"Conclui-se que tudo o que é mau se pratica com mais ou menos imaginação e paixão, enquanto o bem se caracteriza por uma inconfundível pobreza de afecto e mesquinhez. Se abstrairmos daquela grande fatia central do mundo e da vida ocupada por pessoas em cujo pensamento as palavras bem e mal deixaram de ter lugar desde que largaram as saias da mãe, então as margens, onde ainda há propósitos morais deliberados, ficam hoje reservadas àquelas pessoas boas-más ou más-boas, das quais algumas nunca viram o bem voar nem o ouviram cantar e por isso exigem de todas as outras que se extasiem com elas diante de uma natureza da moral com pássaros empalhados pousados em árvores mortas; o segundo grupo, por seu lado, os mortais maus-bons, espicaçados pelos seus rivais, manifestam, pelo menos em pensamento, uma tendência para o mal, como se estivessem convencidos de que é apenas nas más acções, menos desgastadas do que as boas, que ainda pulsa alguma vida moral.
De facto, tanto antes como hoje, não existem os maus-maus, facilmente responsabilizáveis por tudo; e os bons-bons são um ideal tão distante como a mais remota nebulosa"
Robert Musil, in "O Homem Sem Qualidades"
5 comentários:
Ontem como hoje, o génio absoluto. E, finalmente, com uma edição portuguesa à altura.
... e que já vai na segunda edição!
A Yourcenar dizia que o mal dos homens era não serem santos (no livro de entrevistas De olhos Abertos, uma das coisas mais inteligentes que já li, mesmo quando não se concorda)
Moral ou inocência, acho que, sem querer ser pessimista absoluto, os "maus-maus" existem. Desconfio que não seja em número reduzido.
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