Há qualquer coisa de patético e absurdo na controvérsia entre as associações de cegos norte-americanos e a estreia do filme "Blindness" baseado no livro "Ensaio Sobre a Cegueira" de José Saramago. As referidas associações mencionam que o filme retrata os cegos como "monstros", por causa da violência e caos que se desencadeia após o surgimento do misterioso fenómeno de cegueira massificada. Na sua dura ironia habitual, Saramago veio dizer que "a estupidez não escolhe entre cegos e não cegos". Mais: é pena que os cegos americanos não possam ver o filme para tirar ilações mais coerentes. E é bem verdade.
De facto, o filme não é sobre o tema da cegueira, mas sim sobre a condição humana e as consequências resultantes de um acontecimento catastrófico. Não está em causa a cegueira "tout court", não é um ataque aos cegos deste mundo. Saramago recorre ao expediente de "não ver" para fazer um estudo da mente humana. No fundo, "Ensaio Sobre a Cegueira" é uma metáfora pessimista (como é apanágio no escritor) sobre a violência do mundo actual, no qual o homem é o principal instigador. O acontecimento de que fala (escreve) Saramago podia ser a surdez ou a paraplegia em vez da cegueira. O essencial da visão do Prémio Nobel é o de chamar a atenção para as consequências nefastas para o homem quando este é confrontado com fenómenos desconhecidos e violentos: quando isso acontece, vêm ao de cima as pulsões mais destruidoras e violentas do homem em prol da sobrevivência a todo o custo.
O curioso é que as mesmas associações de cegos que agora contestam o filme, nada disseram quando o livro foi lançado no mercado dos EUA. E já agora, os ecos da estreia do filme do realizador Fernando Meirelles com Julianne Moore, são algo desanimadores. Mesmo na metrópole de Nova Iorque, uma sala com 194 lugares onde o filme estreou, não conseguiu encher. E as reacções do público americano são desconcertantes: filme "pesado","lento", "penoso" e "causador de ataques de pânico". Pessoalmente interpreto estes sinais como excelentes indicadores que me motivam ainda mais para ver o filme quando estrear em Portugal.
2 comentários:
É pena os cegos americanos não conhecerem o provérbio "cego é aquele que não quer ver".
Nunca fui fã do Saramago. Mas não é isso que me impede de subscrever inteiramente este teu post. Na verdade, ao tomarem essa posição, as associações de cegos revelam uma chocante insensibilidade artística a até mesmo social. Que tem muito a ver com a praga do politicamente correcto.
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