quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O tempo na música de Satie


Um dia John Cage resolveu interpretar a peça "Vexations" do pianista francês Erik Satie (1867-1925). Satie foi conhecido como um músico excêntrico e inventivo (ainda hoje). A partitura original (na imagem) tem apenas uma página e levaria normalmente um minuto a dois a interpretar, mas no topo aparece esta instrução de Satie: "Para poder tocar este motive 840 vezes, será necessário estar preparado com antecedência e no silêncio mais absoluto e manter-se seriamente imóvel." A peça foi escrita em 1893, mas só descoberta em 1949, tendo sido considerada precursora do minimalismo repetitivo dos anos 60.
Cage levou esta instrução a sério e, em 9 e 10 de Setembro de 1963, no Pocket Theatre de Nova Iorque, apresentou "Vexations" na sua forma completa (repetição de 12 compassos 840 vezes). Cage queria explorar o conceito de tempo numa obra musical. Uma equipa de doze pianistas tocou a peça numa longa maratona desde as 18 horas até às 12h40 do dia seguinte. O The New York Times correspondeu à exibição enviando um bando de oito críticos para cobrirem o evento. Na audiência, durante algum tempo, estava Andy Warhol. que relembrou a experiência quando fez o filme de oito horas sobre o Empire State Building no ano seguinte.
O local do concerto estava equipado com um relógio de ponto que os participantes marcavam ao entrarem e ao saírem. Os ouvintes foram reembolsados de cinco cêntimos por cada vinte minutos que esperassem no "foyer". Os que assistiram a todo o concerto receberam uma senha com o valor de vinte cêntimos. Um tal Karl Schenzer, ex-actor da Broadway, foi o único a receber o reembolso total, tendo ficado sentado no "foyer" dezanove horas. Ao Times, Schenzer disse: "Sinto-me divertido e nada cansado". "Não foi muito tempo a ouvir a música?", perguntou o jornalista. "Tempo? O que é o tempo? Nesta música, a dicotomia entre vários aspectos de formas de arte dissolve-se".
A peça de Satie soa assim.
O último pianista a interpretar "Vexations" foi Michal Nyman (desconheço se foi integral).

11 comentários:

Francisco Maia disse...

Foi graças a ti, Afonso, que decidi desembolsar os 27€ para o livro do Sr.Alex Ross - O Resto É Ruído.

Devo dizer que estou a achar fascinante (lembrei-me porque ele roçou agora Satie)

Começo a ficar viciado em música clássica. Sou pouco conhecedor mas eterno curioso.

Grazie mile!

Anónimo disse...

"A peça foi escrita em 1983, mas só descoberta em 1949,(...)"

Francisco Maia disse...

Um bocadinho óbvio qual é a correcção...

F disse...

Adoro a música de Satie, precisamente por causa da forma como ele joga com o tempo (essa ilusão que nos deixa sem fôlego).
Conheces a peça Fur Alina de Arvo Part?
http://www.youtube.com/watch?v=Safk6SdY0T8

Unknown disse...

Anónimo: já corrigi as datas.

Francisco: ainda bem que compraste o livro. Mas a obra "O Resto é Ruído" não se reume à música clássica. Por exemplo, eu ando a ler um capítulo dedicado aos Velvet Underground e ao jazz.

F: Sim, conheço Arvo Part e essa peça, que aliás faz parte do filme "Gerry" de Gus Van Sant, tal como abordei aqui - http://ohomemquesabiademasiado.blogspot.com/2008/01/gus-van-sant-metafsico.html

amebix disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
amebix disse...

O Satie é grande e o Karl Shenzer foi valente.
Francisco: Satie não tem nada a ver com a música classica que foi um "som" que já tinha "morrido" quando o rapaz veio ao mundo.

Diamond disse...

E. Satie é um dos meus compositores de eleição.
A sua música encanta-me e a história da sua vida atribulada fascina-me.

http://lonelynesssssssss.blogspot.com/2009/10/erik-satie.html

Cump.

sem-se-ver disse...

obrigada por este post.

Olavo Lüpia disse...

Acabo de ver, por indicação de um amigo, este curiosíssimo vídeo.
Abraço.

Unknown disse...

Olavo: obrigado pela sugestão. O John Cale tem muita pinta. Mas ainda só vi os dois primeiros minutos do vídeo...