19h30. Ligo a televisão e, ao fazer zapping, vejo dois minutos da TVI, canal que transmite a série "Morangos com Açucar". Durante esses dois minutos, acontece isto: um casal de namorados adolescentes beija-se na rua; a seguir, os dois vão para casa e rebolam no sofá em poses eróticas. Entra um rapaz na casa (amigo, irmão, não sei) que faz um comentário do tipo: "Outra vez enroscados um no outro? Só pensam nisto!". O namorado da miúda pergunta: "Mas qual é o problema dele?". A namorada, com olhar cínico, esclarece. "Falta de sexo!". A cena imediatamente a seguir: um outro casal imberbe, deitado na cama superior de um beliche, deleita-se em beijos ardentes. Tudo no espaço de um ou dois minutos, tudo em horário nobre.
Não é que me choquem estas cenas. De todo. A questão é que não percebo o primarismo desta obsessão pela erupção das hormonas sexuais nos adolescentes. Será culpa apenas dos argumentistas que querem incutir dicas de "educação sexual" nos espectadores teenagers? Ou tem mesmo a ver com a má ficção generalizada que se faz na televisão portuguesa e nos lugares comuns fúteis ao nível do argumento, da interpretação, dos diálogos, da realização? Esta série, como outras, tenta projectar a complexidade social ao nível mais baixo dos instintos básicos, reproduzindo os estereótipos sociais da maneira mais fácil, e reduzindo o universo adolescente a um paradigma de índole meramente sexual. Haja paciência...
13 comentários:
Já perdi a minha, com merdas destas.
Victor,
Vou lançar aqui um tópico, provavelmente um pouco deslocado (à pos moderno :-) ), mas ainda assim vou arriscar: esse episódio que contas é mais um efeito do produto gratuito das tv`s generalistas. Assim, a TV, porque é grátis, não pode pagar aos melhores artistas que demoram anos a formar-se como actores (pelo menos não pode pagar a dezenas de bons artistas para fazerem estas séries) e tem de vender o que o povo quer comprar. Ora, o que é que o povo quer comprar? Frivolidades: novelas, futebol e cervejolas. Garanto-te que se as pessoas quisessem programas a falar sobre surrealismo, com qualidade, a essa hora, a TVI apresentava-os. As pessoas são livres e a TVI não vive do ar. Se a TVI apresentasse programas que não abordassem sexo pimba, musica pimba e coisas que tais pimba, arriscava-se a fechar as portas, o que não perturbaria nada gajos como nós, mas aparecia logo uma substituta à altura. É o mesmo que se passa com o jornalismo: os jornais são cada vez mais, gratuitos. O que vemos neles? Poucas notícias que chateiem as pessoas e muita publicidade e historietas de caganeira, pois é isto que as pessoas querem. Depois é sempre engraçado ver algumas pessoas a pegarem nesses jornais e criticarem que estão cheios de erros. Pois estão, porque são grátis e não dá para andar a pagar a jornalistas bem formados nas melhores universidades.
A internet é cada vez mais exemplo disso: como é cada vez mais gratuita, 90% do que por lá aparece é lixo puro, frivolidade absoluta, tal como o episódio que viste dos putos aos beijos como se o interesse no mundo de um adolescente se esgotasse num beijo a uma garota. Portanto, o gratuito, não é uma afronta ao capitalismo, mas alimenta-o de uma forma ainda mais esquizofrénica do que o que pagamos. Achas esta uma boa hipótese? Tenho pensado muito nisto nos últimos tempos, já que também eu fui psicofodido a pensar que o gratuito era uma boa base para um novo modelo de troca cultural.
Ah, outra coisa: é precisamente a cultura do gratuito que coloca no mesmo patamar qualquer amador com profissionais que trabalharam e estudaram anos. Nós vemos isso com pessoas que foram afastadas do meio jornalistico como o Torcato Sepúlveda do Público. Repara: que influência tem hoje um jornalista como o Vitor Belanciano? Aqui há uns anos era uma referência. Hoje anda suplantado pelos pseudo jornalistas anóninos dos blogs, a maior parte deles sem um terço da formação do Belanciano. A geração grátis vai cresecer com os erros dos anónimos, escravos que trabalham gratuitamente para a Wikipédia e nunca vão conhecer na vida a grande encilopédia universalis. Por quê? Eh pá, porque quem escreve a segunda são especialistas, que demoram muitos anos a investigar e cobram caro pelo seu trabalho e quem escreve a primeira, a wiki, são amadores que souberam as coisas no café a ver a bola. Claro que os especialistas também já publicam na wikipédia, mas isto é a morte do artista já que estão a oferecer , sem cobrar, anos e anos de trabalho e investigação. Ninguém nas novas gerações se vai esforçar para tanto, já que as pessoas tem de se alimentar. Bolas para o grátis. Cada vez vejo pior essa coisa do gratuito. E olha que muitas vezes me lembro desse nosso velho amigo da Guarda com a casa cheia de livros e discos, que já alertava deste problema muito antes da massificação da internet. Ele tinha razão.
Rolando: concordo com a tua primeira observação. As televisões estão formatadas com vista à padronização do gosto cultural e a internet tem esse lado perverso do excesso de informação (que não significa conhecimento) que confunde e sobrecarga os espíritos mais jovens e menos eslcarecidos. Essa série "Morangos com Açucar" é puro lixo gratuito, uma falsa visão de uma geração supostamente "rebelde", que incute nos adolescentes a falsa ideia do facilitimo do sucesso artístico, do paradigma da beleza física para alcançar esse sucesso...
Havia mais realismo e veracidade num só episódio da antiga série espanhola - "Verão Azul" do que em todos os "Morangos com Açucar". Acho que devia haver um estudo sociológico sobre esta série da TVI, nem que fosse para saber até que ponto os teenagers se identificam, ou não, com o conteúdo da série: personagens, situações, problemas... É que me custa a creditar que todos os adolescentes sejam como os que são apresentados na série.
E sim, o nosso amigo com a casa cheia de livros e discos é que teve razão antes do tempo.
Claro que nem todos os adolescentes não são como os morangos com açucar, felizmente ainda existem jovens que sabem falar sem ser por palavras de uma ou duas sílabas, e alguns ainda conseguem falar connosco olhando nos olhos e não enquanto enviam sms's a uma velocidade sôfrega.
Estranhamente, ultimamente tenho achado que os morangos têm feito um certo serviço público que as escolas insistem em fazerem tabu - a educação sexual. Fair enough. Os problemas são de outra ordem.
O problema com os morangos é mais na ordem dos estereótipos, das tribos, da deturpação de realidade, e do facilitismo em se atribuir etiquetas de "bom" ou "mau" às coisas e às pessoas.
Perdão por meter a colher, mas bem vista a programação e isto do começo ao fim do dia, qualidade não é propriamente uma dos requerimentos. Mas vende, e isto quer dizer alguma coisa. Que a maior parte compra. Cabe a todos nós tentar fazer a diferença. Eu não tenho televisão em casa e hoje ao jantar viu-se simpsons e mr. bean e os miudos adormeceram a ver os marx brothers (sem tv mas mts pc's).
Quero dizer com isto que a internet faz diferença, não obstante haver bom e mau, mas há escolha. E digo-lhe que tenho aprendido muito com a wikipédia e com muitos blogs, este por exemplo. E quanto mais conheço mais selectiva vou ficando. Como eu, muitos haverá. Pode ser um bom começo para sermos consumidores mais exigentes.
o povo somos todos! (para o ronaldo)
Mas tem de ser paciência de santo....
é por isso que esta serie de tv é a coisa mais podre de sempre ahah
anyway, vou antes ao meu verdadeiro proposito deste comment, deixo-lhe aqui algo que nao sei se pode interessar, mas como cinéfilo assumido, é capaz: http://3.bp.blogspot.com/_EXNM2zcrSgI/S3RLfWN_W2I/AAAAAAAABCU/KsWIsqgrJtc/s1600-h/movies+map.jpg
:)
@Miguel: Essa imagem está fantástica!
Obrigado Miguel. Bem interessante.
1) É péssima ficção;
2) De uma estação generalista de TV comercial, só por ingenuidade, se pode esperar pérolas (quando acontecem, é por acaso e quando, acontecendo, têm sucesso, quase se chega a crer que deus existe);
3) A "obsessão pela erupção das hormonas sexuais nos adolescentes" é, como dizer?... a "obsessão pela erupção das hormonas sexuais nos adolescentes". E olhe que existe mesmo, com morangos ou sem morangos. Faça lá rewind da memória e vai ver que se recorda. E, se tudo correr bem, poderá deixar de ser "obsessão", poderá já não ser consequência da "erupção", mas vai continuar a gerar boas e más séries, bons e maus filmes, boa e má literatura, boa e má música. E bom e mau sexo.
C'est la vie.
Oui, je comprend trés bien. C'est la vie. :)
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