Acabei de rever em DVD o filme “Ed Wood” (1994) de Tim Burton, sobre o alegado “pior realizador do mundo”, Edward Wood Jr. É, seguramente, o filme mais pessoal de Tim Burton e do actor Johnny Depp. Só Burton, fruto do seu imaginário polvilhado de cinema série B, de ficção científica e de figuras de culto, se podia ter lembrado de fazer um “bio-pic” de Ed Wood. Um realizador que manteve sempre uma profunda paixão pelo cinema, mas cujo talento e engenho artístico estavam longe dos parâmetros minimamente exigíveis. As enormes dificuldades financeiras e obstáculos de produção que Ed Wood enfrentou para fazer os seus filmes de ficção científica à mistura com travestis e personagens bizarras, não foram suficientes para o demover de seguir em frente ao ponto de se comparar com... Orson Welles! Ed Wood tinha uma profunda admiração por Orson Welles e durante o filme o autor de “Citizen Kane” aparece várias vezes citado. A este respeito, há um dialogo delicioso no filme de Tim Burton em que Ed Wood conhece uma mulher que lhe pergunta:
- O senhor o que faz?
- Trabalho no cinema: sou realizador, actor, argumentista e produtor.
- Trabalho no cinema: sou realizador, actor, argumentista e produtor.
- Ora, ninguém faz isso tudo!
- Oh sim, só duas pessoas: Orson Welles e eu!
Filmado numa esplendorosa fotografia a preto e branco (uma homenagem à estética visual dos filmes dos anos 50) e com uma realização irrepreensível de Burton, Ed Wood é interpretado por um inexcedível Johnny Depp, que recria na perfeição a personalidade conturbada, excêntrica e megalomaníaca de Ed Wood. Depois, há uma fabuloso Martin Landau que encarna o mítico Bela Lugosi, actor húngaro que teve uma carreira de sucesso em Hollywood interpretando Dracula (Martin ganhou o Oscar de Melhor Actor por esta interpretação) e muitos filmes de terror de segunda categoria. Ed Wood e Bela Lugosi formaram uma dupla inseparável até à morte deste último. Tim Burton presta uma sentida homenagem a este realizador que se julgava à altura de Orson Welles, mas que era um amador com uma visão muito própria da criação cinematográfica. Última referência para a musica original de “Ed Wood”. Dado que à altura da feitura do filme, Tim Burton e o seu colaborador musical habitual Danny Elfman estavam zangados, Burton contratou o compositor Howard Shore (colaborador de David Cronenberg) e o resultado é sublime, numa espécie de revisitação da musica que Henry Mancini fez para o filme “A Sede do Mal” de Orson Welles – jazz, pop e clássica e o instrumento Theremin numa ebulição sonora que pontua brilhantemente as imagens, logo a partir do genérico do filme. De resto, o genérico de “Ed Wood” é quase meio filme, manifesto exercício de estilo à Welles. Repare-se no movimento de câmara (plano sequência contínuo) que filma as lápides onde estão inscritos os nomes dos actores, até chegar aos céus de Hollywood e parar na rua onde se encontra Ed Wood, clara piscadela de olho ao famoso longo plano sequência que abre “A Sede do Mal” de Welles. Aliás, só os custos do genérico do filme de Burton foram mais elevados do que todos os filmes juntos realizados por Ed Wood! Seja como for, de tão mau realizador, Ed Wood passou para figura de culto, sobretudo com os seus dois filmes mais, digamos, “importantes”: “Glen or Glenda” (1953) e “Plan 9 From Outer Space” (1959).
2 comentários:
É um filme de que gosto muito e tem, para mim, a melhor interpretação de Johnny Depp. Fiquei, graças ao Victor, com vontade de procurar a BSO.
Sabe muito sobre cinema. Obrigado por compartilhar.
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