terça-feira, 9 de setembro de 2008

Do heavy-metal à música clássica



Há dias, no portal de informação IOL Portugal Diário, surgia uma notícia curiosa, cujo título era um verdadeiro achado: "Fãs de música clássica e de heavy-metal são parecidos". O estudo foi realizado numa universidade da Escócia e os resultados foram obtidos após entrevistas a 36 mil amantes de música. A ideia do estudo era a de identificar características comuns de personalidade conforme gostos musicais específicos. Assim, o estudo determinou que os fãs de jazz são criativos e extrovertidos, enquanto que os que gostam de música pop tendem a ter pouca criatividade.
No âmbito dos estudos musicológicos e da psicologia da música, estes dados não são propriamente novidade. A música é uma linguagem e uma expressão artística capaz de agregar e unificar traços de personalidade comuns. Por isso é que a música pode ser considerada um dos principais paradigmas de identidade cultural, de hoje como de ontem. Na verdade, tem de haver traços de personalidade muito distintos entre um fanático de free-jazz e um fanático de música pop comercial. Um ouvinte de jazz tem, à partida, um carácter mais libertário, um gosto mais atento à experimentação e ao risco estético (que pode estender-se à vida quotidiana). Uma pessoa que ouça a RFM todos os dias será, certamente, alguém muito mais conformista e apegado às convenções. A música tem essa fulgurante capacidade de gerar tribos à volta de um mesmo ideal, de um mesmo espírito e identidade.
A originalidade deste estudo tem mais a ver com a revelação de uma relação, mais estreita do que se esperava, entre as personalidades dos fãs de música clássica e de heavy-metal, dois géneros musicais que se poderia supor existirem em pólos opostos. "Como é que se pode ter dois estilos tão diferentes com grupos de fãs tão parecidos?", perguntou o coordenador do estudo. A resposta está, para o investigador, no aspecto "teatral e dramático" dos dois estilos. Não sei se a explicação será tão linear, mas uma coisa é certa: ainda persistem grandes preconceitos e estereótipos relativamente aos fãs de heavy-metal e suas múltiplas variações estilísticas. Ao contrário do que esse dogmatismo intelectual preconiza, os fãs destes géneros musicais extremos não são violentos nem suicidas, não defendem a anarquia social ou o culto do satanismo. E se o fazem, é basicamente para promoverem o culto de uma imagem, de uma identidade tribal (como o fazem outros fãs de outros géneros musicais) ou, igualmente válido, para mera promoção junto dos media e do público. Os fãs de black metal, de Marilyn Manson, de Moonspell ou dos Cradle of Filth gostam da música destes artistas porque têm em comum o gosto pela imagem, pelo visual gótico (caras pintadas, aparência demoníaca), pelas letras lúgubres. O resto é secundário. Não são géneros musicais opostos, possuem até elementos em comum. De resto, são cada vez mais as bandas de metal que integram na sua música sonoridades, digamos, clássicas (com sintetizadores e samples, é certo).
Conheci muitos amantes de heavy-metal que eram, de facto, pessoas normalíssimas e até tímidas. Mas assim que ouviam o crepitar de um riff de guitarra dos Sepultura, parecia que levitavam os pés do chão. É esse lado teatral e dramático que é destacado no estudo, e que se torna também extensível à música clássica (ou alguma dela, uma vez que é sempre perigoso generalizar). A ópera wagneriana sempre foi a tentativa de celebração da arte total, grandiloquente e majestática. Os grandes concertos de orquestras em grandes teatros, idem aspas. É o apelo a todos os sentidos, como grosso modo, acontece num concerto de uma grande banda de heavy-metal. E quando as facções morais da sociedade acusam o heavy-metal de ser uma música do demónio e que serve para levar ao abismo a mente dos jovens, não esqueçamos que os oficiais Nazis, educados e cultos, colocavam Wagner a tocar bem alto nos campos de extermínio e de concentração!
Por conseguinte, acaba por não chocar a ideia de que seja possível a existência de muitos amantes de música que sejam, simultaneamente, amantes de Stravinsky e de Sepultura, de Debussy e de Slayer, de Bartók e de Dillinger Escape Plan. Tão possível que eu próprio me assumo como fã destes grupos/compositores e nem por isso denuncio quaisquer distúrbios psicológicos ou outros. Ou seja, incluo-me numa categoria à parte que não sei se é analisada na referida investigação.

5 comentários:

Anónimo disse...

Se a música realmente define a nossa personalidade, eu tenho múltipla personalidade porque ouço diferentes estilos musicais, por vezes com muito pouca relação entre eles.

Um estilo de música deve fazer o cérebro funcionar de certa forma. Se gostarmos, temos que associar o prazer à equação. E há também o estigma social associado a cada estilo.

Rolando Almeida disse...

Olá Vitor,
Estes estudos não são, em regra, estudos muito sérios ou relevantes. São meras curiosidades. Mesmo sem qualquer estudo elaborado, apenas com a nossa intuição somos capazes de apresentar dezenas de contra exemplos. O heavy metal clássico, porventura aquele mais aproximado da música clássica não será m´sica pop? e as dezenas de individuos que ouvem free jazz só porque é cool ou por necessidade de se mostrarem capazes de músicas mais complexas? Concordo contigo quando te referes à sociologia da música, mas este tipo de estudo deve ser sempre encarado somente como episódicos e curiosidades.
abraço

Unknown disse...

Rolando: percebo a ideia quando dizes que estas conclusões são, mais ou menos, intuitivas, mas já não me parece que não passem de meras curioisdades. Nota que se tratou de uma investigação científica criteriosa levada a cabo por uma Universidade credenciada junto de 36 mil pessoas. Não se tratou de um fugaz questionário de rua de um jornal ou de uma televisão a meia dúzia de pessoas. Não creio que se deva menosprezar este facto. De resto, já não é a primeira vez que vejo estudos destes publicados – ainda há meses surgiu uma vasta reportagem na revista Super Interessante sobre a relação entre a música e a personalidade do indivíduo, e as conclusões, grosso modo, eram semelhantes às da investigação que citei.
Abraço,
VA

Anónimo disse...

Achei curiosa esta analogia entre heavy metal e musica classica ja que eu sou um consumidor de ambas. Qualquer pessoa que perceba qualquer coisa de musica sabe perfeitamente que a nivel de composiçao e ate execuçao estas duas andam de maos dadas. Sinceramente nao acho que seja pelo aspecto teatral que une os amantes do heavy metal e da musica classica.
E isto falo por mim. Sao sim as emoçoes que ambas transmitem.
Por norma, se pegarmos numa composiçao de Iron Maiden e passarmos para orquestra teremos uma obra prima da musica classica devido a estrutura musical que a incorpora, do que se porventura pegassemos numa qualquer musica pop (ou pior, hip-pop), que decerto iriamos obter algo de mediocre instrumentalmente.
E existem muitas bandas de heavy metal que incorporam elementos orquestrais - e algumas mesmo orquestras ao vivo - nas suas composiçoes, veja-se o caso de Therion, Haggard ou o ultimo album ao vivo dos Within Temptation (e facil encontrarem os myspaces destas bandas).
Outras ha que ainda vao a um conceito mais extremo de brincarem com as notas de uma pauta e com matematica. Se pegarmos por exemplo numa banda como os Meshuggah, para a esmagadora maioria das pessoas que leem este blog aquilo nao passa de barulho, mas para um estudioso de musica ou para um matematico aquilo e uma perola devido a enorme quantidade de contratempos e quebras que eles nos oferecem (muitas vezes sem perderem alguma melodia o que e de louvar).
Sinceramente penso que dever-se-ia acabar com o estigma das pessoas pensarem que todas as pessoas que ouvem este estilo mais extremo - o que e um perfeito disparate dizer-se isto como ja tentei demonstrar - que sao todos uns arruaceiros e uns assassinos, so porque se vestem de negro na rua ou quando vao a concertos.
Eu ouço metal - para alem de outras coisas nomeadamente musica classica como ja referi, musica folk e tradicional do mundo - desde 1987 (sim, desde 1987) e nunca me vesti de negro (nem para concertos), andei sempre de cabelinho cortado, tenhoo um emprego normal e estavel ha varios anos que me permite pagar uma casita e, apesar de provavelmente nao ser o melhor exemplo visualmente de metaleiro - o que quer que isso seja - irrita-me profundamente os esteriotipos que os outros dao aos meus colegas de lides musicais.
Ha gente boa e ma em todo o lado, e nao e por se vestirem de um modo menos proprio ou mais bizarro ou com menos gosto estetico que fara com que se seja mau.
Desculpem o testamento mas volto a frisar, quem percebe alguma coisa de composiçao musical sabe que o heavy metal e um dos parentes ricos da Musica com M grande.

Unknown disse...

Obrigado pelo excelente depoiemento.
VA