Instalou-se um verdadeiro fenómeno no mercado livreiro português com a edição do livro "2666" do escritor chileno Roberto Bolaño. A campanha publicitária lançada é qualquer coisa de monumental e de inaudito para um livro de um autor que há dois anos quase ninguém conhecia (foi há dois anos que foi editado o livro que o revelou aos leitores portugueses, com "Os Detectives Selvagens"). Na livraria Bertrand os funcionários até vestem t-shirts com o título do livro inscrito e, nas costas, a sentença "Obra-prima". Destaques nos jornais, grandes cartazes e até ecrãs de LCD servem para divulgar o livro.
Ora, o suplemento humorístico "O Inimigo Público" é que não perdeu tempo para lançar farpas satíricas a todo este fenómeno e na última edição foi dado um destaque especial ao livro. Eis alguns excertos de textos bem cáusticos:
"Figuras públicas portuguesas pediram reforma antecipada para ler "2666". As figuras que garantem já ter lido "2666" são as mesmas que, em tudo o que é inquérito, sempre confessaram que estavam à espera da reforma para ler os igualmente enormes "Em Busca do Tempo Perdido" e "Ulisses".
"Dois Mil Seiscentos e Sessenta e Quantos? Um dos aspectos mais enigmáticos de "2666" é o próprio título do romance, que alguns afirmam ser uma referência ao ano do êxodo judeu do Egipto, enquanto outros garantem ser uma referência a uma espécie de Dia do Juízo Final no universo pessoal de Bolaño. O Inimigo Público avança com outras hipóteses para o significado do enigmático número. Assim, 2666 será:
- Os números da terminação que Roberto Bolaño escolhia todos os anos para jogar na lotaria de Natal da "ONCE", o famoso "El Gordo", quando vivia em Barcelona;
- O ano em que Portugal vai ficar finalmente com um défice público abaixo dos 3%;
- O ano em que os jornalistas portugueses que dedicaram páginas e páginas a Roberto Bolaño, vão acabar de ler o romance "2666";
- A idade real de Lili Caneças;
- O número de diplomas que Cavaco Silva planeia vetar ao novo Governo;
- A quantidade de ex-amantes que Vítor Espadinha atribui a si próprio.
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A "boloñomania contagiou todos os portugueses e cada vez mais desejam chamar "Bolaño" aos seus filhos recém-nascidos. O jornal "A Bola" também não ficou imune ao "efeito Bolaño" e após a vitória sobre o Paços de Ferreira, Jorge Jesus foi entusiasticamente comparado ao escritor chileno, pois ambos fizeram uma obra-prima imensa, complexa, genial, admirada nos quatro cantos do mundo, numa referência ao actual Benfica e a Bolaño, num artigo de opinião intitulado "Baño de bola".
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"A loucura que se instalou em Portugal em volta do livro de Roberto Bolaño apenas tem comparação com o entusiasmo em torno da Selecção Nacional durante o Euro 2004. Porém, os intelectuais da nossa praça não estão satisfeitos com "2666", pois não lhes permite mostrar que lêem romances na língua original. "Se o título fosse por extenso era melhor, podia passear-me pelo Chiado com um exemplar do "Dos Miles Seiscientos y Sesenta y Seis" debaixo do braço, para admiração de todos os analfabetos, condenados a ler a tradução, sem nunca conseguirem captar as nuances linguísticas do original", explicou Paula Moura Pinheiro. E disse mais: "Até porque, para realmente saborear toda a erudição sintáctica da obra, eu preferiria ler a edição alemã, pasmando os transeuntes ignorantes com o "Zwei Tausend Schshundert und Sechsundsechzig" na mesa da esplanada".
"A loucura que se instalou em Portugal em volta do livro de Roberto Bolaño apenas tem comparação com o entusiasmo em torno da Selecção Nacional durante o Euro 2004. Porém, os intelectuais da nossa praça não estão satisfeitos com "2666", pois não lhes permite mostrar que lêem romances na língua original. "Se o título fosse por extenso era melhor, podia passear-me pelo Chiado com um exemplar do "Dos Miles Seiscientos y Sesenta y Seis" debaixo do braço, para admiração de todos os analfabetos, condenados a ler a tradução, sem nunca conseguirem captar as nuances linguísticas do original", explicou Paula Moura Pinheiro. E disse mais: "Até porque, para realmente saborear toda a erudição sintáctica da obra, eu preferiria ler a edição alemã, pasmando os transeuntes ignorantes com o "Zwei Tausend Schshundert und Sechsundsechzig" na mesa da esplanada".
2 comentários:
Só estragou o pano o facto de não saberem escrever em espanhol. Dos mil seiscientos sesenta y seis, se faz favor. Sobre o alemão, o senhor Hulot não se pronuncia, porque não chega ao nível de erudição de Paula Moura Pinheiro
Amei o texto!
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