No genial filme “The Shining” do genial Stanley Kubrick, a loucura apodera-se de Jack Torrance (Jack Nicholson) enquanto tenta arranjar inspiração para escrever o seu livro no isolado Overlook Hotel.
O estado mental de Torrance sofre alucinações progressivas e a espiral de violência psicológica adensa-se perigosamente junto do resto da família. Numa determinada sequência do filme, a mulher de Jack Torrance, Wendy (Shelley Duvall), descobre, horrorizada, que o marido tinha passado dias a redigir, obsessivamente, a mesma frase na máquina de escrever: “All Work and no Play Makes Jack a Dull Boy”. Jack Torrance escreveu dezenas de páginas com a mesma frase, apenas disposta na folha branca de formas diferentes, jogando com o efeito visual das palavras.
Começa nesta cena, aparentemente banal e inconsequente, a descida aos infernos encenada por Kubrick de forma absolutamente terrorífica.
Vem isto a propósito de um livro que comprei do jornalista Lauro António sobre três realizadores: David Griffith, Orson Welles e Stanley Kubrick.
A escrita de Lauro António é despojada de academismos eruditos e é conhecida pela sua fácil comunicação com o leitor. Mas isto não implica que haja desleixo em traduções aparentemente simples. É que, Lauro António revela, no seu livro, (capítulo dedicado a "The Shining"), que a frase "All Work and no Play Makes Jack a Dull Boy" significa "Trabalhar e Não Brincar Faz de Jack um Rapaz Risonho". A frase parece estar bem traduzida até... "Dull". Risonho?
Qualquer consulta a um dicionário comprova o significado da palavra "Dull": "aborrecido", "enfadonho", "entendiado", "amorfo"... Nunca se vislumbra qualquer semelhança remota com "risonho". Mais: que significado teria para Jack tornar-se num "rapaz risonho", no contexto dramático do filme?
Só se entendermos por "risonho" aquele sorriso maquiavélico e verdadeiramente medonho que Jack Nicholson produz ao longo do filme...
3 comentários:
Victor. Sendo eu um enorme fã do Kubrick, sempre achei estranho, o facto dos filmes dele nem sequer aparecerem nomeados no festival de Cannes. O mesmo se passa para Berlim, e há uma passagem quase insignificante por Veneza.
Em tudo o que li sobre o Kubrick não encontrei resposta para isto.
Será que são os realizadores que submetem os seus filmes aos festivais - por sua vontade - e ele não o fazia? é isso? Não sei...
Se me puderes ajudar ;) Abraço
Olá João.
É uma dúvida deveras pertinente. É verdade que os filmes não passavam nos principais festivais (como não passaram os do Hitchcock). Mas eu julgo que tem uma explicação muito simples e pragmática: Kubrick não gostava de festivais, da feira de vaidades que os festivais representavam, nem procurava os prémios ou o reconhecimento do público e da crítica. Era alheio às críticas, assim como aos elogios. Fazia cinema pelo puro amor à arte segundo o que ditava o seu inesgotável espírito criativo.
É a minha opinião.
Pois... é possível que seja isso de facto. Gostei de saber a tua opinião. Obrigado!
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