segunda-feira, 27 de abril de 2009

Béla Tarr - O cinema ainda é uma arte


Bastam estes 2 minutos e 32 segundos para confirmar a imensa criatividade estética do realizador húngaro Béla Tarr, quanto a mim, um dos maiores cineastas vivos em actividade. No seu último filme, "O Homem de Londres", extraordinária reflexão existencial tendo como base uma história policial de Geroge Simenon, Béla Tarr encena uma inesquecível viagem à alma de uma homem perturbado por dúvidas morais.
O rigor asceta dos movimentos de câmara, a mise en scène depurada, a belíssima fotografia a preto e branco e os longos planos-sequência a que nos habituou Béla Tarr, faz-nos acreditar que o cinema ainda não perdeu a aura de linguagem artística. Para além de um magnífico realizador, Tarr sempre deu especial atenção à música nos seus filmes. E nesta sequência percebemos a excelência formal do seu trabalho. Sabemos que quando a música participa da narrativa da película e faz parte do universo dos personagens, é considerada "música diegética" (como quando um personagem, numa cena, toca piano, ou está a ouvir música).
A música "não-diegética", por seu lado, é aquela que é dirigida ao público, ou seja, não faz parte da cena, o personagem não a ouve nem reage à ela, porque é apenas dirigida ao espectador (a banda sonora por si mesma). Ora, o que Béla Tarr faz nesta sequência (que começa uns minutos antes do que aqui vemos) é surpreender totalmente o espectador. Para perceber o que digo é preciso ver a sequência na íntegra e ouvir em alto volume: os personagem estão ao balcão de um bar e ouve-se música (acordeão).
Julgamos que se trata de música da banda sonora do próprio filme, mas não é assim. Béla Tarr joga com os sentidos do espectador. A câmara move-se suavemente - sem cortes de montagem - até ao casal que está na outra parte do balcão, para depois centrar-se, num plano fixo, numa acordeonista que estava a tocar no bar! Esta parte final é incrivelmente surreal, com os velhos a dançar com a cadeira na cabeça ao som do acordeão melancólico da tocadora. Pura magia em imagens e sons numa espantosa manifestação de cinema.

2 comentários:

Álvaro Martins disse...

Béla Tarr é genial. E este filme é uma obra-prima do cinema. Toda a sua filmografia é digna de registo, mas este e o Sátántangó são de facto as suas pérolas.

Abraços

rui g disse...

Completamente de acordo com o magnífico texto, Victor!