Vi "Anticristo" de Lars Von Trier e fiquei atónito. O realizador dinamarquês expurgou os seus (e os nossos) demónios com este filme. Dilacerou o amor e fundiu-o com o mais profundo dos ódios, com a morte e a tragédia insana. Como pode "Anticristo" ser tão denso, negro e brutal e, ao mesmo tempo, ser de uma espantosa beleza visual? Como pode "Anticristo" mexer com os cinco sentidos do espectador se apenas tem dois actores e a natureza como cenário (apocalíptico)? Como conseguiu Lars Von Trier expiar os pecados da natureza humana de forma tão arrebatadora, sem deixar pingo de piedade, num pessimismo existencial levado às últimas consequências?
Razão tinha o cineasta em recusar explicar o filme no festival de Cannes. "Anticristo" não se "explica". É uma obra artística de pungentes emoções, provocadora, ousada, inconformada. Lida com o sexo, o desejo, o amor, o medo e a morte de forma como poucos realizadores ousaram abordar. É um filme que está impregnado de simbolismos ocultistas, de medos ancestrais, de imagens aterradoras, misteriosas, assombradas. Imagens inspiradas no filme "Espelho" de Andrei Tarkovski ("Anticristo" é-lhe dedicado), de uma fotografia incandescente, de uma plasticidade que julgava exclusiva de grandes cineastas como Béla Tarr ou Alexander Sokurov.
Como é habitual no cineasta dinamarquês, "Anticristo" está dividido em capítulos – “Luto", "Dor (Caos Reina)", "Desespero (Genocídio)" e "Os Três Mendigos", além de trazer um prólogo e um epílogo. O argumento remete para a história de um casal (os nomes não são citados em nenhum momento) que se refugia numa floresta isolada, ironicamente chamada de Jardim do Éden, após a morte do seu filho num acidente doméstico. Ela (incrível Charlotte Gainsbourg), escritora, fica totalmente entregue à dor da perda, enquanto ele (incrível Willem Dafoe), terapeuta, usa a psicologia cognitiva para ajudar a esposa. Já envoltos na vastidão e mistérios da natureza, o vegetal, o verde, o animal, os instintos humanos misturam-se numa espécie de negra saga bíblica que mexe com a moral e os valores dos espectadores. A irracionalidade e o lado animalesco tomam conta do homem e da mulher, e os actos de violência física e emocional assumem proporções dantescas. Os monstros que a Natureza oculta e que vai corroer a relação de ambos, provoca a libertação de fantasmas ancestrais.
"Anticristo" é um filme de um homem sem fé, ateu militante, descrente de valores e de posições morais, um nihilista nietzscheano desesperado que procura a explicação para o lado negro da mente humana. E como tem sido propalado, é um filme que divide violentamente: ou se adora e se adere à proposta, ou provoca profunda repulsa.
Destaque para a sequência inicial do filme (prólogo): uma impressionante e belíssima abertura poética de 5 minutos, rodada num preto e branco límpido, em câmara lenta, com música de Haendel como pano de fundo. Nesta abertura, vemos o casal a fazer amor enquanto o filho, inadvertidamente, provoca o terrível acidente mortal. Tão trágico quanto belo. O caos reina, a dor expia, a morte liberta.
Claramente um dos melhores filmes de 2009 (estreia dia 22 de Outubro em Portugal).
5 comentários:
Foda-se só aumentaste a minha vontede de ver este filme, que é o que mais aguardo em 2009.
Von Trier é grande e se este filme é dedicado a Tarkovsky :O Wow
Já estreou?
"O" prólogo, "A" personagem, "O" diretor, rsrsrsr...
tudo é perfeito, sincero e livre !!!
Não vou perder. Obrigada!
A música é divinal, mas o desfecho deste prólogo é diabólico.
É realmente muito curioso esta "opening scene", espero um bom trabalho de Lars Von Trier pois realmente aumentou-me as expectativas quando visionei o "Dogville"...
É pena o filme já não estrear em Portugal em 2009...
Abraço
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