terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Tati - o cinema geométrico

No post abaixo menciono a possibilidade de comprar, a preço em conta, o pack de 4 filmes de Jacques Tati. Mas quem foi este realizador? Jacques Tati é simplesmente um dos mais sólidos e originais exemplos de criatividade e comicidade visual de toda a História do Cinema, conjuntamente com os clássicos Buster Keaton e Charlie Chaplin (e todos sabemos quão difícil é a arte da comédia). Perfeccionista absoluto, realizou apenas 6 longas-metragens em mais de 30 anos de carreira, facto que se deve à longa e minuciosa preparação que o actor e realizador dedicava a cada filme (eram-lhe necessários vários anos para imaginar, realizar e montar um filme). É um cineasta com raro sentido crítico de observação, dos gags, da atmosfera, dos tiques da classe média, da poesia das pequenas coisas. Um retratista idóneo e sensível do quotidiano.
A sua visão é a de um artista preocupado com a supressão da personalidade em favor de um mundo cada vez mais mecanizado e tecnológico. Daí que a personagem central do cinema de Tati – o
Sr. Hulot – seja tão desajeitado e inadaptado face às inovações tecnológicas do mundo moderno. (patentes em "O Meu Tio" e "Playtime"). Tati entende a comédia como uma ferramenta artística que vai para além do mero entretenimento; para o realizador francês, o cinema é uma ferramenta delatora dos vícios e defeitos da sociedade moderna. Detentor de um humor sui generis, subtil, rebuscado, por vezes intelectual, Tati soube expressar como ninguém e satirizar os preceitos da vida moderna (como Chaplin o fizera antes em “Tempos Modernos”).
Os seus filmes ilustram brilhantemente a arte de dominar o humor: gags visuais e sonoros de extrema subtileza e de uma incisão milimétrica, domínio perfeito da pantomima, recusa de diálogos (a arte de Tati remete para o cinema cómico mudo), e sobretudo, utilização criativa do som (efeitos sonoros, ruídos) e da música como recursos cómicos e estéticos cruciais no produto final do seu trabalho. Cioso de cuidar dos mais ínfimos detalhes com estremada minuciosidade - como se cada cena fosse geometricamente construída e arquitectada - Tati conseguiu alcançar prestígio e reconhecimento (para o realizador François Truffaut ,Tati era um ídolo), apesar da sua parca filmografia, muito espaçada no tempo. O seu humor inteligente e original, baseado sempre na surpresa, teve alguns imitadores mas ninguém conseguiu igualar o seu inesgotável génio. Tati é um autor com uma escrita própria e personalizada, inigualável e o seu estilo visual coreografado e estilizado, complexo e obsessivo, revela um artista exigente, original e compenetrado.

Trailer de "O Meu Tio" (vencedor do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1958):


3 comentários:

Helena disse...

É a 1ª vez que leio um post sobre Tati. Obrigada!
Ás vezes, sinto-me um ET, parece que ninguém conhece o que eu gosto, e Tati é muito especial para mim.
Tenho os 4 filmes, inclusivé o Jour de Fête a cores.
Não vale a pena dizer mais nada, já disseste tudo.
Acho que logo vou ver pela 98ªvez O Meu Tio. Tanto que tenho aprendido sobre comédia.
Beijos e obrigadinha!!!

p.s. reparei no Anacruses nos teus links, conheço a criatura musical em questão, é meu colega.

Rui Coelho disse...

Há mais um ET para estes lados, tb comprei esse pack e sou mais feliz por isso! Reconheço que o estilo de humor dele é arrojado, não gera grandes consensos e aliás a passagem pelo chaplin e buster keaton pode ajudar muita gente. A mim, pessoalmente, tal não foi necessário porque acho a comédia dele desarmante. E talvez um paradoxo, sendo ele tão perfeccionista como referiste e simultaneamente alguém que se revê no sr. hulot, tão desajeitado com tudo o que mecaniza a nossa vida. Confesso-me um pouco assim, quantas saídas à tati não tenho eu por aí fora!

Unknown disse...

Rui Coelho: sim, todos nós temos momentos à Tati de vez em quando!
VA