Caro leitor cinéfilo: nunca cometa a imprudência de dizer que já viu (ou conhece) todos os grandes filmes da história do cinema. Há-de haver sempre um ou outro grande, enorme, magnífico filme que nunca viu. Foi o que me aconteceu.
Numa conversa com um professor de cinema da Universidade da Beira Interior, fiquei a conhecer um filme, praticamente esquecido nos anais da história, que ele dizia ser uma obra-prima rara. Esse filme tem por título "Soy Cuba" e foi realizado em 1964 pelo realizador russo Mikhail Kalotozov.
Durante a guerra fria "Soy Cuba" não foi exibido nos Estados Unidos (por questões políticas). Por ironia, saiu do limbo graças a dois cineastas norte-americanos, Francis Ford Coppola e Martin Scorsese, que promoveram a estreia do filme nos EUA em 1995, depois de terem ficado fascinados ao ver esta obra numa mostra de cinema russo desse ano. Coppola e Scorsese decidiram batalhar pela restauração e pelo relançamento mundial de "Soy Cuba".
Mas que filme é, afinal, "Soy Cuba"? No início dos anos de 1960, o realizador soviético Mikhail Kalatozov, filmou em Cuba esta superprodução que pretendia ser uma poderosa arma de propaganda para divulgar a revolução cubana. No entanto, foi ignorado após a sua estreia em Havana e Moscovo e ficou desconhecido pelo público no Ocidente até à sua redescoberta nos anos 90 pelos dois cineastas norte-americanos. O filme é um documentário sobre os momentos chave da história revolucionária de Cuba, mostrando o povo e a burguesia, as tradições das festas e do trabalho, da vida e da morte.
Kalatozov conseguiu um filme de uma extraordinária ambição estética. Filmado numa bela fotografia a preto e branco, a sua realização é absolutamente única, virtuosa e original, de uma mestria que faria corar de inveja o próprio Orson Welles pela sua realização de "Touch of Evil". O realizador russo usou movimentos, planos e ângulos de câmara raramente vistos, fazendo com que a câmara parecesse voar ou pairar sobre os acontecimento que filmava. Há momentos em "Soy Cuba" de pujante beleza plástica, de pura poesia visual, como nesta espantosa sequência (em baixo) que filma um funeral. Não me perguntem como é que Kalatozov filmou esta sequência sem cortes como se a câmara voasse como uma pena. A verdade é que o resultado (ao som de Ravel) é qualquer coisa de assombroso. E o filme está recheado de momentos como este.
"Soy Cuba" é um fabuloso monumento de cinema, muito pouco conhecido por causa do seu conteúdo ideológico e pelas circunstâncias descritas. Mas isso pouco interessa, porque é forçoso que o seu valor artístico seja reconhecido e apreciado por todos os que dizem gostar de cinema.
8 comentários:
Esta sequência está realmente impressionante, digna do aplauso de Béla Tarr e do seu mestre. São estilos e profundidades diferentes mas o virtuosismo está lá bem relevado.
Ainda não tive a oportunidade de ver este filme mas com esta tua sugestão (que funciona em mim quase como um apelo) vejo-me na obrigação de o fazer.
Cumprimentos
César: sim, há no realizador russo e neste filme um espantoso virtuosismo na realização, ao nível de um Tarr - se bem que, como foi referido, num estilo muito diferente.
Já agora, "Soy Cuba" está disponível aqui -http://myonethousandmovies.blogspot.com/2010/06/sou-cuba-soy-cuba-1964.html
Mas quero arranjá-lo em DVD (edição nacional não há) e o ideal seria vê-lo numa sala de cinema.
Se gostaste de "Soy Cuba" recomedo "The Cranes are Flying" do mesmo autor. Visualmente e', no minimo, tao impressionante como "Soy Cuba" mas "with none of the bullshit" :) A cena inicial do Soy Cuba aparece, se nao me engano, no Boggie Nights.
A certa altura andei obcecado com cinema russo desse periodo porque, visualmente, e' das coisas mais impresisonantes que ja' vi. Kalatozov e' a regra de certa forma e nao a excepcao.
Um abraco, Andre
P.S. Bom blogue :)
Obrigado André. Vou tentar ver esse outro filme do Kalatozov.
Sim, o melhor filme que vi dele foi o Quando as Cegonhas Voam (http://alvaromartins.blogspot.com/search/label/Mikhail%20Kalatozov), mas este Soy Cuba é mais "arrojado", mais direccionado para o épico. Concordo muito com a tua primeira frase Victor, há sempre grandes filmes que uma pessoa nunca viu. Já agora, além de Kalatozov, descobre Chukhrai, outro grande e desconhecido cineasta soviético da mesma época, e Mikhalkov...
Já vi estes 2 há alguns anos, tanto Soy Cuba como The Cranes Are Flying são impressionantes do ponto de vista da fotografia, o primeiro talvez mais virtuoso, o segundo talvez mais acessível. Apesar da falta de história do Soy Cuba, cada segmento tem uma força visual e sonora ímpar.
A sugestao do Alvaro acerca do Chukhrai e' excelente. Balada de um Soldado e' dos melhores filmes que ja' vi!!
Há uma magnífica edição em DVD deste filme: http://www.amazon.com/Am-Cuba-Ultimate-Sergio-Corrieri/dp/B000UJ48Q8/ref=sr_1_1?s=movies-tv&ie=UTF8&qid=1322948130&sr=1-1
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