quinta-feira, 16 de abril de 2009

O dia de raiva de um cidadão comum


O que leva um cidadão comum, com uma vida comum e um emprego comum a rebelar-se contra tudo à sua volta, numa espiral de violência imparável, no espaço real de poucas horas? A podridão, a corrupção, o consumismo, a publicidade enganosa, o ódio, a estupidez dos outros, o calor excessivo, o desemprego, o tédio, a comida de plástico, a violência veiculada pela TV, os pequenos nadas que, acumulados, fazem enlouquecer esse homem comum? É o que acontece a William “D-FensFoster no filme "Um Dia de Raiva" (Falling Down, 1993) do realizador Joel Schumacher. O dia do cidadão William Foster (fabuloso Michael Douglas) começa como qualquer outro: de manhã, parado no engarrafamento de trânsito, Mas há um pequeno detalhe que vai desencadear uma trepidante viagem ao abismo dele próprio e da sociedade que o gerou. É a queda de um indivíduo comum que passa, repentinamente, de insípido cidadão a protagonista de um dia na cidade. Um dia. De raiva. De violência em resposta a injustiças sociais e desenganos quotidianos.

Este homem, enraivecido por um conjunto de acontecimentos que fugiram ao seu controlo, parte à procura de um sentido para a sua existência e para o sentido do funcionamento estrutural da própria cidade. Afinal, William “D-FensFoster (repare-se no trocadilho do meio: “Defense”) só queria chegar a tempo a casa para o aniversário da filha. Mas a grande cidade, oh a grande cidade que tudo engole e não quer saber do indivíduo para nada, colocou-lhe milhentos entraves ao longo do seu percurso (desde um simples engarrafamento de trânsito a jovens delinquentes). O primeiro dos quais, logo ao raiar do dia, numa fila de carros interminável. Uma fila de carros igual a todas as outras dos anteriores dias. Mas nesse dia em particular, a paciência deste homem rebentou...
Esse homem comum, igual a todos nós, com camisa e gravata, trabalhador cumpridor, canetas no bolso e pasta preta, começa nesse momento a perder o controlo perante a pressão eminente. Abandona o carro no meio da auto-estrada e liberta-se, vai explodindo aos poucos, partindo à descoberta do lado negro da cidade. E com esta atitude, conhece também o seu próprio lado negro. “Um Dia de Raiva” é um filme que é um autêntico manifesto sociológico sobre os tempos modernos e devia ser estudado em aulas de psicologia e sociologia.

Todas as manhãs, ao ligar a televisão e ver as hercúleas filas de trânsito de acesso a Lisboa e ao Porto, lembro-me deste filme. E imagino o desespero estampado no rosto de cada um desses condutores, à espera de prosseguir a marcha por mais uns metros, para depois parar de novo e esperar, esperar, esperar, até chegar ao emprego ou à escola, já exaustos. E espanto-me perante esta dúvida: não há, afinal, naqueles condutores do dia-a-dia de uma qualquer cidade, um perigoso “William “D-FensFoster em potência?

7 comentários:

Beep Beep disse...

"com uma vida comum e um emprego comum"

Não era bem assim no filme, como se descobre no fim.

Anónimo disse...

Victor adorei esse filme. Todos nos identificamos com a personagem interpretada por Michael Douglas.
Eu hoje quase tive um dia desses, sobretudo quando vi os comentários aos "meus Desabafos" que um anónimo me deixou...

kiss kiss

Álvaro Martins disse...

Bom filme, sem dúvida.

Gema disse...

Mas existem de certeza, vários William "D-Fens" Fosters por aí á solta... e nunca sabemos se as nossas vidas não poderão um dia mais tarde se cruzar... isso é o que me assusta!

O Cara da Locadora disse...

Acho que a idéia é culpar muito mais a cidade, o sistema, a insensibulidade e a falta de humanidade do que a atitude do D-Fens... Bom texto e bom filme, por mais que eu não goste tanto assim do Michael Douglas...

F disse...

Para combater o stress das filas de trânsito, não há nada como boa música. Ajuda bastante.

Gaspar Garção disse...

Engraçado, amigo Vítor, estive a vê-lo há uns dias também, e embora o Schumacher seja um ralizador irregular, têm aqui um momento alto. Assombrosa interpretação do Michael Douglas, e embora o filme seja exagerado, e não tenha simpatia por aí além pelo Yuppie neo-con que ele interpreta, por vezes uma dose do politicamente incorrecto faz bem, para limpar a hipocrisia dos nossos politícos...