Um homem, já de certa idade, barba grisalha à Ernest Hemingway, vai para a praia ao fim da tarde, todos os dias, à hora em que quase toda a gente se vai embora. Leva uma cadeira articulada debaixo do braço. Senta-se, estrategicamente, ao centro do areal de frente para o que resta do sol da tarde. Coloca uma mesinha discreta ao seu lado direito onde pousa o livro que vai ler. Traz também uma garrafa de água. O homem começa a ler o livro, em total compenetração, sem se distrair com os transeuntes que passam à sua volta. Questiono-me se lê um livro do Miguel Sousa Tavares, do Paulo Coelho ou um qualquer título de literatura "light", que invadem maioritariamente as leituras de praia dos veraneantes.
Até que me dou conta que aquele homem, que todos os dias ao fim da tarde pratica o ritual de se sentar no meio da praia de frente para o sol, alheio a tudo e a todos, num belo e quente dia de Verão, está a ler o demencial livro "As Benevolentes" de Jonathan Littell, um grosso volume de quase 900 páginas sobre os horrores do nazismo. Engoli em seco e fui molhar os pés no mar para arrefecer o choque presenciado.
5 comentários:
Eu também costumo guardar esses livros para o verão. Por exemplo, os do Lobo Antunes estão quase todos tingidos de bronzeador.
Já peguei nesse livro 50 vezes, com intuito de o comprar, mas faltou-me a coragem para o fazer. Tenho de admitir que eu sou dos que lê coisas mais soft no verão. No Inverno gosto dos russos.
oh victor, mas não se estava mesmo a ver que com essa rotina o homem dificilmente estaria a ler o Tavares ou o Coelho?
Sim, sim, mas daí até estar a ler o Littell...
Para quem leia o ano todo é quase indiferente. O quase deriva de eu, quando li esse livro, ter passado pela experiência de me sentir mais confortável se estivesse em casa, ou simplesmente sózinho.
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