sábado, 31 de dezembro de 2011

Novo ano


Hoje é o último dia do ano 2011.
Que me lembre, no cinema contemporâneo, não há nenhuma sequência tão paradigmática da festa de final de ano como em "Strange Days" de Catherine Bigelow.
Este filme foi realizado em 1995 e tornou-se rapidamente num filme de culto de ficção científica ciberpunk. Relembro particularmente esta película porque os seus últimos três minutos centram-se na festa popular de boas vindas ao ano 2000, em plena Time Square de Nova Iorque. É durante esta sequência que o desenlace narrativo do filme tem lugar, com a reconciliação dos personagens interpretados por Ralph Fiennes e Angela Bassett.
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E é com esta sequência festiva que quero desejar a todos os leitores e seguidores deste blog um bom ano de 2012.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A carnificina de Polanski


O filme de Roman Polanski, “O Deus da Carnificina”, baseado numa peça de teatro de Yazmina Reza, estreou ontem nas salas portuguesas.
É uma obra que remete para os fantasmas do recorrente imaginário 'polanskiano': a claustrofobia (literal e metafórica) dos espaços, o conflito latente entre personagens e a natureza maléfica das pulsões humanas. Dois casais, aparentemente civilizados e bem formados, encontram-se num apartamento de um deles para conversarem sobre um episódio de violência ocorrido com os filhos de ambos casais. Mas o que sucede ao longo do tempo real da discussão é uma disputa quase irracional que comprova que a comunicação entre adultos é um processo complexo, árduo e difícil. Aos poucos, a arrogância, o cinismo e a violênica verbal tomam conta da conversa dos dois homens e duas mulheres, invadindo temas que nada tinham a ver com o tópico inicial.
Definitivamente, aquele apartamento transforma-se num ringue de combate, de diatribe verbal destravada com consequências nefastas para todas as pessoas envolvidas. Afinal de contas, os instintos mais básicos do ser humano invadem o apartamento e assumem valores que destroem a capacidade racional de diálogo e de cordialidade. É uma visão negra e pessimista que questiona a possibilidade de uma comunicação humana eficaz (Jodie Foster diz: “Porque é que as coisas têm de ser tão difíceis?”), enfatizada com a incessante utilização do telemóvel por parte da personagem de Christoph Waltz, elemento profundamente perturbador da dinâmica de diálogo (e que será um elemento detonador do conflito no seio do próprio casal).

Polanski encena magistralmente este crescendo de desorientação e de desmontagem de aparências, recorrendo a um humor negro desconcertante, sendo que as interpretações dos quatro actores são absolutamente decisivas para o notável resultado final.
“O Deus da Carnificina” tem reminiscências estilísticas de dois ou três filmes: “Quem Tem Medo de Virgínia Wolf?” (1966), pela densidade dramática criada por dois casais; “12 Homens em Fúria” (1957) de Sidney Lumet, filme circunscrito a uma sala claustrofóbica; e “A Corda” (1948), de Hitchcock, película realizada num cenário idêntico (apartamento) e filmada em tempo real da história.
A carnificina do título do filme de Polanski é de índole moral, escalpelizando alguns dos males da civilização moderna: o individualismo, as deturpações no processo de comunicação, os jogos de aparências, a falsidade da bondade humana e a ausência de valores éticos reguladores da vida em sociedade.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Óscares: o cartaz (conservador)


Os Óscares estão aí à porta e a Academia de Hollywood divulgou o cartaz oficial do evento. Ao contrário do que já li, parece-me um cartaz desinteressante em termos visuais. Claro que a mensagem está lá bem vincada (a presença da estatueta dourada diz tudo) com a ajuda de algumas imagens de filmes clássicos de fundo ("Casablanca", "Godfather"...).
No entanto, esta linha gráfica que evoca a sumptuosidade da cerimónia, o mundo do estrelato e da fama, cansa de tão repetitiva. Não há rasgos criativos e originais, nenhum elemento visual que desperte a curiosidade ou a invenção formal (os cartazes do festival de Cannes costumam ser bem mais ousados).
Talvez este conservadorismo nos cartazes de divulgação dos Óscares tenha relação com o alegado conservadorismo das preferências cinematográficas dos membros da Academia. Falta a visão criativa de um Saul Bass para revolucionar esta tipologia de cartazes em Hollywood.

Top 2011 - Os filmes

De ano para ano, o número de estreias de filmes nas salas aumenta: em 2009 estrearam 347 filmes; em 2010, 440; e em 2011, passaram pelas salas portuguesas nada menos do que 509 filmes!
Claro que em meio milhar de películas, haverá 10 ou 15 filmes realmente fora de série. Não que eu tenha visto os 500 filmes de todo o ano, muito longe disso. Mas dos que vi, dá para concluir que foi um bom ano cinematográfico.
Convém fazer uma nota prévia dizendo que ainda não vi filmes possíveis candidatos à lista dos melhores do ano, como "Sangue do Meu Sangue", "Restless", "Nos Idos de Março", "O Tio Boonmee Que se Lembra das Suas Vidas Anteriores", "The Artist", "A Autobiografia de Nicolae Ceausescu", "Aurora", "Temos Papa", "Isto Não é Um Filme", "O Miúdo da Bicicleta", "As Serviçais" ou "Um Método Perigoso".
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Assim, do que já vi destacaria 12 títulos.
A saber:
12 - "Super 8" - J.J. Abrams (Uma feliz revisitação pela memória do cinema à mistura com ficção científica: um bom divertimento para miúdos e graúdos).
11 - "50/50" - Jonathan Levine (Porventura um dos melhores e mais honestos filmes sobre a sensível temática do cancro. Joseph Gordon-Levitt arranca uma brilhante interpretação).
10 - "O Cisne Negro" - Darren Aronofsky (Um retrato inquietante sobre a degradação psicológica de uma mulher que apenas almeja a perfeição).

9 - "Meia-Noite em Paris" - Woody Allen (O regresso de Woody Allen ao mais fino humor intelectual numa obra que compete com as suas melhores comédias de sempre).
8 - "Essential Killing" - Jerzy Skolimowski (Vincent Gallo é portentoso no soldado fugitivo que procura salvação sem dizer uma palavra. Realização prodigiosa de Skolimowski).
7 - "Uma Separação" - Asghar Farhadi (É um retrato sem espinhas sobre uma separação que é também uma metáfora dos problemas da sociedade moderna).
6 - "A Árvore da Vida" - Terrence Malick (Filme metafísico sobre as questões da vida e da morte, do homem e do amor, com a natureza elegíaca como pano de fundo).
5 - "48" - Susana Sousa Dias (Um dos mais originais documentários sobre a tortura a que foram sujeitas as vítimas do salazarismo. Inovação estética sem paralelo no cinema português).
4- "Drive" - Nicolas Winding Refn (Sofisticado e visualmente arrojado filme que deve tanto a Michael Mann como a "Taxi Driver". Violento e mordaz, num filme em que o silêncio conta).
3 - "Melancolia" - Lars Von Trier (Obra apocalíptica, negra e completamente nihilista sobre as relações humanas, mais do que sobre o fim do mundo).
2 - "O Deus da Carnificina" - Roman Polanski (É Polanski "vintage", realização segura e interpretações de elevado nível. É sobre a natureza psicológica das relações humanas).
1 - "O Cavalo de Turim" - Béla Tarr (Último filme de um profeta do cinema. Obra austera e difícil, mas de alcance artístico inigualável, Béla Tarr é um visionário raro do cinema actual).

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Cheetah


Quando era miúdo costumava ver os filmes de Tarzan ao fim-de-semana na televisão. Adorava as aventuras do homem da selva e do seu inseparável e divertido chimpazé (um dos filmes que mais me ficou na memória foi o de Tarzan em Nova Iorque). O que eu estava longe de imaginar e saber era que o dito chimpazé, de nome Cheetah (Chita), ainda estava vivo apenas há dois dias. Morreu ontem vítima de insuficiênica renal aos 80 anos, uma idade muito superior à esperança média de vida de um chimpazé.

Curiosamente, Cheetah morreu com a mesma idade do actor que encarnava Tarzan, Johnny Weissmuller.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Top 2011 - Os livros

Foi um ano de leituras esparsas. Tenho uma pilha de livros na prateleira comprados este ano à espera de tempo para serem lidos. Provavelmente, alguns poderiam constar nesta lista...
Claro que, em todos os anos, há sempre muitos livros que gostaria de ter comprado e lido, mas nos tempos que correm, o dinheiro e a disponibilidade são fortes condicionantes. E é impossível acompanhar o louco ritmo de 40 novos livros editados, em média, todos os dias em Portugal!
O ano valeu pela descoberta/revelação do magnífico escritor norueguês Kjell Askildsen, com dois livros editados no mercado nacional.

1 - Kjell Askildsen - "Uma Vasta e Deserta Paisagem"
2 - Truman Capote - "A Erva de Ervas"
3 - Celina Manzoni - "Eu Sou Bolaño"
4 - Kjell Askildsen - "Um Repentino Pensamento Libertador"
5 - Julian Barnes - "Nada a Temer"
6 - Gonçalo M. Tavares - "Short Movies"
7 - Charlie Chaplin - "A Minha Viagem Pela Europa"
8 - Jack Kerouac - "Pela Estrada Fora - O Rolo Original"
9 - Elias Canetti - "Auto-de-Fé"
10 - Julian Barnes - "O Sentido do Fim"
11 - Philipp Meyer - "Ferrugem Americana"
12 - Luís Reis Torgal - "O Cinema Sob o Olhar de Salazar"

Top 2011 - Os discos

São 35 discos, mas podiam ser mais. Efectivamente, este ano ouvi muita música, ao contrário do ano de 2010. E houve muitos e bons álbuns - quase diria que outros tantos cabiam nesta lista. Como já é apanágio, a lista é bastante ecléctica em termos de preferências musicais, abarcando quase todas as grandes correntes estéticas contemporâneas.



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Discos internacionais:

1 - Tom Waits - "Bad as Me"
2 - Death Grips - "Exmilitary"
3 - Battles - "Glass Drop"
4 - The Kills - "Blood Pressures"
5 - Shining - "Live Blackjazz"
6 - Tune-Yards - "W H O K I L L"
7 - John Zorn - "Enigmata"
8 - Thurston Moore - "Demolished Thoughts"
9 - PJ Harvey - "Let England Shake"
10 - Amon Tobin - "Isam"
11 - Anna Calvi - "Anna Calvi"
12 - Man Man - "Life Fantastic"
13 - Fleet Foxes - "Helplessness Blues”
14 - White Denim - "D"
15 - People Like Us - "Welcome Abroad"
16 - Felix Kubin - "Bruder Luzifer"
17 - Bill Frisell - "Sign of Life"
18 - Anoushka Shankar - "Traveller"
19 - Sonic Youth - "Simon Werner a Disparu"
20 - Hauschka - "Salon Des Amateurs"
21 - Jazzsteppa - "Hyper Nomads"
22 - Tes La Rok - "Them"
23 - Burial - "Street Halo"
24 - Gang Gang Dance - "Eye contact"
25 - Feelies - "Here Before"
26 - Dirty Beaches - "Badlands"
27 - Burzum - "Fallen"
28 - Kode9 + The Spaceape - "Black Sun"
29 - Planningtorock - "W"
30 - Radiphead - "The King of Limbs"
31 - Fucked Up - "David Comes to Life"
32 - Mouse on Mars - "Abschaffung der Arten"
33 - DJ Shadow - "The Less You Know, The Better"
34 - TV On The Radio - "Nine Types Of Light"
35 - Taraf de Haidouks and Kocani Orkestar - "Band Of Gypsies 2"

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Discos nacionais:

1 - Dead Combo - "Lisboa Mulata"
2 - PAUS - "PAUS"
3 - You Can't Win, Charlie Brown - "Chromatic"
4 - Stealing Orchestra - Deliverance"
5 - Old Jerusalem - "Old Jerusalem"
6 - Macacos do Chinês - "Vida Louca"
7 - Sean Riley & The Slowriders - "It's Been a Long Night"
8 - M-Pex - "iPhado"
9 - Rodrigo Leão - "A Montanha Mágica"
10 - Norberto Lobo - "Fala Mansa"
11 - César Prata - "Canções de Cordel"
12 - The Glockenwise - "Building Waves"

O balanço a chegar


É da tradição no final de cada ano fazer-se um balanço do que de melhor (e por vezes pior) aconteceu. Como é também tradição n'O Homem Que Sabia Demasiado desde há quatro anos, irei fazer uma análise breve do ano cultural, abordando os discos, filmes e livros. Não necessariamente os 'melhores' discos, filmes e livros considerados de forma unânime; apenas aqueles de que eu gostei bastante e que merecem constar numa lista dos melhores. Porque uma lista tem sempre, por inerência, um forte cunho relativo e pessoal.
Wait and see.

Um génio esquecido


(Imagens: George Antheil / Ezra Pound e George Antheil)
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Pergunto-me muitas vezes porque é que o génio artístico de George Antheil (pronuncia-se "antil") não é reconhecido ou nem sequer surge, muitas das vezes, referenciado nos dicionários musicais como merecia.

George Antheil (1900 - 1959) foi um músico à frente do seu tempo. Nascido nos EUA, New Jersey, aprendeu muito cedo a tocar piano. Um dia teve um ímpeto expansionista e deixou os EUA com uns imberbes 22 anos, mudando-se para a Europa (Paris, Berlim, Viena...) onde conheceu Stravinsky, uma das suas principais referências. Começou a dar concertos de piano que ficaram famosos pela total inovação técnica de abordar o teclado: de forma percussiva e violenta, gerando amálgamas sonoras abruptas e harmonicamente dissonantes. Numa época em que ainda se respirava a música melódica dos impressionistas (Debussy, Ravel...), George Antheil quebrou regras e violentou os ouvidos mais sensíveis, de tal forma que alguns concertos acabavam em verdadeiros motins.

Vanguardista e revolucionário foram os primeiros epítetos atribuídos a Antheil. Estávamos nos gloriosos e ricos anos 20 do século XX e o próprio pianista auto-proclamava-se, apropriadamente, "bad boy of music". A sua irreverente visão criativa da música levou-o a experimentar inusitadas combinações de instrumentos que nunca tinham sido tentadas, inventar instrumentos (como os futuristas italianos) e a utilização, como fez também Edgar

Varèse, de sons e ruídos urbanos - sirenes, buzinas, ruídos industriais, etc.
Com um espírito ávido de novas experiências artísticas e novos conhecimentos, foi amigo de artistas ilustres: James Joyce, Ezra Pound, Gertrude Stein, Pablo Picasso, Salvador Dali, Ernest Hemingway, Erik Satie, Igor Stravinsky, Fernand Léger... Ou seja, alguma da nata artística daqueles anos. Uma das suas obras musicais mais conhecidas e celebradas é a música que compôs para o filme dadaísta "Ballet Mécanique" de 1924, realizado pelo pintor e cineasta Fernand Léger. "Ballet Mécanique" é um marco insuperável do cinema de vanguarda dos anos 20, uma proposta visual abstracta, usando técnicas mistas - fotografia, colagens de imagens, animação, imagem real, ângulos de câmara e montagem ritmada. A música de George Antheil é um portento de erupção rítmica e combinações tímbricas, numa massa sonora agreste e imprevisível (aqui se nota onde o pianista de free jazz Cecil Taylor foi buscar inspiração) - um "ballet mecânico" com objectos e formas) como se poder ver e ouvir aqui:

Mais tarde, George Antheil regressa à américa natal e enverada por uma carreira de compositor de bandas sonoras para filmes de Hollywood. Com o passar dos anos, a música de Antheil foi evoluindo para um estágio estético mais convencional, quase próximo no neo-clacissismo, deixando para trás os anos de rebeldia e ousadia formal. Agora chamo a especial atenção para o que se segue: a recriação da peça musical "Ballet Mécanique" de George Antheil recriada por uma orquestra de instrumentos... robots. Trata-se do projecto norte-americano LEMUR - League of Electronic Musical Urban Robots . A apresentação deste concerto aconteceu na Nation Gallery of Art, Washington, em 2006. São 16 pianos a tocar simultaneamente com uma parafernália imensa de percussão e objectos sonoros pré-controlados.

Deveras impressionante.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Genealogia de Fotogramas #15

Provavelmente, esta é uma das cenas mais fortes e incómodas do ano cinematográfico de 2011: no filme "Essential Killing", de Jerzy Skolimowski, Mohammed (espantoso Vincent Gallo) é um fugitivo esfomeado. De tal forma que, quando se depara com uma mulher com um bebé ao colo, percebe que amamenta e, desesperado, suga à força o leite materno da mulher. É uma cena que causa grande impacto, mais a mais por se saber que não foi encenada: Vincent Gallo, adepto do mais duro realismo, fez questão de beber mesmo o leite do peito de uma verdadeira mãe que amamentava um bebé.






















domingo, 25 de dezembro de 2011

"The Artist" - O filme mudo


É o grande fenómeno do momento no mundo do cinema: o filme "The Artist" do realizador francês Michel Hazanavicius. A estreia deste filme aconteceu no último Festival de Cannes, competindo à Palma de Ouro (perdeu para "The Tree of Life") e o actor principal, Jean Dujardin, ganhou mesmo o Prémio de Melhor Actor. Recentemente foi nomeado para seis prémios Globos de Ouro e já se fala, insistentemente, nas nomeações para os almejados Óscares. A sensação à volta de "The Artist" é que se trata de um filme... mudo. Toda a sua estética visual remete para os filmes mudos dos gloriosos anos 1920. O realizador demorou 10 anos a convencer os produtores a investir neste projecto. E o resultado está à vista. A crítica e o público (já estreou comercialmente no final de Novembro nos EUA) têm sido quase unânimes nos elogios a este filme que foi pensado como se fosse realizado, de facto, entre 1927 e 1933 (época em que o sonoro veio substituir o mudo e que serve de pano de fundo para a história de "The Artist").

Michel Hazanavicius não é o primeiro realizador a explorar a estética do cinema mudo. O canadiano Guy Maddin (escrevi sobe ele aqui) já o fizera com brilhantes resultados formais. A inovação que "The Artist" acarreta é que não se limita a ser um mero exercício de estilo saudosista a preto e branco. Os valores de produção, as interpretações marcantes, a realização, a fotografia, a banda sonora e a história de amor (também amor ao cinema) são, tudo o indica, razões para considerar "The Artist" como uma obra absolutamente singular dos tempos modernos.

Além do mais, este filme de Hazanavicius tem outro mérito: o de chamar a atenção - sobretudo para as novas gerações de cinéfilos - para a história do cinema mudo. Vendo "The Artist", os jovens espectadores que desconhecem o período mudo, poderão ficar sensibilizados e motivados a descobrir e ver os grandes mestres desta época da história do cinema: Fritz Lang, Charlie Chaplin, Buster Keaton, Eisenstein, Murnau, etc.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O estilo de Ryan Gosling em "Drive"


Quem viu o filme "Drive" notou, certamente, a forte presença da cultura pop dos anos 80: desde o tipo de letra do genérico, à banda sonora, ao guarda-roupa e ao próprio ambiente geral do filme, tudo em "Drive" respira à década dos "eighties".
Ryan Gosling tem uma interpretação de relevo (co-adjuvado por um bom naipe de actores secundários): é o exímio "driver" de que não se conhece o nome, frio e imperturbável, pose altiva, com um palito ao canto da boca e dono de uns olhos gélidos. Sem quase se dar por isso, o 'condutor' é envolvido numa terrível espiral de violência para defender uma família à deriva...
Para além da interpretação em si, um dos aspectos que outorga mais carisma à figura de Gosling é o guarda-roupa, o qual reflecte toda uma época (para o melhor e pior).
Este site explora ao pormenor o estilo visual de Gosling, desde o já célebre blusão prateado com um escorpião dourado (na imagem), os jeans Levi's, os óculos, luvas, botas e até ao acessório como o relógio. Tudo com marca devidamente registada.
A prova de que um apropriado guarda-roupa é fundamental para atribuir personalidade a uma personagem de cinema.

Robert Capa e "Notorious"


"Notorious" (1946) é um dos filmes preferidos dos admiradores de Alfred Hitchcock.
O argumento sobre espionagem em tempo de guerra e o clima de suspense explorado são apenas dois elementos que criaram a mística sobre este filme. Mas há mais: este é, porventura, o filme de Hitchcock no qual os actores principais - fabulosos Cary Grant e Ingrid Bergman - mais se entregaram a fundo, de tal forma que "Notorious" é também lembrado por três tórridas cenas de beijos entre Grant e Bergman.
Só que nessa altura, a actriz sueca mantinha uma paixão assolapada pelo famoso fotógrafo Robert Capa. Ela quis casar-se com ele, mas Capa recusou porque detestava o modo de vida de Hollywood.
Um dia, Robert Capa foi ao set do filme "Notorious" e Hitchcock autorizou que tirasse umas quantas fotografias. Foi o que fez. E para a história ficaram as seguintes quatro fotografias das filmagens deste clássico de Hitch:



quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Woody Allen músico

É bem conhecida a paixão de Woody Allen pela música em geral e pelo jazz em particular. Há muitos anos que nos tempos livres do realizador toca clarinete com uma banda ao estilo de Nova Orleães. Ele acha-se um instrumentista sofrível, mas é falsa modéstia.
A sua dedicação à música é de tal ordem que se consta que, em 1987, preferiu tocar ao vivo num clube nova iorquino para um público restrito do que ir receber um Óscar pelo seu filme "Hannah e Suas Irmãs".
Realizado por Barbara Kopple, o documentário "Wild Man Blues" retrata Woody Allen e a sua banda de jazz durante uma digressão europeia em 1997. À medida que Allen e a sua banda sobem ao palco e tocam diante de audiências calorosas em sete países e dezoito cidades, o filme capta a energia e a paixão destes espectáculos, bem como momentos privados da vida de Woody Allen, longe da euforia dos fãs, combatendo o carnaval 'felliniano' das celebridades que o rodeiam.
O documentário é de 1997 e não havia edição portuguesa. Agora a editora Clap Filmes (cada vez mais activa e com excelente catálogo) acaba de lançar "Wild Man Blues" em DVD para gáudio dos fãs de Woody Allen... músico.
PS - A Clap também editou uma caixa com 4 DVDs de Woody Allen.

Há Oliveira e há os outros

A idade é um posto, diz-se na gíria popular. E é verdade.
No universo do cinema, apesar do português Manoel de Oliveira liderar a lista mundial dos realizadores mais velhos no activo com os seus (quase) impensáveis 103 anos de idade, outros há que também deitaram para trás das costas a palavra "reforma" e continuam a fazer filmes com a experiência acumulada de muitas décadas de trabalho: Clint Eastwood (81 anos), Alain Resnais (89), Jean-Luc Godard (81), Roger Corman (85), Chris Marker (91), Jacques Rivette (83), Agnès Varda (83), Claude Chabrol (80), Jonas Mekas (88), Frederick Wiseman (81), Jean-Marie Straub (78), Carlos Saura (80), Roman Polanski (78), William Friedkin (76), entre outros.
Cineastas que são verdadeiros modelos a seguir - na vida como na arte - para os jovens aspirantes a realizadores.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Os bilhetes de cinema

Durante anos, por aí entre 1990 e 1995, mantive uma mania peculiar (ou talvez nem tanto): a de guardar todos os bilhetes de cinema. Era uma altura em que ia, frenética e religiosamente, todas as semanas ao cinema, numa altura em que ver cinema se restringia a ver um único filme em cartaz durante toda uma semana. Entrar na sala de escura era um ritual. Via tudo: os filmes maus, medianos, bons e muito bons. Tinha o gosto pelo ambiente da sala de cinema e foram anos progressiva aprendizagem (também por causa do cultura de videoclube e dos bons filmes que passavam na televisão) que contribuíram para a minha formação como cinéfilo.

Nesses anos, ainda sem euros, uma ida ao cinema custava 300 escudos (1,5€). Por vezes também assistia às sessões alternativas da meia-noite ao fim-de-semana; não só era mais barato como via grandes filmes clássicos e de autor. Mas na verdade, como só existia uma sala de cinema com um único filme em cartaz durante vários dias, chegava a ir duas e até três vezes ao cinema quando os filmes eram realmente muito bons (com destaque para obras de Scorsese, Coppola, Lynch...). Regressando aos bilhetes: para além de os guardar, escrevia nas costas dos mesmos (como se comprova na imagem), as seguintes informações: título e data do visionamento do filme, e classificação pessoal. Ou seja, atribuía as famosas estrelinhas a cada filme visionado, não fosse esquecer-me, anos mais tarde, se o filme que tinha visto era bom, mediano ou mau. Ainda hoje tenho guardado com nostalgia as centenas de bilhetes correspondentes a outras tantas sessões de cinema.

A título de curiosidade, eis alguns exemplos retirados ao acaso:

(Filme / Data / Classificação pessoal):

"Um Coração Selvagem" - 27/07/1991 - *****
"Família Adams" - 20/12/1993 - **
"A Idade da Inocência" - 16/04/1994 - *****
"A Lista de Schindler" - 10/05/1994 - ****
"A Fogueira das Vaidades" - 10/05/1991 - **
"A Casa da Rússia" - 22/04/1991 - ***
"Goodfellas" - 25/01/1991 - *****
"O Padrinho III" - 22/03/1991 - *****
"Predador 2" - 26/04/1991 - *
"Eduardo Mãos de Tesoura" - 28/06/1991 - ****
"Instinto Fatal" - 18/10/1992 - **
"Uma Questão de Honra" - 9/01/1993 - **
"O Silêncio dos Inocentes" - 1/011/1991 - *****
"Thelma & Louise" - 23/11/1991 - ***
"Um Coração Selvagem" - 28/07/1991 - *****

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O poder da Voz Off


Há várias formas de contar uma história no cinema. Uma das formas de que gosto mais é através da chamada voz off, ou seja, uma voz que narra os acontecimentos do filme. Curiosamente, este foi um recurso utilizado sobretudo após a segunda grande guerra, com especial desenvolvimento a partir dos anos 80. A voz off confere outra dimensão à dinâmica narrativa e dramática de um filme (mais ainda se o filme em questão for um drama ou um thriller). E uma boa voz representa sempre uma personagem, na forma de papel de narrador passivo ou activo na história do filme. Há vozes que narram a história tão marcantes como os personagens principais dos filmes. Mais: se juntarmos a uma voz carismática um bom texto, inspirado e acutilante, então o efeito é deveras poderoso como veículo comunicacional.

Fiz um esforço de memória e seleccionei alguns filmes, sem critério específico e de forma algo aleatória, cujas vozes off são absolutamente determinantes na consumação da qualidade geral da obra cinematográfica:

Kevin Spacey – “Usual Suspects”
Kevin Spacey - “American Beauty”
Morgan Freeman – “Shawshank Redemption”
Max Von Sydow - "Europa"
Edward Norton – “Fight Club”
Martin Sheen – “Apocalypse Now”
Richard Dreyfuss – “Stand By Me”
Harrison Ford - “Blade Runner”
Woody Allen - “Annie Hall”
F. Murray Abraham – “Amadeus”
Malcoml McDowell – “Laranja Mecânica”
William Holden - “Sunset Boulevard”
Ray Liotta – “Goodfellas”
Barry Humphries - “Mary and Max”
John Hurt - “Dogville”
Tom Hanks - “Forrest Gump”
(voz não creditada) - “O Fabuloso Destino de Amélie”
(voz não creditada) - “How Green Was My Valley”
(voz não creditada) - “Last Year at Marienbad”
(voz não creditada) - “A Barreira Invisível”
(voz não creditada) - “Morangos Silvestres”
(...)

domingo, 18 de dezembro de 2011

Sonic Youth - O último concerto?

Thurston Moore e Kim Gordon, ambos músicos dos Sonic Youth, anunciaram há um mês o divórcio. Devido a este facto, logo surgiram rumores do fim da banda que ambos lideram há 30 anos. Esta semana os Sonic Youth deram um concerto no Festival SWU no Brasil e, ao que consta, terá sido o último do grupo.
Se assim for, aqui fica para a posteridade o registo integral do espectáculo de uma das maiores bandas rock independentes de todos os tempos.

Wagner e Lars Von Trier

Um dos grandes contributos para o impacto que "Melancolia" exerce no espectador é a música do compositor Richard Wagner.
Ao longo de todo o filme de Lars Von Trier, a sublime música de Wagner (retirada da obra "Tristão e Isolda") ecoa repetidamente em diversas sequências, acentuando o drama, a inquietação, a deriva emocional dos personagens, até ao devastador final. A música wagneriana possui essa rara qualidade de trazer à superfície as emoções que se escondem na profundidade da alma humana. O realizador dinamarquês soube utilizar o magnífico desígnio que a música de Wagner comporta, e anexá-la às belíssimas imagens de sensibilidade (quase) zen do filme.
"Melancolia" é um filme absolutamente nihilista, sem redenção, acerca do falhanço das relações humanas e da (im)possibilidade do amor e da esperança.
E a música de Wagner, grandiosa e esbelta, enfatiza estas premissas à saciedade. E fico com a sensação de que nunca mais voltarei a ouvir "Tristão e Isolda" sem recordar as expressivas imagens do filme de Lars Von Trier.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Lynch sobre Tati

Este excerto de vídeo faz parte do documentário (que infelizmente nunca vi até ao fim) "Once Upon a Time... Mon Oncle", sobre o cinema do grande cineasta francês Jacques Tati.
Neste fragmento podemos ver David Lynch a comentar a arte de Tati, focando-se na forma como o cineasta encena as situações, as relaciona e como utiliza os sons para a construção do humor ("são 50% do filme", refere Lynch). David Lynch revela-se grande admirador da obra de Tati, o que não deixa de ser curioso, dado que ambos têm um universo estético e formal totalmente oposto.

Transhumanismo (no cinema e não só)


O Transhumanismo, é uma doutrina filosófica e científica cuja base se cimenta nas tecnologias mais sofisticadas aplicadas a vários ramos do saber, da genética à física, da biotecnologia à filosofia, da cibernética (inteligência artificial) à robótica, da antropologia à medicina ou à neurociência. É uma das áreas do conhecimento humano que mais me têm fascinado nos últimos dez anos. Basicamente, o objectivo do Transhumanismo é melhorar e desenvolver a espécie humana (em termos mentais e físicos) através de todos os meios possíveis e eticamente respeitáveis, nomeadamente, através de uma utilização racional das tecnologias mais avançadas que existem. Contrariar o envelhecimento e aumentar a longevidade, erradicar as doenças degenerativas e mortais, incrementar a inteligência e as capacidades mentais, são algumas das prioridades do Transhumanismo. Ficção científica? Delírios científicos sem exequibilidade real? Nem por sombras. Um dos suportes tecnológicos para o desenvolvimento dos ideais Transhumanistas tem a ver com o aumento na velocidade dos (super)computadores laboratoriais, facto que tornará ainda mais poderosa a fascinante Nanotecnologia, isto é, a manipulação atómica da matéria a nível microscópico (molecular, manipulando átomo a átomo).

Cada célula humana possui centenas de enzimas: máquinas microscópicas capazes de executar a enorme variedade de reacções químicas necessárias à vida. A ideia da nanotecnologia é construir máquinas (ships microscópicos) do tamanho de apenas alguns átomos capazes de executar funções previamente definidas. Por exemplo, um conjunto de nanomáquinas, chamado nanorobot, que execute determinadas tarefas pré-concebidas na resolução de determinados problemas, debelando doenças degenerativas.

Este cenário já tinha sido antecipado pelo conto premonitório do escritor de Ficção Científica Isaac Asimov, cuja adaptação ao cinema resultou no interessante filme “Viagem Fantástica” de Richard Fleischer (1966). Neste filme (vencedor de dois Óscares), um grupo de neurocientistas é miniaturizado - chegando ao tamanho de uma molécula de glicose - e enviado, a bordo de uma nave, ao cérebro de um paciente em coma para o operar, percorrendo para isso a sua corrente sanguínea e todos os perigos inerentes. Hoje em dia, com a nanotecnologia, já é possível à realidade imitar a ficção (mas não ainda nos termos do filme citado). Filmes como "A.I." (2001) de Steven Spielberg parecem ter sido concebidos à luz da ideologia transhumanista.

Apesar do Transhumanismo constituir, por assim dizer, uma das manifestações mais arrojadas da cultura tecnológica do nosso tempo, não é por isso que não deixa de suscitar controvérsia nos meios académicos. Francis Fukuyama, célebre autor dos livros “O Fim da História” e “O Nosso Futuro Pós-Humano” refere que "o Transhumanismo tem das ideias mais terríveis e destruidoras que conheço." Só que Fukuyama não especifica de qAdicionar imagemue forma. Estaria a referir-se à manipulação genética? Aos desafios da clonagem humana? À utilização “errada” da nanotecnologia? À possibilidade (bem real, mas ainda longínqua) da inteligência artificial poder suplantar a inteligência humana, como defendem muitos cientistas? A verdade é que o Transhumanismo, apesar dos seus princípios teóricos de beneficiação da condição humana com base na tecnologia aplicada às ciências (com o intuito de almejar a condição pós-humana), não deixa de levantar questões morais, éticas e até filosóficas.

No fundo, é o homem a brincar a Deus. Será este o caminho do futuro? De qualquer forma, o cinema representou ideias do Transhumanisno praticamente desde a sua génese, muito antes até de se saber o que era o Transhumanismo e o que esta corrente defendia. Estas ideias ficaram sobretudo expostas, directa ou indirectamente, em filmes de Ficção Científica tão marcantes como "Metropolis" até "Avatar".

Eis uma lista de dez filmes essenciais: Link.