Já aqui tinha abordado a relação entre o cinema e a literatura.
É sabido que desde o início da história do cinema que a literatura (como o teatro,) tem servido de inspiração para a evolução da 7ª Arte. Grandes obras-primas do cinema resultaram de adaptações de livros menores e grandes obras literárias redundaram em filmes medíocres. José Saramago recusou, durante anos, autorizar a adaptação de livros seus para cinema, invocando o argumento de que o cinema "destrói a imaginação".
Compreendo o sentido da afirmação, mas refuto que seja uma verdade tão linear. A literatura e o cinema são duas linguagens muito diferentes e, cada uma à sua maneira, projectam a imaginação do receptor (espectador/leitor) de formas distintas. O cinema, quanto mim, não só não destrói a imaginação como a estimula para terrenos que, porventura, a literatura não provoca. Os estímulos visuais potenciam e enriquecem outros estímulos. E as imagens associadas a essa tão eficiente expressão artística que é a música, chegamos a um resultado imagético total e irrepreensível.
Uma coisa me parece certa: ninguém arrisca dizer que um bom livro substitui um bom filme (ou vice-versa). São duas formas de fruição estética que, cada uma a seu modo, fomentam experiências distintas mas que, no fundo, se podem perfeitamente complementar.
Por isso, uma conversa que me parece redundante é aquela que se centra na relação de qualidade entre um livro e a respectiva adaptação cinematográfica.
Por isso, uma conversa que me parece redundante é aquela que se centra na relação de qualidade entre um livro e a respectiva adaptação cinematográfica.
Ou seja: tentar saber qual é melhor: o livro "As Vinhas da Ira" de John Steinbeck ou adaptação cinematográfica de John Ford? É melhor o filme "O Processo" de Orson Welles ou o livro homónimo de Franz Kafka? Qual tem mais qualidade artística: o livro "Ensaio Sobre a Cegueira" de Saramago ou o filme "Blindness" de Meirelles? Dezenas de outros exemplos poderiam ser enumerados. Quanto a mim, é uma conversa inconsequente.
A literatura e o cinema são dois campos do conhecimento e da cultura que terão sempre o seu lugar no universo da criação artística. Ou isoladamente, ou complementarmente.
11 comentários:
Concordo e acho que este texto resume bem essa ideia que tanto se comenta.
É verdade que por vezes não concordo com o rumo que um realizador pegou num livro e isso fica mais emocional quando o livro é um de eleição. Mas quantos filmes eu também não gosto e não são adaptados de nada.
Mas novamente acho que resumiste isto muito bem.
Quem afirma que um livro é sempre melhor que um filme ou vice-versa das duas uma: ou não percebe nada de literatura ou de cinema, ou então não gosta de uma ou de outro. São duas formas de expressão artísticas que se complementam mas devem ser vistas e analisadas à luz de parâmetros distintos. Dão mais lugar à imaginação as geniais elipses do cinema fordiano, por exemplo, do que centenas e centenas de livros que já li (e alguns muito bons). Trata-se de um conflito que não existe ou, no mínimo, é mais aparente que real. Os critérios de avaliação (cinematográficos e literários) nada têm que ver um com o outro. Um conselho para quem fica na dúvida entre cinema e literatura: devorem e tentem compreender os dois.
De facto, um bom livro não substitui um bom filme (nem vice-versa), mas eu gosto sempre de ler primeiro o livro (se conseguir). Já tenho apanhado desilusões ao ver as adaptações cinematográficas.
Um texto pertinente que vai ao âmago da questão. Literatura e Cinema não têm nada que se completar e só por um qualquer acaso é que isso poderá acontecer. Até porque a relação entre os dois é de sentido único - é a Literatura que por vezes "serve" o Cinema e não o contrário. Por isso se verificam tantos equívocos entre alguns "críticos" que a partir de uma obra cinematográfica tendem a escrever um romance. Não entendem ou não conseguem situar os lugares que cada uma das duas expressões artísticas devem ocupar. Falar de um filme deverá ser feito do modo mais suncinto possível e ter um único propósito, salientar os defeitos ou as qualidades (e não contar detalhadamente a história - erro crasso desde sempre tão comum), de modo a criar no espírito do leitor a vontade de ver ou não esse mesmo filme.
sinceramente?
apetece-me polemizar.
porque se entendo o que pretende dizer, bem como o Rui Gonçalves (e entendo perfeitamente, e estaria sempre tentada a concordar, por mera sensatez), o que é verdade é que se a questão nao se pode resumir 'literatura é sp melhor vs cinema é sp melhor', também não se deve resumir a 'são complementares, quando muito'. porque eles são mais do que isso, entre eles. contaminam-se, influenciam-se, provocam-se, enlaçam-se, o que está para além de uma mera complementaridade.
nem sequer estou certa (aliás, não o estou de todo), que os critérios de avaliação sejam tão diferentes assim. ambas são artes cinestésicas, e aqui reside o busilis.
devorar cada uma e tentar compreende-la, parece-me a melhor saída. mas se fossem elas tão diferentes-intangenciais assim, porque raio:
1. se falaria tanto deste tema?
2. haveria cursos, mestrados, livros, ensaios, sobre este tema?
nan, a questão é mais complexa e nao se resolve com dicotomias simples, seja as que o victor denuncia, seja as que o victor propõe.
abraço.
(exemplos como adenda:
haver filmes que são péssimas adpatações, significa o quê? que é uma péssima adaptação, primeiro, e que o livro é superior ao filme; haver livros que deram melhores filmes, significa o quê? exacto - que o filme é superior ao livro)
A questão é uma faca de dois gumes.
Por exemplo, o livro Fahrenheit 451 de Ray Bradury é, literariamente, uma treta, enquanto que o filme de François Truffaut é uma obra prima.
Isto para dizer que um conceito ou ideia não faz um bom livro nem um bom filme.
Resuma-se tudo numa frase: um livro é um livro e um filme é um filme!
Pelo que por aí se vê o cinema ainda exige um pouco mais de dedicação artística. Hoje em dia qualquer gato-pingado publica o seu livrito - basta ter os conhecimentos certos e mover-se em corredores vips para o conseguir.
Em termos figurativos, o cinema, quando não se consegue alimentar a si próprio, contrata salteadores que vêm para a rua roubar ideias de que depois fazem receitas rápidas (os argumentos) antes de as entregarem aos cozinheiros para a confecção final. E, claro, tudo depende depois da classe e da experiência desses mestres de cozinha.
Acho que seria como dizer: "uma boa bebida é melhor que uma boa comida". Penso que, tal como o exemplo anterior, quer o cinema quer a literatura são alimentos essenciais e que devem ser conjugados para nos alimentar intelectualmente.
Eu gosto de ler um livro e ver a sua adaptação. Vejo sempre isso como um desafio pois um livro é sempre muito descritivo e criar uma imagem que vale mil palavras nem sempre é tão fácil quanto parece e nem sempre conseguido.
Fiquei delidudida com Hannibal, no filme a história foi totalmente modificada para pior (não vou contar mas o final no livro é muito surpreendente). E sobretudo depois de uma perfeita adaptação do Silêncio dos Inocentes.
Enviar um comentário