quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

América psicótica


Recentemente, um novo massacre foi perpetrado por um estudante numa Universidade Norte-americana (Illinois). Stephen Kazmierczak, um ex-estudante de Sociologia daquele Universidade, sem precedentes criminosos, colega afável mas solitário, irrompeu no auditório no passado dia 14 de Fevereiro, disparando indiscriminadamente. Matou 5 alunos, feriu 16. Certa comunicação social culpabiliza o facto do assassino ser viciado num jogo de vídeo violento (“Counter Strike”) como causa para a matança. Este jogo é muito popular entre a comunidade virtual e é jogado por muitos milhões de jovens em todo o mundo. Serão todos potenciais assassinos? Claro que a resposta é complexa e mexe com vários factores. Quase previsivelmente, este não será o último tiroteio em massa a ocorrer em locais públicos nos EUA. A violência está inscrita nos genes da América. O fascínio que os americanos têm pela cultura das armas e pela violência advém das reminiscências do Oeste selvagem. O tema foi explorado por Michael Moore no seu documentário “Bowling for Columbine”, e inúmeros ensaios, livros e estudos, têm tentado explicar o fenómeno. Os homicídios, sem motivação aparente, continuam a espantar a opinião pública (todavia, por vezes esquecemos que a América não é o único país violento do mundo; só durante os dias de Carnaval do Rio de Janeiro foram assassinadas 80 pessoas). Mas é quase sempre nos EUA que surgem os casos de violência mais espectaculares e mediáticos. A América é a terra natural dos serial killers, é a terra dos massacres, dos crimes mais hediondos e intrincados (vide o filme “Zodiac” de David Fincher), dos assassínios de figuras públicas. E a obsessão dos americanos pela violência e pelo crime é historicamente fértil. Paralelamente, a investigação forense também exerce um grande fascínio junto do cidadão comum. O estudo da mente de um criminoso (sobretudo da de um serial killer) é matéria vasta para dissertações teóricas e científicas. O lado negro da mente humana emerge como matéria de fascínio e de desconcerto perante a racionalidade das coisas.
Na literatura, no cinema e nas séries de televisão, a criminologia, a morte violenta, e as patologias sociais associadas, são temas extremamente recorrentes e explorados até à saciedade. Os recentes sucessos no campo das séries televisivas têm forte relação com este panorama – CSI, 24, Dexter, Prison Break, Ossos, Lei e Ordem são apenas alguns exemplos. Na literatura, basta referir o sucesso de Truman Capote com o livro “A Sangue Frio”, espantoso relato semi-jornalístico, semi-ficcional, de um homicídio brutal na América rural dos anos 50. Haveria muito mais para mencionar, mas fico-me apenas por mais este exemplo: “American Psycho” (na imagem), livro do escritor da chamada Geração X, Bret Easton Ellis, perturbante retrato de uma viagem ao abismo na violência mas sádica e desbragada, numa sociedade americana dos anos 80 afogada em yuppies consumistas e falsa serenidade social. O livro foi adaptado para cinema pela realizadora Mary Harron (2000), com o actor Christian Bale possuído como um urso em fúria. Bale é Patrick Bateman, durante o dia um cumpridor executivo da bolsa, obcecado pelos bens materiais, fatos de alta-costura, culto do corpo e restaurantes elitistas. À noite, Patrick transforma-se num monstro sanguinário e implacável, assassinando, sem dó nem piedade, almas penadas que vagueiam pelos becos de Nova Iorque. A visão ficcionada de Bret Easton Ellis recalca a ferida aberta que é a violência desmedida e sem motivação aparente. Reflecte o mal civilizacional e que se tornou o homem nesta era do vazio. Uma América cada vez mais psicótica. Uma América que gosta de ostentar a bandeira da liberdade, da democracia e das oportunidades, mas que vive num limbo de sordidez e violência.

3 comentários:

Unknown disse...

A propósito deste tema e se tiveres tempo, também aconselho a leitura do livro de DBC Pierre, "Vernon Little, O Bode Expiatório", Booker Prize em 2003, o prémio mais rápido de sempre a ser atribuído por unanimidade. O juri deliberou e atribuí-o em menos de 1 hora.Editado em Portugal pela Gradiva.
jPinto

Unknown disse...

Em relação a filmes, creio ter havido uma omissão importante: o genial (na minha opinião) "Elephant", também baseado em Columbine e superiormente dirigido por Gus Van Sant, um "habitué" deste excelente blog.
jPinto

Unknown disse...

João: por acaso não me ocorreu o "Elephant", mas encaixava muito bem no contexto do artigo. Mas era impossível num pequeno texto mencionar todos os grandes filmes que abordam esta temática. Ficou muito material de fora (como a referência a "Henry, Retrato de um Assassino"). Vou averiguar essa sugestão do Booker Prize.