O filme de Roman Polanski, “O Deus da Carnificina”, baseado numa peça de teatro de Yazmina Reza, estreou ontem nas salas portuguesas.
É uma obra que remete para os fantasmas do recorrente imaginário 'polanskiano': a claustrofobia (literal e metafórica) dos espaços, o conflito latente entre personagens e a natureza maléfica das pulsões humanas. Dois casais, aparentemente civilizados e bem formados, encontram-se num apartamento de um deles para conversarem sobre um episódio de violência ocorrido com os filhos de ambos casais. Mas o que sucede ao longo do tempo real da discussão é uma disputa quase irracional que comprova que a comunicação entre adultos é um processo complexo, árduo e difícil. Aos poucos, a arrogância, o cinismo e a violênica verbal tomam conta da conversa dos dois homens e duas mulheres, invadindo temas que nada tinham a ver com o tópico inicial.
Definitivamente, aquele apartamento transforma-se num ringue de combate, de diatribe verbal destravada com consequências nefastas para todas as pessoas envolvidas. Afinal de contas, os instintos mais básicos do ser humano invadem o apartamento e assumem valores que destroem a capacidade racional de diálogo e de cordialidade. É uma visão negra e pessimista que questiona a possibilidade de uma comunicação humana eficaz (Jodie Foster diz: “Porque é que as coisas têm de ser tão difíceis?”), enfatizada com a incessante utilização do telemóvel por parte da personagem de Christoph Waltz, elemento profundamente perturbador da dinâmica de diálogo (e que será um elemento detonador do conflito no seio do próprio casal).
Polanski encena magistralmente este crescendo de desorientação e de desmontagem de aparências, recorrendo a um humor negro desconcertante, sendo que as interpretações dos quatro actores são absolutamente decisivas para o notável resultado final.
“O Deus da Carnificina” tem reminiscências estilísticas de dois ou três filmes: “Quem Tem Medo de Virgínia Wolf?” (1966), pela densidade dramática criada por dois casais; “12 Homens em Fúria” (1957) de Sidney Lumet, filme circunscrito a uma sala claustrofóbica; e “A Corda” (1948), de Hitchcock, película realizada num cenário idêntico (apartamento) e filmada em tempo real da história.
A carnificina do título do filme de Polanski é de índole moral, escalpelizando alguns dos males da civilização moderna: o individualismo, as deturpações no processo de comunicação, os jogos de aparências, a falsidade da bondade humana e a ausência de valores éticos reguladores da vida em sociedade.
A carnificina do título do filme de Polanski é de índole moral, escalpelizando alguns dos males da civilização moderna: o individualismo, as deturpações no processo de comunicação, os jogos de aparências, a falsidade da bondade humana e a ausência de valores éticos reguladores da vida em sociedade.
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