sábado, 24 de novembro de 2007

Documentários políticos: visões e revisões


Num mundo globalizado e massificado pelas tecnologias da informação e comunicação, a realidade social e política toma contornos surpreendentes e cada vez mais imprevisíveis. Essa realidade já não é balizada com base em coordenadas estanques e uniformes: fenómenos globais como o terrorismo, a emigração ilegal, a pobreza, o racismo, os ideais fundamentalistas e radicais, a economia a reboque dos interesses do petróleo, os lobbies, a instabilidade social ou os conflitos étnicos e regionais, provam que o mundo é cada vez mais um mundo descoordenado, instável, inseguro e altamente complexo. Os grandes ideais políticos mobilizadores preconizados por Churchill ou John Kennedy parecem já ineficazes face à complexidade da realidade contemporânea.
Por seu turno, os EUA mantêm - fazendo uso do estatuto de única superpotência mundial - a sua supremacia militar, económica e política face ao resto do mundo. Mas por detrás dessa imagem de potência global, escondem-se segredos políticos que embaraçam a actual Administração Bush. O documentário “O Mundo Segundo Bush” (William Karel, 2004) é um crítico e polémico olhar sobre a presidência americana, as suas controversas políticas internas e externas, nas quais se revelam pormenores pouco conhecidos da administração Bush. Uma assombrosa investigação jornalística que expõe os segredos e mecanismos do poder, através de entrevistas aos protagonistas, detalhes de factos desconhecidos da opinião pública e manipulações de informação sobre temas tão controversos como a invasão do Iraque e as relações entre Bush e os magnatas do petróleo da Arábia Saudita (Bin Laden incluído). Longe da demagogia militante de Michael Moore.
Por outro lado, Robert McNamara, antigo Secretário de Defesa dos EUA dá-nos também uma visão surpreendente dos bastidores políticos do período mais delicado da política externa americana no brilhante documentário "Testemunhos de Guerra ("The Fog of War", 2003). Noutro ponto da barricada, Fidel Castro, resiste até ao fim no seu casulo comunista e anti-imperialista (o documentário "Fidel" de Oliver Stone). Os três documentários políticos (de produção recente)configuram, assim, uma espécie de trilogia surpreendente sobre o universo político mundial menos visível à opinião pública mundial. Para que todos possamos perceber melhor o mundo em que vivemos. Destes três filmes mencionados, o mais pertinente (e o melhor em termos estritamente cinematográficos) é o do premiado realizador Errol Morris. Ganhou o Óscar do melhor documentário de 2003. Trata-se de uma pertinente análise sobre o mandato dos presidentes Kennedy e Johnson, através de uma entrevista contundente do seu Secretário de defesa, o famoso e influente Robert McNamara. “Testemunhos de Guerra” aborda alguns dos factos mais importantes e delicados da história norte-americana dos últimos 40 anos, como o bombardeamento do Japão, a crise dos mísseis de Cuba e a controversa guerra do Vietname, factos que desencadearam consequências sociais, históricas e políticas ainda hoje vividas. Depois, a música original de Philip Glass outorga um cariz mais solene e austero às mensagens veiculadas pelo filme. Perante estes exemplos de intervenção cívica (porque é disso também que é feito um documentário), urge perguntar: quando é que em Portugal haverá algum realizador suficientemente corajoso para engendrar um documentário político que coloque, sem rodeios, o dedo nas feridas desta, aparentemente tácita, democracia representativa?

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