segunda-feira, 23 de junho de 2008

Cossery - o escritor desprendido



Lembro-me do momento em que um amigo mais velho me deu a conhecer a obra do escritor Albert Cossery (morreu ontem aos 93 anos). Foi em meados dos anos 90. Dizia-me esse amigo que Cossery um escritor invulgar e original, capaz de escrever sobre assuntos mundanos de forma extremamente polida, que se interessava pelos "vencidos da vida" e não por heróis romanceados de forma épica. Albert Cossery fazia, na esteira da filosofia epicurista (o prazer e o hedonismo como valores primordiais para a vida), a apologia da preguiça e do ócio, vendo nestas atitudes, o espelho de uma rebuscada actividade interior, como métodos valiosos de reflexão sobre a vida e o mundo. O próprio Cossery viveu praticamente toda a vida de forma desprendida e despojada, segundo o próprio, veículos para a felicidade e para o bem-estar existencial.
Apenas li três dos seus oitos livros: "Mendigos e Altivos", "A Violência e o Escárnio" e "Conversas Com Albert Cossery". Este último título, um conjunto de entrevistas ao escritor egípcio, é particularmente interessante para compreender o pensamento e a escrita de Albert Cossery:
- "Nunca pensou que as sociedades podem progredir?"
- "Um progresso espiritual, sim, mas não no sentido religioso. Espiritual, quer dizer no espírito. É muito difícil e é por esse facto que a humanidade não avançou nem um centímetro desde há milénios. Hoje vemo-lo um pouco por todo o mundo: as pessoas odeiam-se, entram em guerra, matam-se".
- "Qual é a arte de viver?"
- "Desprender-se de tudo o que nos ensinam, de todos os valores e dogmas".
- "O que é que caracteriza a arte de viver das personagens que criou?"
- "Em primeiro lugar, a falta de ambição. O que mata as pessoas é a ambição. E também esta tendência para a sociedade de consumo. Quando vejo publicidade na televisão, digo para mim próprio: podem apresentar-me isto anos a fio que nunca comprarei nada daquilo que mostram. Nunca desejei um belo automóvel. Nunca desejei outra coisa senão ser eu próprio. Posso caminhar na rua com as mãos nos bolsos e sentir-me um príncipe. Não é a posse de bens materiais que pode satisfazer um homem inteligente, que compreendeu o mundo em que vive".
- "O que lhe dizem os seus leitores mais frequentemente?"
- "Os meus leitores nunca me dizem: escreveu um belo romance, como acontece com muitos escritores; dizem-me: salvou-me a vida. Muitos jovens vão para o Egipto - Cairo - porque leram os meus livros. E muitos ficaram por lá".
Uma recensão breve - mas concisa - sobre a vida e obra de Albert Cossery pode ser lida no blogue Boca de Incêndio.
PS - na capa do livro "Conversas com Albert Cossery" pode ver-se, atrás do escritor, o famoso Café de Flore, famoso espaço de artistas e tertúlias de Paris, já abordado neste post.

1 comentário:

José Magalhães disse...

O Cossery é um autor fabuloso. Eu li o "Conversas com Albert Cossery", o "Cores da Infâmia" e "A Casa da Morte Certa". Cossery para além de um romancista genial, é também um filósofo político. Foi com ele que aprendi que os pobres não devem invejar os ricos, mas sim os ricos que devem invejar os pobres. E que a atitude mais revolucionária não é a indignação séria mas sim o riso e o gozo.