terça-feira, 30 de novembro de 2010

A estética de Leni


Independentemente da habitual controvérsia à volta desta fotógrafa e realizadora (amante de Hilter? Colaboracionista do regime nazi? Elemento de propaganda de Goebbels?), o que importa é que se torna necessário perceber que Leni Riefenstahl realizou dois dos mais espantosos documentos visuais da História do Século XX, designadamente, da História que precedeu a 2ª Grande Guerra Mundial.
A rigorosa composição plástica das imagens, o ritmo meticuloso da montagem, os ângulos e planos inovadores, o "zeitgeist" que transpira em cada sequência filmada, a apoteose coreográfica das paradas militares e os jogos de encenação teatral dos atletas (em "Olympia"), dos soldados e de Hitler (em "O Triunfo da Vontade"), fazem destes documentários objectos de um inigualável fascínio estético (mesmo que a ideologia do nacional-socialismo totalitário nazi que está subjacente a estes documentários seja alvo de incondicional repúdio - que é o meu próprio caso).
Em Portugal estão editados, que eu tenha conhecimento, estes dois filmes que consagraram para a eternidade a realizadora alemã Leni Riefenstahl: "Olympia" (1938) e "O Triunfo da Vontade" (1934).

Playtime #28

A solução: "Do The Right Thing" (1989) - Spike Lee
Quem descobriu: Toni

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Excluídos da sociedade: a visão de Buñuel

Com a crise, aumenta o número de pobres em Portugal e no mundo. As televisões nacionais deram conta, hoje, que existem cada vez mais sem-abrigos nas grandes cidades resultantes da crise económica.
No mundo, há 900 milhões de pobres que vivem com privações inimagináveis todos os dias. E sempre que se fala em pobreza, em desigualdades e injustiças sociais e em excluídos da sociedade, lembro-me das inerentes formas de representação no cinema, cujo principal retratista terá sido Luís Buñuel.

"Viridiana" (1961)
O realizador espanhol explica na sua autobiografia ("O Meu Último Suspiro") que em vez de sentir comiseração e pena pelos indigentes e excluídos da sociedade (como é o sentimento geral de qualquer cidadão), Buñuel manifestava profundo sentimento de respeito e de dignidade para com os mais necessitados. Em muitos dos seus filmes vemos personagens que eram autênticos marginais sociais, pedintes, vagabundos, meliantes, cegos (muitos cegos). Em contrapartida, Buñuel apontava o dedo crítico à classe burguesa e ao clero, que eram consideradas as mais degradantes e iníquas da sociedade. Há, especialmente, dois filmes centrais nos quais os pobres e marginais são elementos fundamentais no cinema buñueliano: o documentário “Las Hurdes, Tierra Sin Pan” (1933), que Buñuel realizou logo a seguir aos escandalosos e surrealistas “Un Chien Andalou” (1928) e “L’Age D’Or” (1930).
"Los Olvidados" (1950)
As Hurdes situam-se numa região montanhosa e inóspita na fronteira de Espanha com Portugal, uma região de tal forma atrasada no tempo que os habitantes ainda viviam de modo quase medieval. Pela forma poética e até surrealista como Buñuel retratou este povo esquecido, o filme “Las Hurdes, Tierra Sin Pan” foi proibido durante décadas, porque segundo as autoridades, denegria a imagem de Espanha.
Mais tarde, no México, Luís Buñuel realizou o filme “Los Olvidados” (1950), verdadeira obra-prima do cinema mundial. Neste filme, Buñuel contratou jovens indigentes e delinquentes dos subúrbios da cidade do México, fazendo uma verdadeira análise social de uma franja da sociedade altamente carenciada em todos os aspectos. Um olhar amoral sobre o fenómeno transversal e complexo da exclusão social.
Um outro filme que explora a dimensão humana dos mendigos e vagabundos do mundo: “Viridiana” (vencedor da Palma de Ouro em Cannes 1961), espantoso drama no qual estes excluídos da sociedade desempenham um papel predominante numa espécie de análise seca e fria da natureza humana, com a religião como centro de todas as divagações morais. É neste filme de Buñuel que surge a célebre e polémica representação da última ceia de Cristo com os pobres à mesa que era “propriedade” da alta burguesia.

"Las Hurdes" (1933)
O olhar cirúrgico e crítico de Buñuel sobre a sociedade em que vivia faz falta aos governantes de hoje. Por isso o cinema deste cineasta espanhol foi sempre tão incómodo para as autoridades, pelo seu carácter social altamente denunciador, pela sua visão libertária do mundo, pela sua crítica face às desigualdades sociais e aos valores pasteurizados da burguesia e das suas frivolidades.
E Buñuel não abordava apenas a pobreza material como matéria de análise; criticava também a pobreza de espírito das instituições e da classe dominante.
Por isso penso frequentemente: perante esta crise económica e social que proporciona todo o tipo de "novos" excluídos e pobres, muitas vezes associada a diversas formas de delinquência e violência, que filme faria hoje Luís Buñuel sobre esta sociedade?

A morte de um comediante


Morreu hoje Leslie Nielsen, aos 84 anos. Foi protagonista de algumas das mais tresloucadas e subversivas comédias "non-sense" dos anos 80 e 90, como o filme "Airplane!" (1980) ou a série "The Naked Gun".

domingo, 28 de novembro de 2010

A Nova Iorque de Woody Allen


Pensar no cinema de Woody Allen é, à partida, incontornável pensar em Nova Iorque. Muitos dos seus filmes tiveram como cenário a intensa e fotogénica cidade que "nunca dorme". Neste contexto, em Espanha acaba de ser editado um livro suculento para os fãs do realizador e/ou da cidade norte-americana: um livro em jeito de guia turístico que revela 75 lugares (ruas, avenidas, edifícios, jardins, lojas...) de Nova Iorque que serviram de cenário a muitos filmes de Allen.
Dois exemplos simples: Village Chess Shop, que serviu de cenário para o filme "Whatever Works":

E Bank Street, rua na qual viveram Yoko Ono e John Lennon (antes de se mudarem para o edifício Dakota) e que serviu de cenário para o filme "Manhantan Murder Mistery":

Playtime #27


A solução: "About Schmidt" (2002) - Alexander Payne
Quem descobriu: Luis Mendonça

Actrizes: a importância da roupa


Um bom guarda-roupa é fundamental para um dar credibilidade a um filme de época ou de género. Confesso que é uma área à qual não sou especialista nem nunca liguei muita importância no cômputo geral da matéria cinematográfica. Mas reconheço a inegável relevância de um bom guarda-roupa em determinados filmes (nuns mais do que outros, mais no lado feminino do que no masculino).
O jornal inglês "Mail Online" divulgou um artigo em que enunciava os 10 melhores guarda-roupas de actrizes. Não é de admirar que Audrey Hepburn esteja duas vezes mencionada na lista, já que é considerada uma das mais elegantes mulheres do cinema de sempre. Já outras opções me parecem mais discutíveis, mas as listas valem pelo que valem...
O top 10 aqui.

A arte de Tim Burton em livro


sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Discos que mudam uma vida - 125


Coil - "Horse Rotorvator" (1986)
Em homenagem ao músico visionário Peter Christopherson, falecido dia 24 aos 55 anos. Membro fundador de projectos essenciais da música experimental e electrónica: Throbbing Gristle, Psychic TV e Coil (entre dezenas de outras colaborações com músicos e bandas). "Horse Rotorvator" é proventura a obra-prima dos Coil, que eu tanto ouvi ainda numa gravação em cassete áudio. Um disco denso, sobre as obsessões da morte e do sexo, temas industriais à mistura com versões extraordinárias, por exemplo, de um clássico de Leonard Cohen:

A arte de Chris Cunningham


Na história recente da cultura do videoclip (antigamente designado teledisco), há cinco ou seis grandes realizadores que deixaram marca autoral: David Fincher (agora realizador de cinema), os conhecidos Spike Jonze e Michel Gondry, Floria Sigismondi (autora do célebre "The Beautiful People" de Marilyn Manson, entre outros), Jonathan Glazer (realizou em 2004 o interessante "Birth" com Nicole Kidman) e Chris Cunningham.
Este último é, quanto a mim, o maior de todos, ainda que a sua produção seja, porventura, menor em quantidade relativamente aos restantes realizadores.
Realizou spots publicitários (Playstation, por exemplo), videoclips para artistas pop mainstream - Madonna e Björk e para seminais projectos da electrónica experimental - Autechre, Aphex Twin, Squarepusher (da editora Warp Records). Mas para a cultura do audiovisual da década de 90 ficará para sempre essa impressionante obra que é "Come to Daddy" (1997) de Aphex Twin, verdadeiro compêndio simbiótico de negritude estética, cibernética alienada, música libertária, terror alucinatório e imagens em erupção catatónica (considerado um dos melhores videoclips de sempre).
Cunningham aprendeu com o mestre: Stanley Kubrick, com quem trabalhou um ano para o projecto nunca concluído "I.A." (posteriormente realizado por Spielberg).
Em 2005, Cunningham realizou uma espécie de sequela de "Come to Daddy", onde um corpo mutante e disforme (reminiscências das mutações genéticas de David Lynch e David Cronenberg) chamada "Rubber Johnny" dança, de forma aterradora e distorcida, uma polirrítmica música de... Aphex Twin.
Já não é propriamente um videoclip com a estrutura convencional, é antes um formato mais ambicioso, próximo da curta-metragem de ficção. E é outro legado estético insusbtituível da cultura das imagens para a primeira década deste novo milénio.
Last but not least: Chris Cunningham prepara, já há algum tempo, a adaptação para cinema do célebre livro da cultura cibernética "Neuromancer" do guru tecnológico William Gibson. Aguarda-se nada menos do que uma bomba.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A atracção pelas luzes


Quando faço uma viagem de carro durante a noite e me cruzo com outros carros em sentido contrário, por vezes lembro-me de uma cena do filme"Annie Hall" (1977) de Woody Allen. Nessa cena, o actor Christopher Walken conduz um carro de noite com Woody Allen no lugar de co-piloto.
Walken interpretava um personagem com comportamentos bizarros e inseguros e, durante todo o percurso, vai sempre em silêncio com o olhar fixo na estrada. De repente, com o ar meio alucinado, Christopher Walken diz: "Sabes, sinto uma estranha atracção pelas luzes dos outros carros que vêm na nossa direcção. Às vezes sinto que devia ir ao encontro dessas luzes...". Woody Allen não responde, faz uma cara de caso e só pensa em chegar seguro ao destino!

Remontar e construir de novo

Na era digital, a manipulação das imagens e dos sons tornou-se banal e acessível a qualquer utilizador de software de edição.
Na internet (sobretudo no YouTube), existem muitos exemplos de manipulações de filmes que têm dois propósitos (digo eu): divertir e subverter a natureza/significado original de uma obra. São exercícios que se confinam a um trailer modificado de filmes famosos, designados "trailer recut", ou remontagem em forma de trailer. E ao fazer um recut faz-se uma reconstrução da história, a qual pode ser bem verosímil para quem não conhecer o original. Assim se prova o poder da montagem no cinema (e no audiovisual, em geral).
Neste post já tinha referido o caso paradigmático do filme de terror "Shining" de Kubrick, transformado numa comédia familiar.
Mas a verdade é que não param de crescer outros exemplos na internet, como estes três magníficos exemplos de subversão do género cinematográfico, fazendo-se valer de algum talento na remontagem de imagens, inserção de legendas, narração em off e música/efeitos sonoros. E se o trabalho ficar bem feito, em menos de dois minutos de trailer, um filme de terror pode adquirir um significado oposto ao original, ou uma comédia musical parecer um terrível filme de terror. É o que acontece ao vermos estes três exemplos de falsos trailers.
Até Mary Poppins parece ser a encarnação do mal; o filme "Seven" torna-se numa comédia familiar de Domingo à tarde da TVI e o trailer do filme "A Lista de Schindler" conta a história romântica de um sedutor mulherengo! Simples e eficaz.
Nota: é importante ouvir a música e a narração em off destes trailers porque constituem elementos-chave que criam a percepção ilusória no espectador (a par da montagem).





O filme de hoje

O filme para ver hoje:

"A Greve" (1925) de Sergei Eisenstein.
Nota: para além da qualidade óbvia do filme (e do seu conteúdo político/social), chamo a atenção para a extraordinária banda sonora original criada pela Alloy Orchestra (é um ensemble de apenas 3 músicos!), que já musicou filmes de Dziga Vertov, Buster Keaton, Murnau, Sternberg ou Fritz Lang.
A este respeito aconselho vivamente a ver e ouvir a parte 9/9 do filme de Eisenstein.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Vestir-se como Alex

É sabido que o filme "Laranja Mecânica" de Kubrick produziu uma forte controvérsia derivada da violência exercida pelo grupo de Alex. Mas também é sabido que a iconografia dos seus personagens deixou marcas na cultura popular.
De tal forma que, ao longos dos anos surgiram inúmeras referências à estética de "Laranja Mecânica", sobretudo ao nível do vestuário (os Gnarls Barkley vestiram-se desta forma há uns anos - ver imagem em baixo).
Mesmo sabendo isso, fiquei surpreendido ao deparar-me que a Amazon vende, peça por peça, as diversas componentes do vestuário icónico do filme: suspensórios, chapéu, bengala, protecção genital (!), camisas brancas, botas militares e até pestanas para imitar, na íntegra, o estilizado look de Alex.
E descobri, igualmente, que se organizam festas temáticas com base na obra de Kubrick com prémios para os melhores disfarces! Desde homens, mulheres, crianças, pessoas anónimas até figuras públicas da música ou do espectáculo, toda a gente parece sentir-se atraída pela estética "Laranja Mecânica" (nem falta o copo de leite como adereço!).
Basta ver este site ilustrativo (entre outros que pululam na internet).



Playtime #26


A solução: "Christine" (1983) - John Carpenter
Quem descobriu: João Palhares

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Artista e intelectual


“As pessoas enganam-se sempre em duas coisas sobre mim: pensam que sou um intelectual (porque uso óculos) e que sou um artista (porque os meus filmes perdem sempre dinheiro).”
Woody Allen
_____
Eis duas premissas verdadeiras que se podem aplicar a muitos criadores. Porém, no caso de Woody Allen, fazem todo o sentido: é um intelectual (não só porque usa óculos) e é um artista (não só porque os seus filmes perdem dinheiro).
E não, não estou enganado, Sr. Allen.

Discos que mudam uma vida - 124


Nirvana - "Bleach" (1989)
Mais do que "Nevermind", "Bleach" impressiona pela atitude, a visceralidade, os riffs sujos, a revolta, a abertura de horizontes, o confronto, os gritos, a energia.

O Homem Que Sabia Demasiado - 3 anos


No dia 22 de Novembro de 2007, o blogue O Homem Que Sabia Demasiado tinha início. Três anos que foram de intensa actividade blogosférica, de muita escrita, dedicação, reflexão, pesquisa, partilha de informação e de opinião, que resultaram em 2634 artigos/posts, 7 mil comentários, 330 mil visitas e 346 seguidores.
Para quem julgava, há três anos, que este blogue serviria apenas para "falar" com os amigos mais próximos, não está mal. A sociedade da informação e da comunicação digital e global, desmentiu essa expectativa.
Para coincidir com a data, resolvi fazer um singelo refresh na imagem do blogue: cortesia do soldado Pyle!

domingo, 21 de novembro de 2010

"The Lodger" de Hitchcock


Nas históricas entrevistas que Alfred Hitchcock deu a François Truffaut, o realizador britânico sempre disse que havia um filme mudo (dos 12 que realizou) essencial na sua filmografia, mas que poucos tinham tido oportunidade de ver. Falava da película "The Lodger", realizada em 1927, em pleno período do final do mudo. Um filme fortemente influenciado pelos mestre do Expressionismo Alemão, como Murnau ou Fritz Lang, mas que já espelhava alguns dos temas centrais da sua filmografia futura: o conceito de culpa e inocência, a ambiguidade moral, o suspense psicológico, a obsessão sexual, o crime...
O filme já era conhecido da filmografia de Hitchcock (vagamente inspirado no assassino Jack, O Estripador), mas só agora foi resgatado do esquecimento para ser exibido, comercialmente, em sala (Inglaterra) e na sua duração integral.
Enquanto, por cá, não o conseguirmos ver, podemos apreciar alguns minutos dos 74 deste "The Lodger" (que tem como subtítulo "A Story Of The London Fog"):

Consta-se que o primeiro "Cameo" de Hitchcock nos seus filmes aconteceu com "The Lodger":

Playtime #25

(Aumentar para melhor visualização)
Pista: o realizador é chinês e o filme é da década de 2000
A solução: "Hero" (2002) - Zhang Yimou
Quem descobriu: ninguém

Top 20 melhores filmes russos

Não sei quem fez esta montagem dos supostos 20 melhores filmes russos de sempre. Também não importa. Listas deste género são sempre subjectivas e passíveis de discussão. Daí a sua relevância: dar a conhecer, porventura, títulos essenciais da riquíssima cinematografia russa. Desta listagem, em particular, não há grandes surpresas, e até os três primeiros lugares são previsíveis e justos. Mas há filmes que não conheço nem nunca vi, pelo que este tipo de lista tem sempre essa vertente pedagógica.
Só há um lapso que me parece incompreensível: na 11º posição encontra-se o filme "Dersu Uzala" de... Akira Kurosawa! É certo que o filme aborda um explorador russo na Sibéria, mas o seu realizador é japonês. Critérios selectivos algo confusos...

sábado, 20 de novembro de 2010

O super-grupo de John Zorn

Sempre fui um grande admirador de John Zorn. A sua vasta produção musical é de qualidade necessariamente desigual, mas é indubitável considerar a importância do seu contributo para a música contemporânea com projectos seminais como Naked City, Cobra ou (Electric) Masada.
Zorn é um músico que incorporou múltiplas referências estéticas num só "corpus" musical: improvisação, jazz, rock, étnica, electro-acústica, blues, hardcore, etc. A vanguarda é um conceito que sempre jogou bem com grande parte da obra zorniana.
Num dos grandes festivais de jazz da Europa, Marciac (sul de França), John Zorn reuniu um excepcional e ecléctico colectivo de músicos ("Exodus"), dirigindo-os na acção musical (também tocou saxofone): o fabuloso Marc Ribot na guitarra; o polivalente (e barbudo) Jamie Saft no órgão; Trevor Dunn no baixo (ex-Mr.Bungle); o vibrafonista Kenny Wollesen (tocou com Tom Waits ou Bill Frisell); o sempre fantástico baterista Joey Baron (Ex-Naked City) e um dos maiores percussionistas do mundo, Cyro Baptista.
Um super-grupo de luxo que, às ordens de John Zorn, cria uma música estimulante, desafiadora, exploradora de timbres, ritmos e texturas.
Excelente momento musical:

Playtime #26


A solução: "O Inquilino" (1976) - Roman Polanski
Quem descobriu: Dezito (André Sousa)

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Um desenho e uma pintura da criança Tarkovski

Andrei Tarkovski foi um prodigioso cineasta e artista. Talvez o maior artista russo da segunda metade do século XX. A sua visão artística foi aplicada essencialmente ao cinema, mas é sabido que a sua primeira paixão foi a pintura, depois a literatura, a poesia (o pai era poeta) e a arte em geral.
Em muitos dos seus filmes surgem referências directas a grandes obras da pintura mundial, que constituem matéria fundamental para compreender a essência do seu cinema e a interligação com o argumento ou os personagens. Isto para dizer que encontrei um desenho e uma pintura de Tarkovski feitos ainda na infância/juventude.
"War" é um desenho feito com apenas 11 anos e retrata claramente o período conturbado da Segunda Guerra Mundial, vivido pela criança Andrei na Rússia. Gostaria de acreditar que este singelo desenho poderá ter tido influência na construção dramática do seu último filme, "Sacrifício" (1986), no qual o mundo é confrontado com uma guerra atómica global que destruirá o planeta. Mera especulação?
"Sister", por seu lado, é uma singela mas interessante pintura (concebida com 15 anos) de tons impressionistas que retrata a irmã do realizador, Marina Tarkovskaya. Uma pintura mais consistente e expressiva, que revela uma mais elaborada consciência artística, de alguém que construiu um universo estético muito singular ao longo da sua curta mas intensa carreira.

"War" (1943)

"Sister" (1947)

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Playtime #25


A solução: "Laranja Mecânica" (1971) - Stanley Kubrick
Quem descobriu: jp Amorim

Obrigado João Botelho


Não é um grande filme apenas por ter uma altíssima definição e qualidade de imagem derivada do formato digital. Não é um grande filme apenas por ter uma extraordinária fotografia, uns movimentos de câmara em estado de graça ou uma interpretação arrasadora de intensidade de Cláudio da Silva (como Bernardo Soares). Não é um grande filme apenas porque vai ao mais fundo da prosa emocional e inquieta de Fernando Pessoa.

É também um grande filme porque congrega a luz e a sombra, mistura a música e a palavra, redefine a narrativa em fragmentos unidos por um riquíssimo universo literário.

É também um grande filme porque João Botelho soube dar ênfase à essência da vida misantropa e sofrida de Bernardo Soares, esse ser errante por uma Lisboa com "ópio na alma". Um filme de uma espantosa mise-en-scène, de um exigente formalismo estético, de tensão e distensão, de visões e fantasmas, de corpos e sons.

"O Filme do Desassossego" é, por isso, um filme desassossegado que intriga e desafia o espectador, que rompe com uma certa linguagem acomodada da montagem, que cria uma nova ideia da composição plástica das imagens, que edifica uma ponte sólida entre a palavra, o sonho, a realidade, o medo, e a catarse do espírito humano.

Uma experiência audiovisual inesquecível.

Obrigado Fernando Pessoa.

Obrigado João Botelho.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A (fascinante e terrível) América psicótica


O fascínio que os americanos, no geral, têm pela cultura das armas e pela violência advém das reminiscências do Oeste selvagem. O tema foi explorado por Michael Moore no seu documentário “Bowling for Columbine”, e inúmeros ensaios, livros e estudos, têm tentado explicar o fenómeno (ainda há dias uma notícia dava conta de um plano falhado de um jovem em matar colegas de escola). A América não é o país mais violento do mundo. México, Colômbia ou até o Brasil têm índices mais elevados de violência.
No que os EUA são diferentes são no tópico "homicídios sem motivação aparente", aqueles crimes que espantam a opinião pública com os massacres nas escolas ou outros locais públicos. É quase sempre nos EUA que surgem os casos de violência mais espectaculares e mediáticos.
A América é a terra natural dos serial killers (estatisticamente falando), é a terra dos massacres improváveis, dos crimes mais hediondos, inexplicáveis e intrincados (vide o filme “Zodiac” de David Fincher, ou "Elephant" de Gus Van Sant, ou "Henry - Retrato de um Assassino", ou...), dos assassínios de figuras públicas, etc.
E a obsessão dos americanos pela violência e pelo crime é historicamente fértil. Paralelamente, a investigação forense também exerce um grande fascínio junto do cidadão comum. O estudo da mente de um criminoso (sobretudo da de um serial killer) é matéria vasta para dissertações teóricas e científicas. O lado negro da mente humana emerge como matéria de fascínio e de desconcerto perante a racionalidade das coisas.
Na literatura, no cinema e nas séries de televisão, a criminologia, a morte violenta, e as patologias sociais associadas, são temas extremamente recorrentes e explorados até à saciedade. Os sucessos dos últimos anos no campo das séries televisivas têm forte relação com este panorama – CSI, 24, Dexter, Prison Break, Ossos, Lei e Ordem são apenas alguns exemplos.
Na literatura, basta referir o sucesso de Truman Capote com o livro “A Sangue Frio”, espantoso relato semi-jornalístico, semi-ficcional, de um homicídio brutal na América rural dos anos 50.
Haveria muito mais para mencionar, mas fico-me apenas por mais este exemplo: “American Psycho” (na imagem), livro do escritor da chamada Geração X, Bret Easton Ellis (autor de outro livro de culto - "Menos Que Zero"), perturbante retrato de uma viagem ao abismo na violência mas sádica e desbragada, numa sociedade americana dos anos 80 afogada em yuppies corretores de bolsa e endinheirados consumistas.
O livro foi adaptado para cinema pela realizadora Mary Harron (em 2000), com o actor Christian Bale possuído como um urso em fúria. Bale é Patrick Bateman, durante o dia um cumpridor executivo da bolsa, obcecado pelos bens materiais, usa fatos de alta-costura, cultiva o corpo, é calculista e frio, e frequentador de restaurantes elitistas. À noite, Patrick transforma-se num monstro sanguinário e implacável, assassinando, sem dó nem piedade, almas penadas que vagueiam pelos becos de Nova Iorque. Os bens materiais não o satisfazem, e procura excitação na violência mais alucinada.
A visão ficcionada e aterradora do livro de Bret Easton Ellis recalca a ferida aberta que é a violência desmedida e sem motivação aparente na sociedade actual. Reflecte o mal civilizacional e a deriva de um homem que se tornou reflexo da era do vazio, amoral, libertina. Uma América cada vez mais psicótica. Uma América que gosta de ostentar a bandeira da liberdade, da democracia e das oportunidades, mas que também vive num limbo de sordidez, sombras e violência.

Scorsese - 68 anos


"I just wanted to be an ordinary parish priest."
Ainda bem que mudaste de carreira e te tornaste num dos grandes do cinema mundial.
Happy Birthday Mr. Scorsese!

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Playtime #24


A solução: "Umberto D." (1952) - Vittorio De Sica
Quem descobriu: João Gonçalves

Harpo fala!


Ficou famoso graças ao seu papel de mudo (nunca se ouviu a sua voz em todos os filmes em que participou!), com a sua característica peruca aos caracóis, a cartola, a sua buzina de automóvel e a sua gabardina com os bolsos sempre cheios de objectos improváveis.
Era um mestre da arte da patomima, um personagem que não falava, mas que comunicava com assobios e gestos expressivos e, sobretudo, a tocar maravilhosamente a sua harpa. Daí o nome: Harpo Marx, porventura o segundo irmão dos Marx mais famoso e reconhecido, logo atrás do insuperável Groucho.
Participou em todos os filmes de sucesso dos Irmãos Marx (anos 30 e 40), ajudando à construção de um humor absurdo e corrosivo que ficaria como marca inconfudível.
Em 1961, três anos antes de morrer, Harpo Marx editou um livro de memórias sugestivamente intitulado "Harpo Speaks!", que nunca viu edição nacional. Neste livro, Harpo conta inúmeras histórias sobre a sua longa e brilhante carreira, como o facto de muitos fãs julgarem que era mesmo mudo ou o modo como geriu a competição artística com os seus irmãos.
"Se há algo característico em mim, é a única coisa que o público não conhece: a minha voz. No entanto, falo com o sotaque da rua 93 Este de Nova Iorque", dizia.
Acaba de ser reeditada no mercado espanhol esta autobiografia - "Harpo Habla!".
Resumindo, como fã dos Irmãos Marx e coleccionador de livros de Groucho Marx, eis um título a adquirir numa futura ida a Espanha.