quarta-feira, 23 de julho de 2008

Blixa - o fazedor de pesadelos (e sonhos)

Blixa Bargeld é um fenómeno. Figura de culto ímpar na música das últimas duas décadas. É uma espécie de meteorito capaz de penetrar na solidez das convenções aparentemente inabaláveis. E fá-lo, com uma precisão cirúrgica e com um sentido estético apuradíssimo há, pelo menos, 25 anos. No fundo, desde que fundou a máquina trituradora e marginal chamada Einstürzende Neubauten, grupo musical (ou anti-musical, conforme a perspectiva) que cilindrou o rock e deu espessura à chamada música industrial (juntamente com Throbbing Gristle, Test Department, entre outros). Os Neubauten, oriundos da febril e criativa Berlim de início da década de 80, começaram por ser o rosto da vanguarda musical decadentista e o espelho da sociedade alemã politicamente dividida. Blixa Bargeld e seus pares vociferavam (literalmente) contra um mundo apático submerso pelo consumismo feroz e pela sociedade industrial. Em conformidade com a ideologia propalada, faziam música com recurso a objectos e instrumentos próprios dessa sociedade industrial: berbequins, martelos pneumáticos, bidões, chapas metálicas, rebarbadoras e demais maquinaria pesada. A exploração do ruído e dos sons inusitados eram premissas estéticas prioritárias, numa espécie de caos ordenado e de jogo de tensões sonoras levado aos limites da audibilidade e da sanidade mental. A voz de Blixa, ao mesmo tempo sulfurosa e delicodoce, sempre no limiar da estética do grito, potenciava o aturdimento visceral que a música dos Neubauten provocava no ouvinte. E a sua silhueta magríssima, pálida, de impenetrável vestimenta negra, de cabelo espetado, tornava-o num parente próximo de “Nosferatu” de Murnau. Em suma, os Einstürzende Neubauten praticavam uma música abrasiva, combativa como poucas, que se foi adocicando (leia-se: exploração da melodia e aproximação ao formato de canção) com o passar dos anos (recordo-me bem da primeira vez que o grupo de Blixa tocou em Portugal, na Voz do Operário em Lisboa. Corria o ano de 1993 e o concerto foi memorável).
Ainda enquanto mentor, ideólogo e vocalista dos seminais Einstürzende Neubauten, Blixa Bargeld conhece outro notável aventureiro do lado negro da vida: Nick Cave. Este convida-o a tocar na sua banda de apoio, os Bad Seeds, e assim teve início uma profícua (mas nem sempre pacífica) relação artística de dez anos. Ao fim desse tempo, Bargeld manifesta cansaço e decide enveredar por caminhos próprios, não descurando o percurso da sua banda de sempre, os Neubauten. É então convidado a colaborar em projectos de filmes, teatro, performances e instalações. É célebre a série de inúmeras fotografias que Bargeld tirou às casas de banho de hotéis por onde passou entre 1990 e 2002, num projecto a que deu o curioso nome de “serialbathroomdummyrun. Ou o projecto “Precious Memories”, mais ambicioso e inusitado, no qual aborda a poesia, a música e a performance numa determinada cidade do mundo.
Porém, há cerca de 10 anos, Blixa Bargeld aventurou-se por um território insuspeito: uma performance vocal a solo. Um trabalho arriscado no qual Blixa desafia a imaginação ao querer quebrar barreiras linguísticas e musicais, através de uma configuração técnica reduzida ao mínimo (microfone e pedais de efeitos, sob a direcção de um engenheiro de som). A esta performance a solo, misto de spoken word, recitação e música, deu Blixa o título de “Rede/Speech” (editado também em DVD), um manifesto artístico onde a voz, a palavra, a improvisação (numa percentagem de 50%), os efeitos sonoros electrónicos e a versatilidade em palco contribuem para um espectáculo imprevisível, com certeiras doses de humor e uma comunicação que se vai estabelecendo com o público presente, cuja participação é capital na dinâmica do espectáculo (o mais recente trabalho de Bargeld foi a recitação de poemas eróticos de Bertolt Brecht).
Bargeld entrega-se de corpo e alma à sua prestação a solo em cima do palco, explodindo em momentos de grande intensidade emocional, por vezes quase da ordem do ritualístico, ou remetendo-se a momentos mais intimistas e sussurrantes. Hoje Blixa Bargeld já não ostenta a outrora figura de paladino do vanguardismo estético. Prefere cultivar uma certa imagem sofisticada de “dandy” moderno, vestindo fatos de recorte clássico e cabelo aprumado (enfim, mais ou menos aprumado). Contudo, e é esta a parte essencial, a efervescência criativa continua-lhe no sangue.
Nota: texto originalmente publicado na revista "Hora TMG" (Dez. 2006), revisto e adaptado .

2 comentários:

pedro polonio disse...

o artigo está muy bom!
:)
fiquei com vontade de rever Mlixa em palco, com os seus neubauten ou a solo!
:)
já agora: o link para o site do Blixa está errado.

Unknown disse...

Obrigado Kamera. O link do Blixa já está rectificado.
VA