Tive a sorte de ver o filme "48" em Outubro de 2010, num encontro cinematográfico no Teatro Municipal da Guarda. Dos vários filmes exibidos, este documentário de Susana de Sousa Dias, foi o que me causou mais espanto: pela inovação estética, pelas opções de realização, pela austeridade formal e pelo lado comunicacional fortemente eficiente.
Baseado nas fotografias de arquivo que a PIDE tirou dos prisioneiros políticos durante o regime fascista de Salazar, "48" explora os rostos desses prisioneiros antes e depois da experiência prisional (que quase sempre era acompanhada por terríveis suplícios de tortura e opressão).
Ao mesmo tempo que o espectador vê, em imaculados planos fixos, os rostos de desespero e angústia, ouve o testemunho das terríveis experiências passadas pelos presos. São rostos que interpelam, incomodam, questionam a própria substância e valor de uma imagem. A montagem, minimalista e quase ascética, abdica da tradicional estratégia narrativa, optando por estruturar o filme como uma sequência rígida de fotografias (separadas por suaves "fade-out" durante 90 minutos). A sonoplastia é subtil mas suficiente para aumentar o ambiente austero e emocional das imagens e respectivos relatos. Os silêncios incómodos também abundam nos depoimentos angustiados das vítimas (chega-se a ouvir a respiração dos homens e mulheres).
São testemunhos pungentes de homens e mulheres vulgares que sofreram nas mãos de carrascos a mando de um sistema mais violento do que se julga. São rostos que falam, que expressam variadas emoções e provam a violência psicológica exercida pela polícia política de Salazar. O filme "48" é, por isso, um documento fascinante sobre a ditadura e uma experiência audiovisual única, exigente, original, com um grande significado histórico e que contém uma força interior serena que chega a perturbar (não admira que tenha conseguido variadíssimos prémios pelos festivais por onde tem passado).
"48" estreou esta semana e é o grande destaque do Ípsilon desta semana.
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