No dia 15 de Agosto de 1979 estreava nos EUA "Apocalypse Now", a obra-prima (ou uma das obras-primas) de Francis Ford Coppola. Foi no Festival de Cinema de Cannes desse ano que Coppola proferiu, numa conferência de imprensa, uma das frases mais célebres alguma vez ditas acerca de um filme: "Este não é um filme sobre o Vietname, este filme é o próprio Vietname" (o cineasta referia-se às tremendas dificuldades de realização e de produção deste filme que lhe provocou a ruína financeira, cinco anos de desgaste infernal, tentativas de suicídio, tempestades tropicais que destruíram os cenários, doenças na equipa, ataques cardíacos de Martin Sheen e caprichos infindáveis de Marlon Brando).
Lembro-me como se fosse hoje, mas já foi há mais de 20 anos. Entrei na sala de cinema, num Cine-Teatro outrora majestoso e na altura decadente, e fiquei agarrado à cadeira logo nos primeiros 10 minutos de filme. Era um jovem saído da adolescência e não estava preparado para o impacto emocional que foi ver, em ecrã gigante e numa sala quase vazia, esse monumento chamado "Apocalypse Now".
Não vou discorrer banalidades sobre uma obra-prima já milhentas vezes comentada por críticos de cinema, historiadores e cinéfilos. Mas a história do cinema também é feita das estórias vivenciadas pelos espectadores. E ver o filme de Francis Ford Coppola foi uma dessas fortes experiências. É um filme denso e complexo sobre a guerra e suas motivações, mas é também um filme sobre a negritude da mente humano e da loucura que se apodera dela (ou não fosse o filme inspirado no livro "O Coração das Trevas" de Joseph Conrad).
A viagem do Capitão Willard (espantoso Martin Sheen) pelo coração da selva do Vietname à procura do Coronel Kurtz (espantoso Marlon Brando), é uma viagem de expiação e de sacrifício. E se me perguntarem qual a voz off mais marcante de toda a história do cinema, só poderei citar a de Martin Sheen, que nos agarra logo quando começa o filme a dizer: "Saigon... shit; I'm still only in Saigon... Every time I think I'm gonna wake up back in the jungle."
Há dezenas de cenas e sequências que poderiam ser abordadas (e não se resumem ao célebre ataque de helicópteros ao som de Wagner), mas o início do filme é especialmente prodigioso, uma conjugação perfeita entre som e imagem. Aliás, é quanto a mim, um dos mais intensos inícios de filme jamais concebidos (7 minutos): o arranque do filme sem créditos, plano fixo das selva, silêncio primeiro, ruído das pás dos helicópteros depois, fumo que surge paulatinamente, voz de Jim Morrison a cantar "This is the End" ao mesmo tempo que vemos explosões de napalm. De seguida, surge o capitão Willard (Sheen) "à espera em Saigão". O desespero patente no rosto de Willard manifesta total desorientação mental e emocional - gestos descoordenados, olhar alienado, bebida e cigarros a rodos, a música dos Doors cada vez mais intensa e poderosa, a deambulação pelo quarto...
De repente, Willard dá um murro no espelho, corta-se, contempla a sua mão ensanguentada, rebola pela cama em choro desesperado, enquanto a música atinge o clímax de intensidade. O incrível é que toda esta intensa sequência foi a última a ser filmada por Coppola (apesar de abrir o filme) e Martin Sheen encontrava-se, na realidade, alcoolizado e à beira do total esgotamento emocional. O que vemos nesta sequência não estava no guião, foi toda improvisada e factual - Sheen não estava a representar, estava realmente a viver aqueles momentos de total desnorte emocional (como que a ressacar de toda a angústia por que passara ao encarnar a personagem Willard). Os assistentes do realizador quiseram interromper as filmagens temendo pela saúde de Martin Sheen, mas Coppola não autorizou. E o resultado é deveras pungente, mais a mais, sabendo que Sheen teve um ataque cardíaco no meio das tempestuosas filmagens.
"Este filme não é sobre o inferno do Vietname, este filme é o próprio inferno do Vietname", dizia Coppola.
Ao rever o filme com a mesma ansiedade da primeira vez, percebe-se porquê. E nem é preciso visionar o filme todo, basta ver a sublime sequência de abertura de peregrinação às trevas da alma:
3 comentários:
Ainda sem comentários? A um post destes? Pois mas depois do que aqui foi escrito ficou praticamente tudo dito. :)
Não há comentários porque está toda a gente de férias! ;)
geniále
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