Um dia John Cage resolveu interpretar a peça "Vexations" do pianista francês Erik Satie (1867-1925). Satie foi conhecido como um músico excêntrico e inventivo (ainda hoje). A partitura original (na imagem) tem apenas uma página e levaria normalmente um minuto a dois a interpretar, mas no topo aparece esta instrução de Satie: "Para poder tocar este motive 840 vezes, será necessário estar preparado com antecedência e no silêncio mais absoluto e manter-se seriamente imóvel." A peça foi escrita em 1893, mas só descoberta em 1949, tendo sido considerada precursora do minimalismo repetitivo dos anos 60.
Cage levou esta instrução a sério e, em 9 e 10 de Setembro de 1963, no Pocket Theatre de Nova Iorque, apresentou "Vexations" na sua forma completa (repetição de 12 compassos 840 vezes). Cage queria explorar o conceito de tempo numa obra musical. Uma equipa de doze pianistas tocou a peça numa longa maratona desde as 18 horas até às 12h40 do dia seguinte. O The New York Times correspondeu à exibição enviando um bando de oito críticos para cobrirem o evento. Na audiência, durante algum tempo, estava Andy Warhol. que relembrou a experiência quando fez o filme de oito horas sobre o Empire State Building no ano seguinte.
O local do concerto estava equipado com um relógio de ponto que os participantes marcavam ao entrarem e ao saírem. Os ouvintes foram reembolsados de cinco cêntimos por cada vinte minutos que esperassem no "foyer". Os que assistiram a todo o concerto receberam uma senha com o valor de vinte cêntimos. Um tal Karl Schenzer, ex-actor da Broadway, foi o único a receber o reembolso total, tendo ficado sentado no "foyer" dezanove horas. Ao Times, Schenzer disse: "Sinto-me divertido e nada cansado". "Não foi muito tempo a ouvir a música?", perguntou o jornalista. "Tempo? O que é o tempo? Nesta música, a dicotomia entre vários aspectos de formas de arte dissolve-se".
A peça de Satie soa assim.
O último pianista a interpretar "Vexations" foi Michal Nyman (desconheço se foi integral).
11 comentários:
Foi graças a ti, Afonso, que decidi desembolsar os 27€ para o livro do Sr.Alex Ross - O Resto É Ruído.
Devo dizer que estou a achar fascinante (lembrei-me porque ele roçou agora Satie)
Começo a ficar viciado em música clássica. Sou pouco conhecedor mas eterno curioso.
Grazie mile!
"A peça foi escrita em 1983, mas só descoberta em 1949,(...)"
Um bocadinho óbvio qual é a correcção...
Adoro a música de Satie, precisamente por causa da forma como ele joga com o tempo (essa ilusão que nos deixa sem fôlego).
Conheces a peça Fur Alina de Arvo Part?
http://www.youtube.com/watch?v=Safk6SdY0T8
Anónimo: já corrigi as datas.
Francisco: ainda bem que compraste o livro. Mas a obra "O Resto é Ruído" não se reume à música clássica. Por exemplo, eu ando a ler um capítulo dedicado aos Velvet Underground e ao jazz.
F: Sim, conheço Arvo Part e essa peça, que aliás faz parte do filme "Gerry" de Gus Van Sant, tal como abordei aqui - http://ohomemquesabiademasiado.blogspot.com/2008/01/gus-van-sant-metafsico.html
O Satie é grande e o Karl Shenzer foi valente.
Francisco: Satie não tem nada a ver com a música classica que foi um "som" que já tinha "morrido" quando o rapaz veio ao mundo.
E. Satie é um dos meus compositores de eleição.
A sua música encanta-me e a história da sua vida atribulada fascina-me.
http://lonelynesssssssss.blogspot.com/2009/10/erik-satie.html
Cump.
obrigada por este post.
Acabo de ver, por indicação de um amigo, este curiosíssimo vídeo.
Abraço.
Olavo: obrigado pela sugestão. O John Cale tem muita pinta. Mas ainda só vi os dois primeiros minutos do vídeo...
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