sábado, 3 de maio de 2008

Maio de 68? Ainda não tinha nascido...


Como referi uns posts mais abaixo, já começaram as iniciativas para comemorar os 40 anos do Maio de 68. O jornal Público vai desenvolver uma série de eventos para marcar a efeméride. Sexta-feira passada apresentou no P2 um inquérito a 300 estudantes universitários sobre o evento que agitou Paris em 1968. Os resultados são surpreendentes: na generalidade, 60% dos inquiridos não sabem o que foi o Maio de 68. Mas o que espanta mais é a discrepância de conhecimentos consoante a área académica dos alunos: 70% dos alunos da área científica não sabem; 75% dos alunos das ciências sociais e artes, sabem. Como é possível haver este extremar de conhecimentos entre alunos de áreas distintas? Terão os estudantes de ciências sociais e artes muito mais formação cultural geral que os de áreas científicas? Será legítimo depreender esta conclusão? Parece-me perigoso arriscar tal pensamento, mas que deixa que pensar...
Houve uma aluna que justificou a sua ignorância da seguinte forma desconcertante: "Em 68 ainda não tinha nascido, como é que querem que eu saiba?". Isto é, para esta aluna, só é suposto ter conhecimento de qualquer acontecimento ou facto que tenham ocorrido após o seu nascimento (quase que arriscaria que tendo o 25 de Abril acontecido já depois do seu nascimento, que também não saberia o que foi)! Do outro lado da barricada (ou seja, do lado dos professores), o professor e político do Bloco de Esquerda Fernando Rosas veio colocar água na fervura dizendo que tem de se "relativizar as coisas": "se perguntassem aos alunos da minha geração o que tinha sido o regicído, muitos também não saberiam". Fantástica resposta que nada justifica. Pelo contrário, parece que desculpabiliza um certo embrutecimento cultural dos estudantes actuais, como quem quer dizer que não há grande importância que os universitários ignorem o que foi um dos mais marcantes acontecimentos da segunda metade do século XX. É que depois da chamada de atenção do Presidente da República para o crescente afastamento dos jovens da vida política (decorrente de uma sondagem que indicava uma indiferença e desconhecimento dos jovens sobre o 25 de Abril), custa cada vez mais assistir, passivamente, a estas manifestações de ignorância quase militante.
PS - só depois de ter escrito este post é que fui parar a um artigo de Manuel Maria Carrilho sobre a mesma temática - aqui.

4 comentários:

Unknown disse...

Quase 12 dias de ausência e só agora tenho tempo para folhear os posts dos últimos dias.
Fiquei espantado com a tua admiração em relação ao resultado do inquérito. Na minha opinião, reflecte exatamente o que se passou e o que se passa, e com números (%) correctos, em relação à discrepância de conhecimentos de cultura geral entre os alunos de humanidades/ciências sociais e os das áreas científicas. Há realmente um embrutecimento cultural dos estudantes, que se tem acentuado nos últimos anos, sobretudo porque esta geração é "filha" da 1ª geração que se embruteceu. Os pais já não têm conhecimentos que lhes permitam educar os filhos em várias áreas. Todos se isolam dentro de casa e, se por acaso ainda tomam refeições juntos, é de certeza com mais atenção à TV. Em Maio 68 eu era aluno no Técnico e apercebi-me de imediato que, com algumas excepções, ninguém estava a entender nada do que se estava a passar. Pelo contrário, em Direito ou Letras, 70% dos alunos tinha uma ideia precisa do que acontecia. Lia-se o República, Diário de Lisboa, Seara Nova e jornais que iam chegando de França; ao passo que no Técnico, lia-se o jornal "Motor" e o "Auto-Sport". E a situação hoje não é muito diferente: tenho um aluno(12ºano - 16 anos) que vai seguir para Belas Artes e que me acompanhou ao concerto dos Einsturzende Neubauten, que sabe "tudo" sobre Maio 68, John Ford, Gus Van Saint, Amon Tobim, já leu Débord e Maldoror. Quanto aos outros, os que se preparam para seguir Técnico ou Faculdades de Ciências, nunca leram 1 livro (ganda seca!!!!), curtem B Spears, Madonna, etc, adoram filmes como "Cocktail" e quejandos.Ah!, ia-me esquecendo: o livro favorito de todos é "O Alquimista" de
Paulo Coelho.
È por isto, Vítor, que não fiquei minimamente espantado com o inquérito do Público. De um modo geral, todos os números batiam certos com os que bailavam dentro da minha cabeça.
Como há sempre uma excepção que confirma a regra, recordo que no final dos anos 60 e durante quase toda a década de 70, um dos mais interessantes críticos de cinema que tivemos na nossa praça foi o meu colega no Técnico Jorge Leitão Ramos, do qual deixei de ouvir falar há uns anos. Como, entretanto estive fora de portugal durante quase 17 anos é possivel que algo tenha acontecido e que eu desconheço.
Isto vai longo.
Um Abraço
jP

Unknown disse...

João: obrigado pelo esclarecedor contributo.

O Jorge Leitão Ramos ainda é crítico de cinema no Expresso e por acaso sabia que ele vinha de uma área totalmente diferente - creio que é engenheiro.

Abraço,
VA

Unknown disse...

Obrigado Vítor pela tua informação. Há muito que deixei de ler o Expresso, daí o meu desconhecimento do paradeiro do JLR.
Aproveito para contar uma pequena história desses tempos dos gloriosos malucos espectadores de cinema. Um dos filmes que não foi permitido exibir durante a realização do 1º Festival do Cinema Novo Brasileiro, que decorreu no Império, foi o mais mítico filme dessa geração : António das Mortes de Glauber Rocha. As autoridades brasileiras não acharam graça à decisão e através do Adido Cultural e do próprio embaixador pressionaram o SNI no sentido de permitir, ao menos uma sessão. E, assim, ficou decidida uma sessão na Cinemateca, ainda no Palácio Foz, para as 18:30h de uma 6ªfeira, salvo o erro. Combinei, com os meus amigos, passarmos pelos Restauradores cerca das 2h da manhã e qual não foi o nosso espanto quando constatámos que ja havia fila formada para uma bilheteira que só abria às 15h. É evidente que já não saímos dali e apenas recordo que, às 2:15h da manhã, era o Nr 24 da fila. Isto não é mais possível suceder nos dias de hoje. Acontece para o futebol, um ou outro concerto, talvez o La Féria mas, para o António das Mortes? António das quê? Importam-se de repetir? "Mete o Brad Pitt e a Angeline Jolie"? NãããããOOOO? Minha rica caminha!!!!!!
Abr
j

Unknown disse...

É bem verdade: algo impossível de acontecer hoje.
PS - por acaso esse filme do Glauber Rocha nunca vi (conheço outros) :(