Há fenómenos que não compreendo: um dos mais originais discos de música portuguesa editados (no final) de 2010 praticamente passou despercebido na imprensa: LUME - Lisbon Underground Music Ensemble, liderado pelo compositor, director de orquestra, pianista e manipulador de electrónica Marco Barroso.
Há pelo menos dois anos que esta singular orquestra de jazz (com 15 músicos oriundos de várias experiências) andava a dar nas vistas com concertos em sítios muito específicos. Agora, com o primeiro disco de estreia, o LUME impõe-se como uma big band de jazz do século XXI. Uma big band que mistura, num caldeirão explosivo, o jazz de Duke Ellington, Albert Ayler, John Zorn, o rock tresmalhado de Frank Zappa, Residents, Mr. Bungle, Tortoise, a electroacústica experimental de Charles Ives e Ligeti, a música para cinema de Ennio Morricone ou Henry Mancini e a música erudita contemporânea de Stravinsky ou Messiaen. A tudo isto há ainda a juntar a electrónica com utilização de samples de filmes e excertos de músicas rock.
O resultado musical é um fervilhar impressionante de ideias por segundo, num ritmo swing trepidante (a fazer lembrar, por vezes, Naked City de Zorn) conduzido por uma excepcional secção de sopros. Lá fora há algumas orquestras de jazz que pisam território estético semelhante ao LUME (como a Viena Art Orchestra ou os Flat Earth Society) mas eu arrisco afirmar, sem pudor, que a música de Marco Barroso é muito mais criativa e desafiadora. Esta orquestra, prova, igualmente, a grande qualidade técnica dos instrumentistas portugueses que em nada ficam a dever às grandes referências internacionais.
O crítico de música e ensaísta Rui Eduardo Paes refere que estamos perante um "disco pós-moderno". Isto porque rompe fronteiras estilísticas, subverte linguagens e mistura, com elevado bom gosto, estéticas aparentemente antagónicas, resultando num todo orgânico. Um projecto de uma riqueza musical rara no nosso país. Desejo ardentemente que o trabalho do LUME seja reconhecido em Portugal e, também, no estrangeiro.
9 comentários:
Completamente de acordo. O disco é absolutamente soberbo. Obrigado pela tua sábia recomendação. Entretanto, já o encomendei!
Desgraçadas as visitas que vierem cá a casa, vão ser feitas reféns no sofá e não saem daqui enquanto não ouvirem tudo :)
Ando com imensa vontade de escutar - pelo menos desde que li um texto no final do ano passado no Público - mas ainda não consegui por as mãos no disco. Lá chegarei brevemente.
:-)
Rui: a propósito do disco, manda-me um mail.
chaplin.afonso@gmail.com
Victor:
Talvez fosse boa ideia indicares o contacto da editora /distribuidora para quem esteja interessado em comprá-lo.
Sim, faz sentido: a editora é a Jacc Records - http://jaccrecords.wordpress.com/
E o disco também se encontra à venda (pelo menos online) na Fnac por 11.90€
Também a mim me espanta que este disco e grupo não sejam mais divulgados e visíveis. Que concertos têm agendados? onde? que concertos realizaram no estrangeiro? qual foi a aceitação (ou não) do público estrangeiro? e os músicos? como se entendem gente vinda de áreas tão diferentes? e o compositor? o que ouve? vai haver um próximo disco? já está a ser produzido?
O disco estar disponível nas lojas também é muito importante, pois, perdeu a oportunidade de eu o trazer para a Catalunha! Sempre que me é possível divulgo em geral a cultura e as artes em português, e a música em particular! Há muito trabalho que tem de ser feito e, sem dúvida, Portugal, as artes, os artistas e muito dos seus promotores e agentes têm um caminho longo e largo a percorrer! O projecto é fabuloso e merece mais do que ser divulgado em Portugal, merece ser divulgado ao MUNDO! Está por vezes à distância de um click!
deixo sugestão:
não deixar o disco terminar nas lojas;
enviar discos promocionais às revistas de música especializada e gerais do MUNDO (Catalunha tem várias e por géneros)
ir ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e por via diplomática enviar cd´s de promoção a todas as embaixadas de Portugal no MUNDO
escutar e divulgar (vivemos em plena sociedade LINK)
Parabéns ao JACC pela sua editora e pelos projectos que divulga!
É isso, anónimo. É preciso investir para mostrar ao mundo o talento artístico dos portugueses.
Boas...O mercado editorial do Jazz em Portugal está, desde há anos para cá, dominado por uma única editora... editora essa que aposta numa franja estética conotada com o mais radical free jazz, com o noise e outras correntes radicais. O seu(bom) trabalho editorial e editorial tem dado projecção a músicos que talvez nunca conseguissem gravar, se para isso fosse preciso saber (realmente) tocar um instrumento. Essa editora recusou gravar os LUME já que os achou demasiado "mainstream", muito caretas, se quisermos...
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