sábado, 21 de junho de 2008

Um crítico musical à margem


A música não é só ouvida. É também lida. E sobretudo em livros tão bons quanto este, que pretende analisar as múltiplas ramificações da chamada música de "vanguarda". Na sua já considerável travessia jornalística por variados jornais de relevo - do "Jornal de Letras" ao "Blitz", d' "O Independente" ao "Expresso" (para já não citar publicações estrangeiras) - Rui Eduardo Paes tem-se dedicado, afanosamente - e não raras vezes enfrentando obstáculos à sua actividade - ao estudo e divulgação das chamadas "novas músicas". Eis o seu último manifesto.
De que fala este livro intitulado «Phonomaton – As Novas Músicas no Início do Séc. XXI» de Rui Eduardo Paes? Fala, na essência, sobre o mesmo que os seus três livros anteriores – todos editados pela Hugin (e com distribuição nas boas livrarias): a problemática das músicas contemporâneas de índole experimental e a significação das estéticas de ruptura face aos valores culturais instituídos. Dito de outro modo, aborda todas as expressões artísticas tidas como de vanguarda, nas suas múltiplas formas e configurações - música electroacústica, improvisada, electrónica, multimédia, erudita contemporânea, computer music, novo jazz e outras derivações estéticas radicais e alternativas face à cultura "mainstream" dominante.
Rui Eduardo Paes tem sido uma voz crítica única no panorma jornalístico nacional e, neste trabalho em particular, recorre a uma argumentação extremamente bem urdida, lúcida e com uma visão histórica dos factos simultaneamente original e pertinente. Analisa eloquentemente os fenómenos artísticos, disseca-os com auxílio de teorias não só musicais como filosóficas e literárias, citando para tal autores tão prementes para a cultura contemporânea como Virilio, Camus, Borges, Sartre, Lyotard, Deleuze, Debord, Heidegger ou Cioran. Além disso, explora a congeminação de relações entre distintas áreas do pensamento ensaístico, tentando estabelecer elos de ligação entre correntes específicas do pensamento artístico (surrealismo, dadaísmo, pós-modernidade, teoria do Caos, minimalismo, nihilismo...) com outras tantas correntes musicais e artísticas (free jazz, música concreta, electrónica, improvisação, instalações multimédia, cinema experimental, pintura conceptual...).
Rui Eduardo Paes contribui assim, com esta obra e com o conjunto dos seus livros (ver no seu site), para a clarificação histórica e evolutiva dos processos criativos mais avançados da cultura contemporânea, dando um especial destaque (com entrevistas) ao panorama nacional e seus principais intérpretes: Rafael Toral, Major Eléctrico, Miso Ensemble, Telectu, Carlos Zíngaro, Emídio Buchinho, Vitriol, René Bertholo, etc.
Não se veja em "Phonomaton" um estudo académico de musicologia; Rui é avesso a redundantes academismos formais. Não é, igualmente, um livro sobre objectos culturais fáceis e imediatos. O livro representa antes uma plataforma de análise e de reflexão múltipla sobre as músicas emergentes do século XXI (e suas correspondentes ramificações noutras artes), num âmbito quiçá distante do senso comum e da superficialidade crítica. De qualquer modo, este sensível manifesto de Rui Eduardo Paes, essencial para quem gosta de música, revela-se também intelectualmente estimulante para qualquer leitor avesso à massificadora sociedade do espectáculo - e todas as suas referências culturais adjacentes -, a mesma sociedade à qual o fulminante pensador Gilles Lipovetsky classificou de "era do vazio".

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá Victor,
Por acaso nunca falamos do trabalho do REP. Tenho os livros todos e constituem para mim uma espécie de guia muito bem conseguido da melhor música, ou das melhores outras músicas do sec. xx, xxi. O REP conhece muita múisca e é criterioso. Com efeito não acho que ele seja um bom pensador e as relações que estabelece entre a música e a maior parte dos pensadores pos modernos é muito vaga e inconsistente. Claro que, pelo menos para mim, o trabalho dele é a milhas melhor que o do Jorge Lima Barreto. O trabalho de escriva musical deste último é insuportável. Existe um aspecto que é muito comum na crítica musical em Portugal, aliás, como da crítica em geral: é pouco clara e directa. Como escritor o REP até escapa muito bem a este aspecto menos bom, mas as relações triangulares entre estética, música e poder são demasiado forçadas, ao ponto de ser vagas. Mas é natural que tal aconteça já que grande parte dos autores citados são relativistas e pos modernos.