segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Sobre a leitura de "Ulisses"

Há tempos li num jornal que o livro "Ulisses" (1921), de James Joyce, foi considerado o "melhor romance jamais escrito" (figurava em 1º lugar numa lista com cem títulos).
Joyce foi, inegavelmente, um rigoroso estilista da língua, um modernista visionário, um inovador formal sem paralelo (só Marcel Proust se lhe poderá comparar). A sua prosa de extraordinária invenção narrativa quebrou normas instituídas e abriu novas portas na experiência literária. Não admira que o escritor irlandês tenha demorado 7 anos a escrever tão monumental obra, cuja história se desenrola num único dia na vida de Leopold Bloom.
James Joyce construiu uma complexa e densa estrutura narrativa, refutando academismos convencionais. Mas "Ulisses" é, igualmente, um romance de grande exigência para o leitor (como é "A Montanha Mágica" de Thomas Mann ou "O Homem Sem Qualidades" de Robert Musil).
A escrita de escritor irlandês parece emaranhar-se em múltiplas linhas narrativas em simultâneo, numa prosa nem sempre inteligível, desorientando o leitor menos prevenido.
Não admira, por isso, que na edição da "Livros do Brasil" que possuo (na imagem), o tradutor disserte sobre a extrema dificuldade técnica que acarretou a tradução do romance para português. Tal dificuldades deveu-se à complexidade de trocadilhos linguísticos, neologismos, recursos expressivos e trocadilhos imaginados e trabalhados por Joyce. O problema é que este rigor técnico e esta exigência formal podem, a meu ver, anular (ou reduzir) o prazer estético da própria leitura.
Daí que eu nunca tenha conseguido chegar ao fim da leitura de "Ulisses" (li apenas dois ou três dos seus 18 capítulos). O mesmo aconteceu com diversos amigos meus. No entanto, esta obra é quase sempre referenciada como essencial na literatura do século XX, facto que suscita uma interrogação paradoxal no meu espírito: será "Ulisses" de Joyce a obra literária mais citada (seja pelo comum dos leitores, seja por críticos literários encartados) e, porventura, a menos lida?

8 comentários:

Paulo Assim disse...

Nunca li.
Quero ganhar coragem para o fazer.

Rolando Almeida disse...

A tua pergunta faz todo o sentido. O que não falta no mundo das artes e da literatura é reverência oca e vazia. No caso da poesia ainda é pior. Andei anos a fio a pensar que eu era um tonto por não sentir a poesia de Rilke, por exemplo, ou por achar que alguns poemas do Herberto Helder eram idiotas. Hoje sei que a ser tonto, não gostar de alguns poemas de Herberto Helder ou de rilke não será a explicação. É que muita da reverência pela poesia, literatura e até cinema era pura pedantice.

PG disse...

A literatura não é de todo uma área que eu me mova confortavelmente - mas de facto sinto que este é um livro muito citado. E pelo que explicas, acredito que muita gente nunca sequer o leu.
Com as devidas separações temporais e de universalidade, o mesmo se passa na música com os Tédio Boys - li uma declaração do próprio Paulo Furtado a dizer que é provavelmente a banda mais falada e referenciada por um batalhão de pessoas, e ao mesmo tempo a menos ouvida (verdade seja dita, 90% das pessoas que falam deles, não sabem dizer o nome de uma única canção).
E não é por terem acabado à muitos anos, e nem terem dado assim tantos concertos em portugal, porque têm vários registos editados, e ainda disponíveis no mercado (inclusive editadas pelo mediafire, rapidshare, e quejandos :)

NanBanJin disse...

Confesso que também nunca lhe peguei.
Joyce assusta, Joyce espanta os seus potenciais leitores como um espantalho afugenta os pássaros menos 'experientes'.
Talvez um dia destes lhe pegue... ao original em Inglês.
(Não faço a menor ideia se conseguirei passar do 1º capítulo... ou das primeiras dez páginas!)
Em todo o caso, não será inoportuno lembrar que a tradução editada pela 'Livros do Brasil' é considerada uma das melhores traduções de sempre desta monumental obra.
Um referência, tão-só.
É um 'repto', como o deste 'post', aquilo que nos pode levar a respirar fundo e 'enfrentar' o autor e a sua obra. Vamos a isso!

Grande Abraço,
do Japão,

Luís Afonso, NBJ

Beatrix Kiddo disse...

eu vou-me dedicar primeiro ao Proust e dps a esse

Beatrix Kiddo disse...

com intervalos pelo meio

PortoMaravilha disse...

Olá !

Fiquei agora curioso : De quando data a tradução da editora citada ?

Eu só li a tradução Francesa de Philippe Lavergne ( ed Gallimard, Paris, 1982 / salvo erro quanto ao ano ).

É uma tradução que durou anos e comporta inúmeros apontamentos em fim de página, para esclarecer o leitor.

Acho que já foquei a dificuldade de traduzir neste espaço. Veja-se o desastre da tradução Francesa ( mas criticar é fácil ) do Joyce de expressão Portuguesa : Grande : Sertão Veredas, de Guimarães Rosa.

Acho que estão a ser otimistas ou se calhar sou eu que vivo fora do mundo. Não sabia que Joyce era assim tão citado. Se já o fosse já era um passo positivo. Igual quanto a Guimarães Rosa ou Claude Simon ( caso atípico dum escritor que ganha o prémio nobel e continua desconhecido em França ).

Talvez R. Barthes, no início das suas primeiras obras tivesse razão : A escrita não é um intrumento de comunicação...

Nuno

PortoMaravilha disse...

Olá,

Enganei-me.O que mostra que quando temos mais de meio século de existência a memória por vezes falha.

P. Lavergne não é o tradutor de Ulysses, mas de "Finnegans Wake" do mesmo autor, de Joyce.

Peço desculpa por este lapso.

Quanto ao resto, mantenho o que escrevi.

Nuno