sexta-feira, 18 de março de 2011

"Me encanta el olor del napalm por la mañana"


Enquanto fazia zapping pelos canais de televisão, passei por um canal espanhol. Estava a passar o filme “Pearl Harbour”. O filme é dispensável (quanto a mim), mas nem foi isso que me chamou a atenção. A questão é que o filme era dobrado em castelhano, coisa a que já não estava acostumado há muitos anos.
Devido ao facto de viver junto à fronteira espanhola, habituei-me, quando era miúdo, a ver filmes nos canais televisivos espanhóis, sobretudo aos sábados à tarde (grandes westerns e filmes de aventuras eu vi pela primeira vez nessas sessões). Espanha possui, há muitos anos, uma verdadeira indústria de dobragem de filmes estrangeiros, com actores profissionais que se dedicam quase em exclusivo a este negócio (é uma arte, mas também um grande negócio). Os defensores das dobragens de filmes de língua estrangeira garantem que é uma forma de salvaguardar a língua e a cultura nacionais. É e não é. A legendagem também promove o exercício da leitura e, acima de tudo, respeita a integridade artística inerente ao trabalho dos actores, dado que a voz de um actor representa um elemento preponderante, e por vezes essencial, da sua interpretação.
Por outro lado, quando via filmes na televisão espanhola, era frequente conhecer as vozes dos actores espanhóis que dobravam estrelas de Hollywood. E não era raro deparar-me com um filme em que o mesmo actor que dobrava Marlon Brando ou Robert De Niro, dobrava também Charles Bronson. Felizmente que em Portugal a legendagem vingou em detrimento da dobragem (esta só se aplica, e bem, a filmes infantis), fenómeno que já vem do tempo do Estado Novo (é estranho como Salazar não optou pela imposição da dobragem, já que era tão defensor dos valores conservadores da cultura nacional - mas diz-se que não o fez por questões meramente económicas).
Em Espanha, no tempo da ditadura de Franco, optou-se pela dobragem para melhor controlar e manipular as mensagens menos convenientes de certos filmes. E a tradição dos filmes dobrados continua em força, mesmo nas estreias na sala de cinema, visto que são poucos os filmes em exibição na versão original.
A dobragem, por melhor que seja feita, acaba sempre por desvirtuar a arte da interpretação e torna-se irritante ver continuamente a dessincronia entre a expressão labial e a fala. Ao fim e ao cabo, será que tem o mesmo efeito ouvir Robert Duvall dizer no “Apocalypse Now” a célebre frase “You smell that? Napalm, son. Nothing else in the world smells like that. I love the smell of napalm in the morning” em inglês, em castelhano, em francês ou em mandarim?

8 comentários:

Francisco Costa disse...

acho que pior é ainda como dobram os nomes das bandas como "U dos" ou "Piedras Rollantes".

anabela moutinho disse...

nao foi por raoes economicas, victor, mas sim por razões politicas: dada a taxa de analfabetismo no nosso país, era a forma mais segura de, 1º, manter o cinema como espectaculo para elites (de massas só as comedias portuguesas) e, 2º, de garantir que a esmagadora maioria dos espectacdores nunca entenderiam a mensagem dos filmes.

abraço.

PortoMaravilha disse...

Olá !

Pessoalmente sou a favor dos filmes em V.O. E sabemos nós todos que a voz é o primeiro elemento, aspecto, coisa e por aí fora de sedução.

Durante o fascismo,os filmes foram legendados porque ficavam mais baratos e porque o povo Português era mantido de modo deliberado na ignorância. Quase setenta por cento de analfabetos.

Neste caso, a dobragem pode ter um aspecto libertador. Permitir ver e ouvir a quem não sabe ler.

Se as traduções da literatura Sueca, Alemã, Russa, Árabe... etc eram feitas ( se convinham à censura ) via o Francês pode-se facilmente advinhar a impossibilidade de encontrar quem soubesse falar línguas estrangeiras. E logo pudesse dobrar.

Para mim, quem melhor "psicanalizou" o orgulhosamente sós de Salazar, foi Manoel de Oliveira em " Non, ou a vã glória de mandar"

Realizador que não apreciam, mas que aqui está no top !

Franco e Salazar tiverem atitudes totalmente diferentes : Não só quanto à aceitação do Plano Marshall como também quanto à alfabetização.

Dois Fascistas e Assassinos ( sim Assassinos !) que se diferenciam quanto à compreensão da urbanidade.

Nuno

sacolé disse...

Achei muito bom o texto, mas devo dizer que esava boiando em relação a esta tal de dobragem. Só depois que descobri que esta significa o mesmo do que chamamos de dublagem por aqui no Brasil.

Gonga disse...

Em paises como Italia e França tb é natural vermos filmes dobrados.
Em Espanha a questão deveu-se tb ao tema da lingua, ou seja, existem em espanha 4 lingua oficiais e Franco proibiu a utilização de todas as linguas excepto o castelhano. Assim seia uma especie de globalização linguistica.
Eu que vivo em Espanha posso dizer que a grande maioria das pessoas são a favor dos filmes dobrados e mais são dobrados tanto emespanhol, basco ou catalão.

Jorge Silva disse...

Concordo inteiramente com o sentido do post.
Acrescento mais uma vantagem das dobragens: a aprendizagem que os Portugueses fizeram duma segunda língua - o Inglês - língua universal.
Conheço muita gente que se entende bem com o Inglês devido em exclusivo ao exercício ouvir-a-palavra-em-inglês-ler-a-palavra-correspondente-em-português ao visionar os filmes.
Isto não se passa em, p.ex., em Espanha onde são maioritária e absolutamente ignorantes em Inglês.
E numa sociedade e economia cada vez mais global saber uma segunda língua é importante.

Só por curiosidade e humor, uma vez contaram-me que na Polónia um mesmo profissional das dobragens tanto faz dobragem a um actor feminino como masculino o que, por lá, torna a coisa ainda mais caricata!

João Ruivo disse...

Do mais horrível que já vi foi um filme qualquer (penso que na RTL) dobrado em Alemão mas onde não foi retirada a faixa de diálogo original e era a mesma pessoa que dobrava todo o filme (pelo menos no excerto que vi).

Ou seja, ouvia-se a versão original (um bocado esbatida é certo) e ouvia-se a dobragem sobreposta em alemão se fosse um relato.

Bruno Cunha disse...

Concordo plenamente. Sempre fui contra a dobragem. Odeio até mesmo nos filmes de animação mas acho que nestes tem o seu propósito.
Aliás, fico imensamente contente que em Portugal não o façam já que quando fui a França tive de me privar de ver filmes pois ouvir actores imensamente conhecidos a serem dobrados por franceses lembrou-me o canal do Disney Channel.


Abraço
Frank and Hall's Stuff