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Finalmente, vi
"Avatar". Não vou entrar em considerações sobre se o filme de James Cameron é cinema revolucionário por causa da utilização do 3D (a propósito deste
post). O que sei é que "Avatar" é um marco no cinema pela forma como a tecnologia digital desempenha um papel preonderante na linguagem cinematográfica (apesar de importantes aspectos fracos apontados mais à frente). De beleza visual e superioridade técnica, portanto, “Avatar” está cheio. Tem sequência visuais de suster a respiração, e aí o mérito é de
James Cameron que imaginou esse fabuloso planeta Pandora - concebido em imagens pela mais avançada empresa de efeitos especiais, a
WETA Digital de
Peter Jackson.
É inegável o nível de excelência tecnológica que Cameron conseguiu atingir para que pudesse concretizar esta magnífica aventura visual. É o próprio realizador que conta: “Sonhei criar um filme assim, ambientado num outro mundo, repleto de perigos e beleza, desde que era um menino que lia revistas de ficção científica, e desenhava monstros e extraterrestres na aula de matemática”. "Avatar" cumpre, pois, a sua função de cinema-espectáculo em tons de claro blockbuster comercial, percebendo-se o porquê de ter demorado 12 anos a conceber e os 250 milhões de dólares de custo. São duas horas e meia de deleite visual, magia e puro entretenimento (nunca o 3D foi tão deslumbrante e eficiente como neste filme).
Mas o cinema, obviamente, é mais do que o conjunto destas características eminentemente técnicas. O argumento de "Avatar" é claramente polvilhado de lugares-comuns e de total previsibilidade narrativa. Louva-se a James Cameron a crítica directa aos históricos massacres levados a cabo por europeus e norte-americanos aos povos indígenas de todo o mundo. Louva-se a preocupação na defesa dos valores ambientalistas e a mensagem subjacente. Mas é nítida a sensação de que “Avatar” é uma mistura de “O Último dos Moicanos” tecnológico do século XXI, com pitadas românticas de “Pocahontas”, e o patriotismo heróico de “Braveheart".
Li numa entrevista a James Horner (compositor da música, já lá vamos) em que este afirmava que o público não está preparado para propostas vanguardistas nem ideias muito inovadoras. Salta à vista esse facto no filme. A história é orientada segundo uma lógica dialéctica entre o bem e o mal, os opressores e os oprimidos, uma inevitável relação de amor pelo meio, e o equilíbrio entre cenas de acção desenfreada com cenas de contemplação. O final em registo de previsível "happy end" ajuda a solidificar a ideia que jamais passou pela cabeça do realizador e dos produtores a exploração de um "script" arrojado e original.
Outro ponto menos conseguido do filme é a música. James Horner, compositor de bandas sonoras de Hollywood há 30 anos, conhece bem a fórmula do sucesso imediato. Das dezenas de trabalhos já realizados, compôs a música para "Titanic", "Braveheart", "Apocalypto", "Troy" e "Apollo 13". Ou seja, filmes épicos com importante elementos heróicos. Não quer dizer que a música de "Avatar" seja má, mas é totalmente previsível e cheia de lugares-comuns. Mais: parece que James Horner se plagia a si próprio, pela forma como utiliza sempre os mesmos elementos musicais e instrumentais (flautas e cantos para dar um tom exótico, percussões furiosas para cenas de acção...). Neste aspecto, o compositor Howard Shore, na saga "O Senhor dos Anéis", soube melhor do que ninguém perceber as nuances dramáticas da histórica épica. Por outro lado, o trabalho de sonoplastia e de efeitos sonoros é irrepreensível.
O mais surpreendente e totalmente desnecessário: a canção que surge no final do filme, já a acompanhar os créditos finais. Lembram-se da famosa canção "My Heart Will Go On" cantada por Celine Dion em "Titanic"? Pois bem, James Horner propõe um reedição de uma cançoneta lamechas idêntica (não, pior) para o fim do filme. Borrou totalmente a pintura.
Em jeito de balanço final: "Avatar" não é uma obra-prima do cinema. É um filme que ficará na história pelo uso revolucionário da tecnologia digital em 3D (que provavelmente inaugurará uma era de novas produções do género) e pelo puro entretenimento de qualidade que provoca no espectador.
PS - Ao fim das duas horas e meia de visionamento senti uma ligeira dor de cabeça devido ao 3D.