sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Os pobres, segundo Buñuel

Hoje é o Dia Mundial da Pobreza. Há 900 milhões de pobres em todo o mundo que vivem com privações inimagináveis todos os dias. E sempre que se fala em pobreza, lembro-me das suas formas de representação no cinema, cujo principal retratista terá sido Luís Buñuel (uma vez mais falo dele). O realizador espanhol explica na sua autobiografia que em vez de sentir comiseração e pena pelos indigentes e excluídos da sociedade (como é o sentimento geral de qualquer cidadão), Buñuel manifestava profundo sentimento de respeito e de dignidade para com os mais necessitados. Em muitos dos seus filmes, vemos personagens que eram autênticos marginais sociais, pedintes, vagabundos, meliantes, cegos (muitos cegos). Em contrapartida, Buñuel apontava o dedo crítico à classe burguesa e ao clero,  que eram consideradas as mais degradantes e iníquas da sociedade.Há especialmente dois filmes chave em que os pobres e marginais são elementos fundamentais no cinema buñueliano: o documentário “Las Hurdes, Tierra Sin Pan” (1933), que Buñuel realizou logo a seguir aos escandalosos e surrealistas “Un Chien Andalou” (1928) e “L’Age D’Or” (1930). As Hurdes situam-se numa região montanhosa e inóspita na fronteira de Espanha com Portugal, uma região de tal forma atrasada no tempo que os habitantes ainda viviam de modo quase medieval. Pela forma poética e até surrealista como Buñuel retratou este povo esquecido, o filme “Las Hurdes, Tierra Sin Pan” foi proibido durante décadas, porque segundo as autoridades, denegria a imagem de Espanha. 

Mais tarde, no México, Luís Buñuel realizou o filme “Los Olvidados” (1950), verdadeira obra-prima do cinema. Neste filme, Buñuel contratou jovens indigentes e delinquentes dos subúrbios da cidade do México, fazendo uma verdadeira análise social de uma franja da sociedade altamente carenciada em todos os aspectos. Um outro filme que explora a dimensão humana dos mendigos e vagabundos do mundo: “Viridiana” (vencedor da Palma de Ouro em Cannes 1961), espantoso drama no qual estes excluídos da sociedade desempenham um papel predominante numa espécie de análise seca e fria da natureza humana, com a religião como centro de todas as divagações morais. É neste filme de Buñuel que surge a célebre e polémica representação da última ceia de Cristo com os pobres à mesa que era “propriedade” da alta burguesia. O olhar cirúrgico e crítico de Buñuel sobre a sociedade em que vivia faz falta aos governantes de hoje. Por isso o cinema deste cineasta espanhol foi sempre tão incómodo para as autoridades, pelo seu carácter social altamente denunciador, pela sua visão libertária do mundo, pela sua crítica face às desigualdades sociais e aos valores pasteurizados da burguesia e das suas frivolidades. E Buñuel não abordava apenas a pobreza material como matéria de análise; criticava também a pobreza de espírito das instituições e da classe dominante. Pobrezas há muitas, de facto...

Na imagem, "Las Hurdes".

  

1 comentário:

Ana Cristina Leonardo disse...

Viridiana é o filme mais cru (cruel?) que alguma vez se realizou sobre as relações sociais. A cena do pobre leproso que tem de usar sino para avisar os outros, assim como o final com a amiga dos pobrezinhos a entrar no jogo são de antologia!