quarta-feira, 16 de setembro de 2009

80 anos de "Un Chien Andalou"


Um dos filmes mais subversivos (considerando a época em que foi feito) e mais originais de sempre (considerando a influência que ainda hoje exerce) faz 80 anos desde que foi estreado, em 1929, numa célebre sessão em Paris. Sessão essa em que o realizador Luís Buñuel tinha pedras no bolso para atirar aos espectadores casos estes tivessem feito um escândalo por não gostarem do filme. Não foi o caso, e os artistas surrealistas (Man Ray, André Breton, Salvador Dalí, Marcel Duchamp) elegeram "Un Chien Andalou" (1929) como a obra cinematográfica que sintetizava as premissas da arte surrealista.
Um filme com apenas 17 minutos que ainda hoje incomoda pela recusa ostensiva de uma narrativa convencional, pelas imagens chocantes de um olho a ser cortado por uma lâmina, pela ousadia formal e pela repulsa da racionalização objectiva dos acontecimentos do filme. Uma obra de uma visão artística e estética inigualável, que rompeu linguagens e inaugurou uma nova lógica de associação de imagens, segundo os ditames aprendidos com a psicanálise freudiana e a escrita automática ditada pelo inconsciente. "Un Chien Andalou", filme de Buñuel e Dalí, fez 80 anos. 80 anos que parecem ter uma vitalidade criativa de uma obra acabada de fazer, tão ousada e vanguardista quanto o mais ousado e vanguardista dos actuais filmes ou cineastas experimentais.
O centro cultural Tabakalera de San Sabastián inaugura, amanhã, uma mega-exposição intitulada "Un Pero andaluz - 80 Años Después", dedicada ao mítico filme. Contará com a presença do filho de Buñuel, Juan Luís Buñuel e com dezenas de actividades, pinturas, fotografias, conferências, etc.
Na internet encontrei a "história" do filme condensada em três tiras de BD, desenhadas por um tal Mike Myhres. Olhando para esta banda desenhada, quem conhece o filme identifica claramente a sequência de imagens da obra de Buñuel e Dalí, como a lâmina no olho ou a mão de onde brotam formigas (só falta a imagem de Dalí vestido de padre a ser arrastado no chão por uma corda!).
Quem nunca viu esta obra intemporal, poderá fazê-lo aqui.
Parte 1 (carregar na imagem para melhor visualização)
Parte 2

Parte 3

9 comentários:

LN disse...

Duchamp... Surrealista? No mínimo, estranho. Ainda que acham relações, no subtexto, entre o dadaísmo e o surrealismo, romântico, ou não - especialmente o "não", anti-arte, própria da atitude dadaísta. Dalí é totalmente romântico, clássico, nada de triturações especiais. Como Magritte ou Tanguy, ao contrário dos trituradores Miró, Masson, Picabia, Ernst, etc.

Duchamp, ainda que no rácio da arte do homem possa existir pequenos traços pré-surrealistas, obviamente, porque o dadaísmo é quase como pai do surrealismo (o Breton, por exemplo, estava no grupo dada original de Zurique e depois foi quem definiu o Surrealismo, com o 1 Manifesto. O Man Ray também bebeu dos dois domínios de forma ampla.) foi, no "core", um artista dadaísta. A minha mulher favorita.

Ah, em 1927 já se faziam coisas como The Seashell and The Clergyman, de Germaine Dulac, entre outros filmes (alguns, até por mulheres...), pelo que é arriscado atirar para o ar que o Un chien Andalou é o primeiro filme surrealista. O mais conhecido é, concerteza.

Unknown disse...

Duchamp está, historicamente, muito mais conotado com o dadaísmo, é certo, mas como referiste, houve um período no qual o surrealismo e o dadaímso conviveram juntos.

E quero lembrar que o Duchamp se associou a obras surrealistas, como foi com o filme "Entr'Acte" (1924) de René Clair, no qual se uniu a Picabia, Erik Satie e Man Ray para realizar este curta-metragem claramente surrealista. E o que acabei de dizer é uma concordância com o que dizes quanto ao facto de "Un Chien Andalou" não ser, objectivamente, o "primeiro filme surrealista da história". Mas é seguramente o mais marcante, conhecido e influente de todos.

Diogo C. disse...

...hmm, também conheço o Entr'Acte. Como sabes, muitos dos primeiros artistas do modernismo, ali dos anos 10 aos 30, aquando da explosão de propostas (Futurismo, Dadas, Surrealistas, Neoplasticismo,...), tiveram interesse na exploração da imagem cinematográfica, como forma de arte. Depois da década de 70 viria a ser mais explorado e no pós-moderno de 90, na video-arte, instalação, e demais ensaios vanguardistas. Ser o mais influente... não iria por aí. Não consigo conceber sequer a ideia de um filme - visual e semântica - surrealista, absurdamente narcíssico, ser influência de alguma coisa, seja no mundo do pensamento ou no pop. É o que é, e basta-se com isso, como qualquer grande filme de um grande autor [Svankmajer, Lynch, Buñuel...]. Para não entrar aqui num devaneio teórico que nos levava longe.

Diogo C. disse...

* Influências, ou influência-raiz é coisa de fracos, de quem não tem expressão, atitude, arte e espírito próprio; de quem procura a poética perfeita nos aspectos sensoriais e emotivos de quem lhe é alheio e, não raro, maior.

Unknown disse...

"Influências é coisa de fracos, de quem não tem expressão"?

Não percebo o que queres dizer com isso. E nem percebo porque é que as grandes obras de arte se devem bastar a si próprias, anulando a sua influência na arte posterior.

Há produção artística que foi severamente influente e com a qual de pode marcar um antes e um depois. Nem vale a pena referir exemplos vindos da literatura, da música, das artes plásticas e do cinema. O que seria da música do século XX sem a "influência" da obra "A Sagração da Primavera" de Stravinsky? Ou do rock sem o "Never Mind The Bollocks" dos Sex Pistols? Ou do "Citizen Kane" do Welles? Ou?...

Em que sentido queres retirar o conceito de "influente" a estes exemplos? Como pode um artista seminal na história da arte não ser influente? Gostava que respondesses a isto mas sem rodeios teórico-semânticos.

Diogo C. disse...

Tens de reparar no que disse sobre a "influência": influência-raíz. E não falo da indústria cultural, onde tudo se recicla sem nada se aproveitar. Quando falas de um artista, para mim só existem dois tipos: o verdadeiro e o falso. Um bom artista encontra na busca, incessante, da perfeição o porquê da obra de arte. Não falo de uma perfeição técnica, mas sim de uma invenção de uma poética singular - seja ela pela imagem, som, letra. Qual é a importância dessa questão (o porquê da obra de arte) num artista meramente influenciado? Falemos, sei lá, do rock. Quantas são as bandas importantes? Em cada uma delas existe um "porquê", uma identidade substancialmente diferente de quem os influenciou para serem tidos, até, como objecto artístico? A arte não pode viver sem a consciência crítica. É disso que todos se esquecem. Hoje, e cada vez mais, é absolutamente fundamental, para a evolução. Sem isso, há o fait-diver.

Os debaixo de influência são fracos, acomodados, putos mimados. A arte, como transgressão. Da crise.

Unknown disse...

Ah! Agora já percebi onde querias chegar. E não só te percebo como acabo por concordar com o essencial do que dizes: a importância da arte com consciência crítica, a diferença entre técnica e poética, a definição da verdadeira identidade de um artista que o diferencie de qualquer outro através de uma busca incessante da sua própria essência, a necessidade da emergência de um força criativa que marque a diferença, seja em que área artística for... Assim já faz sentido para mim.

Diogo C. disse...

Exacto. Serão sempre tomadas de posição, no entanto. Mas é no que quero acreditar, para mim e quem me memoriza.

Sam disse...

(se é sábio ou não, pouco importa) Apenas sei que é impossível menosprezar a importância deste filme para a História da Sétima Arte.

80 anos depois, consegue sempre suscitar novas sensações a cada visualização. Está repleto de pequenos e escondidos detalhes que uma simples "olhadela" de 17 minutos não permite a total apreciação de UN CHIEN ANDALOU.

Cumps. cinéfilos.