terça-feira, 15 de julho de 2008

Políticos e música


Política e música não combinam muito bem. Melhor dizendo: políticos e gostos musicais. Na esmagadora maioria dos casos (para não dizer a totalidade) os políticos tem um gosto musical previsível, que é o mesmo que dizer, banal, sem grandes exigências estéticas. Nas entrevistas, nos inquéritos, quando questionados sobre os gostos musicais, os políticos referem que gostam "um pouco de tudo" (como José Sócrates) – sintoma claro de ignorância musical (ninguém consegue “gostar um pouco de tudo”). Referências musicais são sempre as óbvias e politicamente correctas – os grandes nomes da música portuguesa e internacional, os grupos e cantores dos tops, e um ou outro político mais erudito que diz gostar de ópera ou de musica clássica. O que vemos são políticos comodamente instalados nos lugares VIP dos estádios a ver concertos dos U2 ou dos Rolling Stones. Nunca ouviremos um político de primeira linha, seja de que partido for, a dizer que é fã de Krautrock, de Ornette Coleman, de world music, de Tom Waits, de Meredith Monk, de Arcade Fire, de Philip Glass, de Robert Wyatt, entre tantos outros exemplos. Os políticos tendem a gostar da música que a maioria da população gosta (música comercial), para que este se identifique com ele. Não quero com isto dizer que haja uma relação directa entre o gosto musical e as qualidades do político, mas creio que uma formação humana de base terá sempre de passar por uma formação cultural exigente e de qualdiade, diversificada, sensível à multiplicidade de estímulos estéticos, aberta a experiências e conhecimentos variados. E o que é válido para o gosto musical é-o também para o gosto literário e cinematográfico.
Ainda há dias li uma entrevista de um político importante da nossa praça que dizia, taxativamente, não gostar de cinema e de só ler livros de carácter técnico. Mesmo quando os políticos assumem responsabilidades no Ministério da Cultura, os resultados são muitos semelhantes. São meros tecnocratas que vão aos eventos culturais por obrigação (exposições, festivais, concertos) e dever de estado. Excepção terá sido, nos últimos anos, o caso de Manuel Maria Carrilho, alguém com sólida formação académica e cultural e com uma visão abrangente da acção governativa para a área cultural. Para além de ser um melómano de gosto respeitável (ao contrário do que revelou a célebre gaffe de Pedro Santana Lopes enquanto secretário de Estado da Cultura).
Vem este texto a propósito de uma entrevista que Barack Obama deu à revista americana Rolling Stone (numa capa que deu que falar pelo arrojo gráfico: apenas o nome da revista e o rosto de Obama, sem quaisquer outros títulos). O candidato democrata às próximas eleições, questionado sobre o que anda a ouvir e que tem no iPod, responde: “tenho gostos musicais eclécticos. Quando estava no liceu, comecei a interessar-me por jazz. Por isso tenho muito Coltrane, muito Miles Davis, muito Charlie Parker. Tenho tudo do Howlin’ Wolf ao Yo Yo Ma, da Sheryl Crow ao Jay-Z.” Ou seja: blues, jazz, rock, pop, erudita, soul e hip-hop. Obama refere ainda que o seu ídolo musical foi Stevie Wonder, sendo também grande admirador de Bob Dylan e de Bruce Springsteen.
Curiosa é a sua resposta sobre o motivo pelo qual tem um grande apoio na área musical: “os músicos e as pessoas criativas, em geral, tendem estar dispostos à mudança ou, pelo menos, estão abertos a ela – não se conformam com o que é, mas com o que pode ser”. Receio bem que esta é uma resposta (a qual encerra todo um enunciado de ideias) que dificilmente alguma vez ouviremos da boca de um político português.

7 comentários:

amebix disse...

O Durão Barroso numa entrevista quando era primeiro ministro disse que gostava muito de Outkast e tinha estado no Woodstock original(aquele das drogas e dos hippies:)
Sinceramente até podem ouvir Cage ou Don van Vliet,mas o meu voto nunca irão ter.

::Andre:: disse...

Obama \oo/

amebix disse...

Lembro que quando o Neil Young deu o primeiro concerto na tuga estavam presentes uns 10 políticos de alto gabarito no recinto para ver o menino(Guterres e outros).

Jorge Silva disse...

Excelente post!!!

João Lisboa disse...

"uma formação humana de base terá sempre de passar por uma formação cultural exigente e de qualdiade, diversificada, sensível à multiplicidade de estímulos estéticos, aberta a experiências e conhecimentos variados"

“os músicos e as pessoas criativas, em geral, tendem estar dispostos à mudança ou, pelo menos, estão abertos a ela – não se conformam com o que é, mas com o que pode ser”

É terrível - é mesmo terrível, das coisas mais desesperantes que se podem ler - mas o George Steiner, nas "Presenças Reais" ou "No Castelo do Barba Azul", por exemplo, dá cabo dessa generosa ideia de maneira definitiva.

Unknown disse...

Do Steiner só tenho "No Castelo do Barba Azul" e já o li há muitos anos. Daí que não me lembre exactamente do que ele possa ter argumentado em relação ao tema deste post... Seja como for, não me admiro que o escritor seja contrário à ideia de que o exercício da política tem de estar assente num paradigma essencialmente de cariz humanista e cultural...

João Lisboa disse...

"o exercício da política tem de estar assente num paradigma essencialmente de cariz humanista e cultural"

Não é exactamente a isso que ele se refere mas ao facto de, ao contrário do que habitualmente se supõe, a cultura e a arte não serem particularmente civilizadoras nem "humanizadoras". E argumenta com o exemplo de torcionários nazis que eram requintadíssimos melómanos e músicos. Estou, claro, a simplificar, à bruta, um naco inteiro de livro.