sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Zizek: um novo olhar sobre o cinema


É o filósofo do momento. O filósofo que não se resigna apenas a ser filósofo, uma vez que se tornou quase numa espécie de figura académica da cultura pop contemporânea. Por onde passa a dar conferências - desde universidades conceituadas de todo o mundo a espaços culturais alternativos - como a portuguesa Fábrica de Braço de Prata (onde esteve em Julho último), deixa um rasto de inteligência, cultura e humor (há vídeos no YouTube que comprovam o seu sentido de humor "nonsense"). Extravasa, com a mais desconcertante facilidade intelectual, as fronteiras rígidas dos objectos de estudo convencionais da filosofia, e acrescenta ao seu método de análise temas como psicanálise, cinema experimental, música pop, sexo, literatura, linguística, sociologia, teoria da cultura de massas, cibernética, entre outros.
O esloveno Slavoj Zizek representa esta figura cultural pluridisciplinar, observando a realidade social, política e cultural sob os mais diversos ângulos possíveis, como se fosse o rosto crítico da globalização neo-liberal. Conheci o autor quando editou em Portugal o livro "Bem-Vindo ao Deserto do Real" (Relógio D'Água, 2006). Uma obra em que, partindo do filme "Matrix" e de toda a sua ideologia da "falsa realidade", propunha uma análise crítica das complexidades do mundo actual, sobretudo a partir dos desafios políticos impostos com o 11 de Setembro e suas consequências. A sua escrita, apesar das múltiplas referências à cultura popular, nem sempre é de fácil inteligibilidade, dado que o seu pensamento se desdobra em conceitos filosóficos, psicanalíticos, sociológicos e culturais. No entanto, da explanação das suas ideias saltam sempre motivos fortes de reflexão para o leitor, seja em que terreno temático for. A argúcia como interliga conceitos tão dispersos e os liga de forma coerente, revela um pensador que tem consciência clara que escreve/fala tanto para o público erudito/iniciado, como para o público leigo/popular (à falta de melhor classificação...).
O seu último livro, recentemente editado pela editora Orfeu Negro, "Lacrimae Rerum", é um conjunto de quatro ensaios sobre a semiótica do cinema, particularmente, de quatro realizadores: Kieslowski, Hitchcock, Lynch e Tarkovski. Sendo que três dos meus cineastas preferidos são os três últimos referenciados, não poderia deixar de me aventurar na leitura do livro. O ensaio que achei mais interessante foi o que Zizek escreveu sobre o universo de David Lynch, talvez porque o seu cinema estabeleça uma ponte, mais ou menos óbvia e directa, com a psicanálise. Sobre o cineasta russo Tarkovski, Zizek aprofunda as raízes e motivações de ordem política e cultural da Rússia do realizador de "Stalker" para caracterizar a essência de um autor metafísico e complexo. Sobre os ensaios de Hitchcock e Kieslowski, ainda só li passagens inconclusivas.
Seja como for, o livro "Lacrimae Rerum", com os seus ensaios focados na estética e na semiótica das imagens, levanta novas perspectivas críticas em relação ao cinema, ao seu poder de intervenção no real e ao simbolismo filosófico que representa na cultura contemporânea. Uma leitura surpreendente, desafiadora e exigente.

1 comentário:

wendell disse...

Li muito pouco sobre Zizek, apenas algumas matérias esparsas encontradas na internet. Quando tiver mais tempo dou uma olhada nos seus escritos sobre Kubrick. Obrigado pela visita ao blogue.