Foi em 1987 que estreou o filme "Full Metal Jacket" ("Nascido para Matar") de Stanley Kubrick. Curiosamente, vi-o numa sessão da meia-noite, com meia dúzia de espectadores perplexos perante a violência psicológica da primeira metade do filme. Não é o meu Kubrick favorito, apesar de gostar muito dele. Julgo que tem desequilíbrios narrativos e momentos menos inspirados.
No entanto, a primeira metade do filme, desde a admissão na tropa até ao brutal suicídio do soldado Pyle (impressionante Vincent D'Onofrio), é Kubrick puro, sem concessões, direcção feroz de actores e realização férrea. Lembro-me de me ter ficado na memória, durante muito tempo, esta imagem do soldado Pyle sentado na sanita com olhar demencial (ainda hoje quando me lembro deste filme, é a primeira imagem que me vem à cabeça). O soldado Pyle era um soldado gorducho e pouco apto para a exigência dos treinos militares, constantemente humilhado pelo temível Sargento Hartman. Até que a sua saúde mental se degrada entrando num estado de total loucura e alucinação.
E é essa loucura assustadora que vemos nos olhos de Pyle. Quando olha para o soldado Joker (Matthew Modine) com uma expressão de puro ódio e demência, de quem já não tem medo de nada, nem tem nada a perder. E é aí, nessa sequência de pura tensão na casa de banho (espaço muito do agrado de Kubrick), que Pyle explode, matando o sargento e suicidando-se de seguida. Apesar de não ser um filme de terror, "Full Metal Jacket" encerra, nesta perturbante cena, muito do terror psicológico que o realizador já experimentara no soberbo "Shining" (1980). E é das sequências de cinema de que mais gosto de toda a obra kubrickiana.
4 comentários:
Só não concordo que hajam desequilíbrios narrativos, parece-me ser uma crítica comum, mas eu acho fabulosa a forma como primeiro somos introduzidos à formação de um soldado, depois à rotina de um soldado, e por fim ao trabalho de um soldado (batalha). Em Kubrick vem tudo em 3, até a construção do argumento. Mas percebo que a parte do meio possa não ser tão emocionante como as outras duas. Enfim, para mim, este filme = obra-prima :D
Kubrick é o meu realizador de eleição, não só pela mestria de cada um dos filmes, mas também pelo conjunto da sua obra que se impunha enquanto percurso e não enquanto estilo, opção com a qual me identifico.
Um dos melhores filmes de Kubrick. Mas, espera aí, existe algum mau filme de Kubrick?
Filipe: claro que não existem filmes maus do Kubrick. Aliás, é dos poucos realizadores aos quais se pode aplicar a máxima: "um filme menor de Kubrick é maior do que muitos filmes maiores de outros cineastas". E mesmo assim é difícil de encontrar um filme menor do mestre...
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