sexta-feira, 23 de maio de 2008

Arte, valor, contexto

Esta é uma experiência quase ready-made à Duchamp: retirar do contexto formal de uma sala de concerto um violinista famoso e consagrado e colocá-lo a tocar, anonimamente, numa estação de metro. Para quê? Para perceber que a valorização artística que qualquer pessoa faz de um determinado fenómeno ou acto depende, e muito, do contexto em que este ocorre. O vídeo em baixo descreve-se em poucas palavras: alguém entra na estação do metro de Washington, vestindo jeans, camisa e boné, encosta-se próximo à entrada, tira o violino da caixa e começa a tocar com entusiasmo para a multidão que passa por ali, na hora de ponta matinal. Como quase sempre acontece, os transeuntes ignoraram a interpretação violinística do músico durante 45 minutos de actuação
O interessante vem agora: o músico que tocava não era nenhum músico de 3ª categoria a tentar sacar umas moedas para comprar um Big Mac. Era, simplesmente, aquele que é considerado como um dos melhores violinistas mundiais: Joshua Bell, executando peças musicais consagradas, num instrumento raríssimo e valiosíssimo, um esplendoroso Stradivarius de 1713, estimado em mais de 3 milhões de dólares. Alguns dias antes, Bell tinha tocado no Symphony Hall de Boston, onde os melhores lugares custam a bagatela de 1000 dólares. Esta iniciativa foi realizada pelo jornal The Washington Post e a intenção era a de lançar um debate sobre três tópicos intimamente ligados: valor, contexto e arte. O Washington Post concluiu que o virtuoso violinista Joshua Bell era uma obra de arte sem moldura. Um artefacto de luxo sem etiqueta de marca. Talvez. As convenções sociais ligadas à apreciação estética são orientadas para dar mais valor ao contexto do que ao conteúdo e à forma. Repare-se:

O que gostaria era de ver uma experiência ao "contrário": um músico amador e sem currículo a tocar com uma grande orquestra numa grande instituição consagrada à fruição erudita das elites bem pensantes. O contexto estava definido, a arte bem enquadrada. E o valor? Dependeria dos dois primeiros pressupostos? Pois...

2 comentários:

Rolando Almeida disse...

Viva Victor,
Vou fazer uma coisa que nunca se deve fazer, muito embora seja muito comum na nossa cultura academizante, que é espetar com referências sem justificação. Só o faço por manifesta falta de tempo (sim, o meu joãozito já me suga o tempo todo para a brincadeira). Recomendo a leitura de Arthur C Danto e Geoge Dickie. Deste último está para sair uma obra na Bizâncio, sobre o valor institucional da arte. Dickie defende que o que dá estatuto a uma obra de arte é o seu valor institucional. Uma boa introdução é a de Nigel Warburton, o que é a arte, Bizâncio. Porque estas recomendações? porque os ready mades baralharam os conceitos tradicionais do que é uma obra de arte e porque provavelmente não sabemos apreciar uma obra de arte sem um conceito da mesma.
abraço

Unknown disse...

Rolando: obrigado pelas referências, são sempre bem vindas.
VA