É um dos músicos mais respeitados dos últimos 30 anos. Figura ímpar da cena musical nova-iorquina de vanguarda, Glenn Branca cilindrou a linguagem rock convencional com as suas sinfonias de guitarras noise nos anos 70, tendo influenciado nomes como Sonic Youth. Entrevista ao músico, directamente de Nova Iorque.
A sua relação com a música começou na segunda metade dos anos 70, com a explosão do movimento No Wave em Nova Iorque e com músicos como Lydia Lunch, Arto Lindsay, Teenage Jesus and the Jerks e Suicide. Olhando para o passado, considera que esse foi um momento importante para a sua evolução musical?
Sim, foi uma surpresa para mim todo esse movimento. Eu vim para Nova Iorque nos anos 70 para fazer teatro e fazia muita música para teatro, mas não tinha perspectivas de fazer carreira como músico. Todavia, sempre quis formar uma banda rock desde que aprendi a tocar guitarra, com os meus 15 anos. Quando cheguei a Nova Iorque estava o movimento punk no auge e foi algo muito excitante para mim. Entretanto, conheci um músico no teatro que também tinha desejo de formar uma banda rock e demos início a uma banda. Foi um processo muito rápido: formámos a banda em poucas semanas, arranjámos concertos e audiência num ápice. Ambos tínhamos interesse em todo o tipo de música experimental, fosse na forma de jazz, de rock ou de música clássica contemporânea.
Na verdade, a sua música nunca se cingiu apenas ao rock. Costuma dizer que o jazz ou compositores contemporâneos minimalistas como La Monte Young ou Philip Glass, foram importantes para si. Como lida com estas referências tão díspares?
Bom, para mim isso nunca constituiu problema. Eu estudei música e nunca senti qualquer estranheza em gostar de diferentes referências musicais. Podia ouvir num minuto os Beatles e os Kings e, no minuto a seguir, Mahler e Penderecki, e depois, Miles Davis ou Brian Eno. Nunca me importei com essas diferenças convencionais entre géneros musicais, o que importava mesmo eram as ideias, a criatividade dos músicos e as experiências estéticas que retirava de cada artista, de cada disco.
Fale um pouco sobre o seu método de composição. Por exemplo, como é que faz para juntar o minimalismo e a “teoria da afinação” de La Monte Young com a energia do rock de guitarras?
Humm... É uma boa pergunta! Eu sempre gostei de música rock intensa e enérgica, e o tipo de compositores contemporâneos que ouvia era gente como Ligeti e Stockhausen. Eram estes os compositores que eu achava serem aqueles que faziam música mais intensa. Fazia sentido eu gostar de música intensa e brutal e deixar-me influenciar por esses compositores que eu gostava de ouvir em casa com o volume bem alto. O tipo de teatro que fazia também comungava dessa intensidade, desse espírito de confrontação estética.
Gosta da palavra experimental para classificar a sua música?
Sim, essa é a palavra que sempre gostei e que sempre usei para caracterizar o meu trabalho desde os anos 70. O movimento No Wave foi um movimento que eu considero ter sido experimental, ainda que mais tarde tenha sido chamado de Art-Rock, uma designação que eu julgo ser terrível e desajustada, até porque era confundida com o rock progressivo inglês que na altura estava também a ter muita aceitação.
Dissonância, consonância e caos são também três conceitos que lhe dizem muito respeito nas suas criações. É um trabalho difícil conjugar estes três tipos de abordagem ao som?
Esse tem sido o grande desafio e a parte interessante da minha actividade musical. Quando me apercebi que podia misturar esses conceitos – algo que eu procurava concretizar de forma consciente e deliberada – conclui que o resultado podia ser muito estimulante e criativo. É um trabalho que compositores clássicos já tentaram fazer há muito tempo, como Mahler, ainda que a dissonância explorada por este compositor não fosse muito proeminente, comparando com a minha abordagem que é bem mais extrema.
Ao longo da sua carreira editou diversas sinfonias pelas quais é mais conhecido. A sua intenção ao usar o termo “sinfonia” vai no sentido de dar outro significado à palavra e de se afastar, deliberadamente, da conotação rock?
Não, eu escrevi sinfonias simplesmente porque queria escrever sinfonias, e foi o que fiz. Não tive qualquer outra intenção, como se depreende das suas palavras.
Contudo, as suas obras foram já interpretadas por sinfonias clássicas como a The London Sinfonietta. Como lida com esta confrontação entre a música dita convencional e os conceitos avantgarde?
Isso nunca foi um problema para mim. Os chamados músicos convencionais estão, na verdade, muito familiarizados com técnicas avantgarde. Aquilo que faço é muito menos avantgarde do que Xenakis, John Cage ou Morton Feldman. Essa transição e conexão entre esses dois universos foi sempre, para mim, natural.
A sua música influenciou muitas bandas importantes do rock dos anos 80, como Sonic Youth ou My Bloody Valentine. Disse numa entrevista recente que já não ouve música rock. Significa que o panorama rock actual já não é suficientemente excitante para si?
Detesto dizer que é verdade. Por vezes ouço uma ou outra banda de que gosto, mas na generalidade não me interessam muita essas bandas que fazem parte de movimentos de moda, acho-as extremamente aborrecidas. Por isso prefiro ouvir coisas como Sonic Youth ou Swans.
Continua a viver e a trabalhar em Nova Iorque. Mesmo depois do 11 de Setembro, esta cidade continua a exercer grande influência e inspiração em si no que diz respeito à parte criativa?
Bom, eu não costumo ser influenciado por acontecimentos. É um erro pensar que a minha música é inspirada pela cidade e seus diversos acontecimentos. A música tem mais a ver com ela própria, não precisa de mais referências para se justificar. A música que escrevo deriva de um processo muito técnico e laborioso, e não tem tanto a ver com conceitos como o mal, a destruição ou o caos. A música que faço tem mais relação com noções de intensidade, consciência e exploração de novas ideias.
Sabia que o seu apelido em português significa “branco”? Por causa disso, um amigo meu costumava chamá-lo de “Glenn White-Noise”, num trocadilho entre o seu nome Branca e um certo noise que pratica.
(risos) Ah! Gosto dessa descrição! Branca é um apelido italiano, e já sabia que significava branco (white), mas esse trocadilho é realmente divertido e, mais importante, apropriado.
Entrevista conduzida por Victor Afonso para a revista Mondo Bizarre.
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