José Duarte (também conhecido como “Jazzé” Duarte) é uma figura veterana da divulgação do jazz em Portugal (pelo menos desde 1958). Um resistente que, ao longo de mais de 40 anos de actividade como autor de rádio, de televisão, programador e conferencista, tem divulgado por todo o país a grande musica que é o jazz. Conheceu figuras gigantes do jazz, como Louis Armstrong, John Coltrane ou Charlie Haden. Até diz que é amigo pessoal de várias figuras da actualidade, como Diana Krall. Doou o seu rico espólio (livros, discos, manuscritos, fotografias) à Universidade de Aveiro, instituição que criou o inovador Centro de Estudos de Jazz (onde José Duarte é também professor). Manteve durante mais de 40 anos os míticos programas “Cinco Minutos de Jazz” (em três rádios diferentes) e o “A Menina Dança?”. Dos cinco minutos de divulgação passou para uma hora de rádio (uma grande conquista!) com o programa “Jazz Com Brancas” na Antena 2, em horário nobre, às 20h, diariamente (no ar há dois anos).
Apesar da importância do trabalho de divulgador excepcional do jazz, José Duarte não é bem visto nalguns sectores da música e do jornalismo, dado que é acusado de ser conservador e de ostentar um gosto estético pouco aberto a linguagens de ruptura (o próprio assume que o o jazz de que mais gosta é o tradicional e refuta fusões musicais muito ousadas). Há uns meses deu uma entrevista à revista “Notícias Magazine”, na qual explana uma série de sentimentos contraditórios. Acha um exagero o número de festivais de jazz em Portugal (50) e acusa (como acusava há 20 ou 30 anos) o país de ser ignorante, inculto e só ele gostar verdadeiramente de jazz neste país. Diz que há apenas três festivais importantes: Seixal, Guimarães e Estoril. Questionado sobre o papel do “Jazz em Agosto” da Gulbenkian, manifestamente, o festival de jazz mais inovador e vanguardista em Portugal, José Duarte começa por dizer que é um “festival de risco”, e que de todo o cartaz do último ano, suportou, amarrado ao lugar, apenas dois concertos. Porquê? “Porque são músicos desconhecidos, mas não é por isso, porque são músicos arrojados, mas não é por isso, porque são apostas falíveis, é por isso. Um homem com a minha idade e com a minha experiência sabe que um saxofonista aos berros não tem futuro. As pessoas não ouvem música que as incomoda”. Estas afirmações seriam suficientes para José Duarte ser apelidado de reaccionário.
E insiste, na sequência da sua afirmação sobre o “Jazz em Agosto”: "Outra coisa que acontece com os festivais é que eles carregam o nome de fulano ou de sicrano, o do organizador, pessoas cujo gosto não está muito vezes definido. Pessoas que apanharam o comboio em andamento e que desconhecem mais de metade da história do jazz, e isso reflecte-se nas escolhas”. Esta é uma clara alusão perniciosa ao nome do programador do festival da Gulbenkian, Rui Neves. O “Jazz em Agosto” tem a sua especificidade, tem o seu público e tem um notável programador no leme, e fica mal a José Neves denegrir a sua imagem desta forma, ainda que de forma indirecta.
Por último, José Duarte diz que uma parte importante do seu papel de divulgador tem sido a de conferencista. É verdade. Já assisti, há anos, a uma conferência dada por “Jazzé” e cumpre a sua função de divulgador. Acontece que, na referida entrevista à revista, diz uma inverdade: “A actividade de conferencista é muito antiga – lembro-me de ir com os meus LP, de carro, pelas estradas do pais, de norte a sul, nos anos sessenta, sem cobrar nada, pelo amor à pátria. E ainda hoje faço isso”. É verdade que continua a fazer isso, mas é mentira que o faça sem cobrar nada. Pelo contrario: até se faz pagar muitíssimo bem pelas conferências que dá (sei do que falo), porque esta é também uma das suas fontes de rendimento. José Duarte tem muito mérito pelo seu papel estóico de divulgador do jazz em Portugal, mas por vezes, as suas afirmações públicas não estão isentas de contradições, provocações e maledicência.
3 comentários:
RFM-Jazz, basicamente. Há gente que gosta de ser "incomodada", mas esse tipo não o deve saber.
Victor,
Sem querer acabas a tocar num aspecto que deve ser desmacarado entre nós (e não só). As pessoas não tem qualquer dificuldade em aceitar que um futebolista tenha de ser bem pago pelo seu trabalho, mas quando toca a outras actividades como música, filosofia, artes, teatro, cinema, jornalismo, acusam uma tendência de pensar que esse trabalho não tem de ser pago e tem de ser gratuito. Daí decorre o pudor do Zé Duarte em assumir que ganha dinheiro com a sua actividade. Qual é o mal? Nenhum. É até muito bom que o jazz possa ser uma actividade lucrativa. Sem dinheiro não há jazz nem coisa nenhuma. Há aqui coisas interessantes escondidas para pensarmos: as pessoas por exemplo acham que os jornais devem ser distribuidos gratuitamente na internet. Pois, mas assim ninguém os compra e para sobreviverem vão ter de 1) vender muito mais publicidade 2) despedir as pessoas mais talentosas já que ficam caras para o jornal e contratar gente menos qualificada, mas mais barata. Depois, as mesmas pessoas que defenderam que o jornal deve ser grátis, são as primeiras a reclamar que o jornal está cheio de erros e que é só publicidade a produtos da caca. Pois é! Mas essas pessoas não quiseram pagar o jornal, mas não se importaram de dar 30 ou 40€ pelo último FCP-Benfica.
O José Duarte não devia ter pudor em assumir que ganha dinheiro divulgando o jazz. Imagina Victor que tinhas ganho dinheiro com os dois discos de Kubik. Provavelmente hoje em dia podias dedicar-te a tempo inteiro à criação musical. O que perdiamos com isso? Nada. Só ganhávamos. Provavelmente já tinhas criado muitas mais coisas e contavamos com mais um músico de vanguarda. Nós não podemos exigir de uma cultura mais sofistificação quando nos recusamos a pagá-la e achamos que ela tem de ser gratuita e ser distribuída gratuitamente. A cultura tem de ser paga e bem paga, como o futebol. Quando o futebol começou a ser bem pago em Portugal, tornou-se numa indústria, muitas das vezes com lucros visíveis para muita gente (canais de TV, jornais, etc..) i.e. o futebol começou a vender muito mais e a ser uma boa aposta comercial. Não vejo razão alguma para o mesmo não se passar com o jazz ou o rock, ou a filosofia ou a literatura. Para existir cultura sofisticada tem de existir um sistema económico que a financie. Sempre foi assim e até agora não se inventou nenhum sistema alternativo melhor que o do dinheiro.Um exemplo: eu gosto muito de filosofia. Pagam-me para a ensinar e eu posso dar-me ao luxo de viver do que gosto. Para mim é muito melhor do que ter de ser taxista e dedicar-me nas horas vagas à filosofia. Assim, posso dedicar-me a ela quase a tempo inteiro. Isso é mau? Em quê?
Finalmente: concordo contigo. O trabalho do Zé Duarte é muito relevante, deixou muita gente a gostar e ouvir jazz. Ele não gosta do jazz em agosto? Paciência. Gosta o Lima Barreto, só que esse, com as manias da linguagem de pseudo intelectual, deixou muita gente de fora para compreender as novas tendências do jazz. O que é preciso é aparecer um gajo como o Zé Duarte, a divulgar ao público em geral coisas como o jazz em agosto. Isso da alta cultura é tudo uma falsidade. Toda a cultura merece ser divulgada e paga.
Rolando: é claro que eu concordo que as pessoas ligadas à cultura e às artes se façam pagar, como qualquer outra actividade. Sabes que profissionalmente lido com isto há muitos anos. São raros os formadores, conferencistas, músicos, escritores, realizadores, que não cobram pelas suas actividades. Ora, a única coisa que achei incoerente da parte do José Duarte, é o facto de dizer publicamente num jornal que continua a fazer conferências, por esse país fora, sem cobrar nada! E isso não é verdade. Porque é que não assume que cobra cachet? Envergonha-o? Ou é mais digno e dá outro estatuto dizer que se presta um serviço de borla? Falta coerência no discurso.
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