ser vistos (um pouco arrogante esta expressão, parece-me) são exibidos em várias localidades através dos cineclubes locais (http://fpcc.pt/index.php) e para deixar um exemplo… pegando no melhor filme para o suplemento Ípsilon do jornal Público, LOLA vai ser exibido em Famalicão (Cineclube de Joane) no dia 27 de Janeiro e no dia seguinte em Amarante programado pelo Cineclube local. O filme estreou com cópia única. Ok.Os cineclubistas destas 2 localidades encontrar-se-ão a meio do caminho para passar as latas de um carro para o outro. Não é só em Lisboa e Porto que se vê cinema. Em Amarante há 15 anos que é há gente a remar…
Um abraço e contra ventos e marés (http://ww1.rtp.pt/icmblogs/rtp/fugadaarte/) um bom ano de 2011.
Manuel Carvalho
Caro Manuel: obrigado pelo comentário.
No meu post tenho consciência que exagerei. Sei que generalizei sem realçar os bons exemplos que existem no país. E sei que alguns Cineclubes procuram colmatar as graves falhas de distribuição com uma programação cuidada e de qualidade. Neste aspecto, alguns Cineclubes do norte do país têm uma boa tradição nesse sentido.
Na Guarda, onde vivo, o bom cinema é programado pelo Teatro e pelo Cineclube, mas ainda assim, não é suficiente para ver todos os bons filmes que passam em Lisboa e no Porto.
Um bom ano de 2011!
Para os interessados, João Lopes acrescenta dados a este tema -http://sound--vision.blogspot.com/2011/01/cultura-dos-downloads.html
Ora acrescento estes dois links: http://bit.ly/hYWfOX%20 e http://bit.ly/fQac56
Estamos bem arranjados, estamos...
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