quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Mensagem de Natal com óculos especiais


Vi no cinema "Bolt", o filme de animação da Disney. Sem ter a espessura visual e o arrojo narrativo do magnífico "Wall.E", "Bolt" não deixa por isso de ser um digníssimo filme de animação que diverte miúdos e graúdos. Espanta o grau de sofisticação e perfeição actual da animação digital, mais a mais, tendo em conta que o filme da Disney é projectado num sumptuoso sistema a três dimensões.
Para usufruir das maravilhas do 3D, foi preciso pagar mais 1,5€ pelos óculos especiais. Uns óculos de massa pretos e com lentes leigeiramente escurecidas. Estes óculos especiais fizeram-me lembrar um filme de culto muito interessante de John Carpenter - "They Live" ("Eles Vivem", 1988). O filme de John Carpenter conta a história de um pacato cidadão desempregado que anda à procura de emprego. Um dia, encontra uns óculos escuros que o fazem ver o mundo como ele realmente é e não como as aparências mostram. Um mundo subjugado por uma raça alienígena, que está entre nós, disfarçada de humanos normais. Um mundo que lembra a "Alegoria da Caverna" de Platão (o próprio filme "Bolt" versa sobre o tema, uma vez que o cão julga viver numa realidade que não é "real"). Um mundo povoado por sombras projectadas pela realidade escondida. Um mundo adormecido e submisso por poderes superiores e bem escondidos - é clara a crítica política e social de Carpenter - que impede que se coloquem em causa os problemas da sociedade e as políticas governativas. Com os óculos especiais, muito parecidos com esses do 3D do cinema, o personagem via um mundo de alienígenas de aspecto cavernoso e ameaçador, assim como mensagens subliminares transmitidas pelos diversos media:

Obedeçam!
Comprem!
Vejam TV!
Submetam-se!
Mantenham-se calmos!

John Carpenter, com a metáfora filosófica de "They Live", mostrou como os poderes instituídos (no filme os aliens funcionam como meras parábolas) podem engendrar sistemas de controlo do indivíduo, numa extensão da visão da manipulação social pensada por George Orwell em "1984". Às vezes penso que a ficção se adianta à realidade. Vivemos numa sociedade hiper-consumista como o filósofo Gilles Lipovetsky não se tem fartado de criticar. Esta sociedade na qual julgamos obter a felicidade através de bens de consumo material, através da obediência cega às autoridades que supostamente "sabem" mais do que o comum dos mortais anónimos.
Uma sociedade que precisava de uns óculos especiais para descobrir o verdadeiro mundo oculto, podre e corrupto, que se esconde por detrás de grandes nomes, grandes instituições, grandes políticos e grandes empresas supostamente impolutas. Se pudéssemos usufruir desses decisivos óculos especiais para descortinar a verdadeira realidade que se encobre por detrás das campanhas de solidariedade beneméritas, dos interesses financeiros à escala global, dos jogos políticos de bastidores, das manipulações informativas perpretadas pela comunicação social, das manobras de propaganda económica e política, conseguiríamos ver, não sem perplexidade envergonhada, a perversidade, a vileza, a infâmia, a sordidez, a ganância, a ânsia de poder, e a escória que brota dos seres humanos que se julgam acima de outros seres humanos, limitando o exercício de liberdade individual. Mesmo - e sobretudo - nesta época natalícia. Mas ainda que não tenhamos os óculos especiais para conhecer a verdadeira realidade, teremos sempre uma ferramenta para combater o conformismo e a submissão: espírito crítico.
E é esta a minha "mensagem" de Natal para todos.

5 comentários:

Filipe Machado disse...

Um dos meus filmes de culto preferidos!! Um óptimo Natal e um feliz Ano Novo!

additionalcamera.blogspot.com

Anónimo disse...

eu vi o trailer hj e fiquei interesada. agora vou ver mesmo. um ótimo natal. beijos, pedrita

The movie_man disse...

Interessante comparação e excelente análise. Fiquei com vontade rever o filme. Um dos favoritos de Carpenter, sem dúvida.

Abraços.

Gaspar Garção disse...

Acabei de o comprar há umas horitas em Badajoz para oferecer ao meu pai (Están Vivos!), que me levou ao saudoso Crisfal, em Portalegre quando eu tinha 13 anos para o ver, e desde então é um filme de culto e uma referência para mim quando vejo politícos a discursar na t.v. (não tenho os óculos, mas graças ao Carpenter sei que eles são todos abomináveis...).

Gaspar Garção disse...

Afinal, e embora a capa e o disco estarem correctos no suposto filme, o que lá está de facto é o Princípe das Trevas, que já tenho...
A ver se alguma alma caridosa mo grave, se não mo trocarem na pérfida Espanha...