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sábado, 7 de fevereiro de 2015

O assombroso Benjamin Clementine


Poucas coisas me dão mais prazer na vida do que descobrir um novo talento musical. Enche-me a alma. Regozijo-me com a descoberta de músicas e compositores/bandas que me desconcertem pela qualidade musical, pelo brilhantismo interpretativo ou pela originalidade.
É o caso recente do músico, cantor e compositor inglês Benjamin Clementine. Li recentemente uma crítica no jornal Público sobre este jovem de 26 anos e suscitou-me interesse. Parti à descoberta e foi fascínio logo à primeira audição. Benjamim Clementine é um portentoso cantor de apenas 26 anos que aprendeu sozinho a tocar piano e guitarra a partir dos 11. Em 2008, com 18 anos, resolve ir para Paris onde tocou durante alguns anos no metro, nos bares e hotéis até que um agente atento reparou no seu inato talento.

Desde aí gravou um EP e um álbum que acaba de ser editado. Já tocou no prestigiado Montreux Jazz Festival e já foi ao popular programa televisivo Jools Holland (BBC). A sua ascensão e reconhecimento estão a crescer progressivamente e não é para menos. A qualidade das composições de Benjamin são peças de ourivesaria de grande quilate. Ele próprio diz que o seu estilo musical expressionista foi influenciado por gente tão díspar como Tom Waits, Edith Piaf, Nina Simone (há que diga que é a versão masculina desta cantora), Scott Walker (quando canta no registo grave) e Erik Satie, Wim Mertens e Philip Glass no piano. A sua voz cristalina, versátil de acentuado timbre doce, arrepia pela intensidade e profundidade. As suas composições são todas de uma beleza e intensidade arrebatadoras, próprias de alguém com uma inspiração cheia de soul.


Clementine canta de forma pouco ortodoxa, soltando as frases rápidas ou lentas de forma surpreendente, com total controlo rítmico e melódico. As letras das suas canções são cuidadas e poeticamente sentidas. O seu poeta de eleição é o inglês William Blake. E nem se coíbe de fazer versões desconcertantes de grandes clássicos como "Voodoo Child" de Jimi Hendrix (aqui). Cultiva uma atitude dandy e subversiva que aprecio: dá concertos ao piano com os pés descalços, vestido com um casaco sem camisola por dentro e sentado no banco de forma quase vertical (contrariando o que as normas indicam). Ainda é cedo para confirmar se Clementine é um génio, mas a continuar a sua carreira como a começou vai tornar-se, de certeza absoluta, num dos grandes músicos e cantores do século XXI.

O seu álbum "At Least For Now" é já, quanto a mim, um disco que irá marcar 2015.

"I am an expressionist; I sing what I say, I say what I feel and i feel what I play by honesty and none other but honesty. Some will get bored of me, but I invite the patient listener to come forth, feel and most importantly engage with me without asking too many questions. Hopefully by the end of listening they shall get answers not questionable, wether pleasing or not."
Benjamin Clementine

Aqui deixo três obras-primas musicais em formato canção deste extraordinário songwriter:
Sugiro fortemente que vejam e oiçam esta mesma canção "Nemesis" numa magnífica versão a solo com Benjamin Clementine ao piano. Reparem na entrega emocional ao tema e como ele o termina. Aqui.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A criatividade esquecida de Antheil


(Imagens: George Antheil / Ezra Pound com George Antheil)
Pergunto-me muitas vezes porque é que o génio artístico de George Antheil (pronuncia-se "antil") não é reconhecido ou nem sequer surge, muitas das vezes, referenciado nos dicionários musicais como merecia.
George Antheil (1900 - 1959) foi um músico à frente do seu tempo. Nascido nos EUA, New Jersey, aprendeu muito cedo a tocar piano. Um dia teve um ímpeto expansionista e deixou os EUA com uns imberbes 22 anos, mudando-se para a Europa (Paris, Berlim, Viena...) onde conheceu Stravinsky, uma das suas principais referências. Começou a dar concertos de piano que ficaram famosos pela total inovação técnica de abordar o teclado: de forma percussiva e violenta, gerando amálgamas sonoras abruptas e harmonicamente dissonantes. Numa época em que ainda se respirava a música melódica dos impressionistas (Debussy, Ravel...), George Antheil quebrou regras e violentou os ouvidos mais sensíveis, de tal forma que alguns concertos acabavam em verdadeiros motins.
Vanguardista e revolucionário foram os primeiros epítetos atribuídos a Antheil.
Estávamos nos gloriosos e ricos anos 20 do século XX e o próprio pianista auto-proclamava-se, apropriadamente, "Bad Boy of Music". A sua irreverente visão criativa da música levou-o a experimentar inusitadas combinações de instrumentos que nunca tinham sido tentadas, inventar instrumentos (como os futuristas italianos) e a utilização, como fez também Edgar Varèse, de sons e ruídos urbanos - sirenes, buzinas, ruídos industriais, etc.
Com um espírito ávido de novas experiências artísticas e novos conhecimentos, foi amigo de artistas ilustres: James Joyce, Ezra Pound, Gertrude Stein, Pablo Picasso, Salvador Dali, Ernest Hemingway, Erik Satie, Igor Stravinsky, Fernand Léger... Ou seja, alguma da nata artística daqueles anos.
Uma das suas obras musicais mais conhecidas e celebradas é a música que compôs para o filme dadaísta "Ballet Mécanique" de 1924, realizado pelo pintor e cineasta Fernand Léger. "Ballet Mécanique" é um marco insuperável do cinema de vanguarda dos anos 20, uma proposta visual abstracta, usando técnicas mistas - fotografia, colagens de imagens, animação, imagem real, ângulos de câmara e montagem ritmada. A música de George Antheil é um portento de erupção rítmica e combinações tímbricas, numa massa sonora agreste e imprevisível (aqui se nota onde o pianista de free-jazz Cecil Taylor foi buscar inspiração) - um "ballet mecânico" com objectos e formas) como se poder ver e ouvir aqui:

Mais tarde, George Antheil regressa à América natal e envereda por uma carreira de compositor de bandas sonoras para filmes de Hollywood. Com o passar dos anos, a música de Antheil foi evoluindo para um estágio estético mais convencional, quase próximo no neo-clacissismo, deixando para trás os anos de rebeldia e ousadia formal.
Agora chamo a especial atenção para o que se segue: a recriação da peça musical "Ballet Mécanique" de George Antheil recriada por uma orquestra de instrumentos... robots. Trata-se do projecto norte-americano LEMUR - League of Electronic Musical Urban Robots . A apresentação deste concerto aconteceu na Nation Gallery of Art, Washington, em 2006. São 16 pianos a tocar simultaneamente com uma parafernália imensa de percussão e objectos sonoros pré-controlados.

Deveras impressionante.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Man Ray


Man Ray (na imagem à direita, ao lado de Salvador Dalí) fez parte do movimento dadaísta e surrealista dos anos 20 e 30 do século XX. É um dos meus artistas e fotógrafos preferidos.
Um artista iconoclasta e original como poucos que marcou a arte de todo o século. Desenvolveu uma obra artística tão inovadora na pintura como na fotografia. Neste último campo, fez retratos únicos de artistas como Picasso, Dali, Magritte, Buñuel. Artaud, Satie, Cocteau, Stravinski, James Joyce, Ducahmp, Matisse, Picabia (foi amigo de quae todos)… E o nu feminino adquiriu outra elevação estética com as fotografias de Man Ray.
Para além destas intervenções artísticas que influenciaram grande parte da arte produzida nas décadas seguintes, Man Ray experimentou também o cinema como veículo para a sua visão libertária da arte.
No apogeu do movimento surrealista e expressionista, no qual todas as linguagens de vanguardas eram permitidas, Ray fez as curtas-metragens “Emak – Bakia” (1926), “L’Étoile de Mer” (1928) e “Les Mystères du Château de Dé” (1929).
Três absolutos expoentes do cinema como poesia visual, como plataforma de experimentação estética e formal. São filmes abstractos e que recorrem a técnicas inovadoras de filmagem, montagem e efeitos visuais (alguns devedores do mundo da fotografia).

Todos estes filmes (entre outros) estão disponíveis para visionamento no site da UbuWeb

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O bailado de Satie, Cocteau e Picasso


Em 1917, Jean Cocteau, propôs a Serguei Diaguilev, empresário dos famosos Ballets Russes, colaborar com o compositor Erik Satie num ballet muito especial. Desta conjugação artística surgiu o bailado "Parade" (na imagem), com argumento de Cocteau e ainda cenários e figurinos do pintor Pablo Picasso.
A partitura musical de Satie, pianista e compositor visionário, continha sons de máquinas de escrever, apitos de sereias, ruídos de hélices de avião, de aparelhos de Morse, e de roletas de lotaria (a ideia era assaz original, mas não totalmente inovadora: o futurista italiano Luigi Russolo tinha construído "máquinas para fazer ruído" três anos antes). O lugar exigido a todos estes objectos exigiu uma redução de instrumentos musicais convencionais no fosso de orquestra, opção que provocou uma acesa discussão no seio da crítica e dos espectadores.
"Parade" foi um ballet inovador e ousado em termos estéticos (nos cenários, na coreografia e na música, um pouco à semelhança de "A Sagração da Primavera" de Stravinski), antecipando uns anos o movimento surrealista. Os críticos arrasaram sobretudo a música.
Erik Satie, com a sua personalidade irreverente e incontida, não se ficou e escreveu, satiricamente, um texto com o título "Elogio dos Críticos", que começa assim: "O ano passado fiz várias conferências sobre a inteligência e a musicalidade nos animais. Hoje vou falar-vos da inteligência e da musicalidade nos críticos. O tema é quase o mesmo, portanto."

sexta-feira, 5 de março de 2010

A arte no seu tempo (e fora dele)


Cada artista ou criador é fruto do seu tempo. A arte é fruto do seu tempo. Estamos em 2010, em pleno século XXI. Os artistas de hoje reflectem, essencialmente, sobre a experiência do presente, podendo trabalhar sobre referências do passado para projectar um futuro mais ou menos coerente. A música, o cinema, a literatura, e outras manifestações artísticas só existem porque são concebidas e contextualizadas nas circunstâncias da era em que os artistas vivem (já dizia Ortega y Gasset).
Vem esta reflexão introdutória a propósito porque, volta e meia, dou comigo a pensar o que fariam artistas que já morreram, e que viveram noutras épocas históricas, se vivessem neste nosso tempo, neste mundo, neste contexto social, político e histórico, neste tempo com as referências tecnológicas e culturais contemporâneas.
Por isso, faço o seguinte exercício mental (mais ou menos aleatório): que tipo de música faria hoje Debussy ou Satie?? Como seria o cinema de realizadores como F.W. Murnau, Buster Keaton ou Eisenstein? Sobre que temas escreveria George Orwell, Fernando Pessoa ou Edgar Allan Poe? Que configuração teria hoje a teoria filosófica de Nietzsche ou Schopenhauer? E Jackson Pollock desenvolveria hoje a mesma “action painting” que fazia nos anos 40 do século passado? Como se expressaria o surrealismo de Salvador Dalí? Stravinsky, John Cage ou Varèse aventurar-se-iam pela música electrónica?
O que diriam Franz Kafka ou Aldous Huxley da sociedade da comunicação globalizada? Qual seria a posição de um Einstein ou de um Freud face à evolução da ciência actual? Como se manifestaria hoje a inigualável genialidade criativa de um Bach ou de um Mozart? Provavelmente, alguns dos artistas citados não sofreriam quaisquer mudanças e seriam fiéis à identidade artística que os tornou famosos. Por outro lado, outros criadores haveria que seriam mais facilmente permeáveis à influência do meio que os rodeassem, alterando o seu rumo artístico e cultural de forma mais severa.
Enfim, questões que não passam de mera retórica mas que fazem sentido à luz da curiosidade do espírito humano.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O tempo na música de Satie


Um dia John Cage resolveu interpretar a peça "Vexations" do pianista francês Erik Satie (1867-1925). Satie foi conhecido como um músico excêntrico e inventivo (ainda hoje). A partitura original (na imagem) tem apenas uma página e levaria normalmente um minuto a dois a interpretar, mas no topo aparece esta instrução de Satie: "Para poder tocar este motive 840 vezes, será necessário estar preparado com antecedência e no silêncio mais absoluto e manter-se seriamente imóvel." A peça foi escrita em 1893, mas só descoberta em 1949, tendo sido considerada precursora do minimalismo repetitivo dos anos 60.
Cage levou esta instrução a sério e, em 9 e 10 de Setembro de 1963, no Pocket Theatre de Nova Iorque, apresentou "Vexations" na sua forma completa (repetição de 12 compassos 840 vezes). Cage queria explorar o conceito de tempo numa obra musical. Uma equipa de doze pianistas tocou a peça numa longa maratona desde as 18 horas até às 12h40 do dia seguinte. O The New York Times correspondeu à exibição enviando um bando de oito críticos para cobrirem o evento. Na audiência, durante algum tempo, estava Andy Warhol. que relembrou a experiência quando fez o filme de oito horas sobre o Empire State Building no ano seguinte.
O local do concerto estava equipado com um relógio de ponto que os participantes marcavam ao entrarem e ao saírem. Os ouvintes foram reembolsados de cinco cêntimos por cada vinte minutos que esperassem no "foyer". Os que assistiram a todo o concerto receberam uma senha com o valor de vinte cêntimos. Um tal Karl Schenzer, ex-actor da Broadway, foi o único a receber o reembolso total, tendo ficado sentado no "foyer" dezanove horas. Ao Times, Schenzer disse: "Sinto-me divertido e nada cansado". "Não foi muito tempo a ouvir a música?", perguntou o jornalista. "Tempo? O que é o tempo? Nesta música, a dicotomia entre vários aspectos de formas de arte dissolve-se".
A peça de Satie soa assim.
O último pianista a interpretar "Vexations" foi Michal Nyman (desconheço se foi integral).

quinta-feira, 12 de março de 2009

Satie e os críticos


Em 1917, Jean Cocteau, propôs a Diaghilev, empresário dos Ballets Russes, colaborar com o compositor Erik Satie num ballet. Desde conjugação artística, saiu o bailado "Parade" (na imagem), com argumento de Cocteau e ainda cenários e figurinos do pintor Pablo Picasso. A partitura musical de Satie, pianista e visionário, continha sons de máquinas de escrever, apitos de sereias, ruídos de hélices de avião, de aparelhos de Morse, e de roletas de lotaria (a ideia era assaz original, mas não totalmente inovadora: o futurista italiano Luigi Russolo tinha construído "máquinas para fazer ruído" três anos antes).
O lugar exigido a todos estes objectos exigiu uma redução de instrumentos musicais convencionais no fosso de orquestra, opção que provocou uma acesa discussão no seio da crítica e dos espectadores. "Parade" foi um ballet inovador e ousado em termos estéticos (nos cenários, no argumento e na música), antecipando uns anos o movimento surrealista. Os críticos arrasaram sobretudo a música. Erik Satie não se ficou e escreveu, satiricamente, um texto com o título "Elogio dos Críticos", que começa assim: "O ano passado fiz várias conferências sobre a inteligência e a musicalidade nos animais. Hoje vou falar-vos da inteligência e da musicalidade nos críticos. O tema é quase o mesmo, portanto."

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

O caldeirão

Que artista sairia de um caldeirão no qual se pudesse juntar o surrealismo (egocentrista) de Salvador Dalí, a expressividade (temperamental) de Jackson Pollock, a provocação (pop) de Andy Warhol e as paisagens (melancólicas) de Edward Hopper?

Que músico sairia de um caldeirão no qual se pudesse juntar a simplicidade (genial) de Erik Satie, a efervescência (rítmica) de Stravinsky, a exploração (tímbrica) de Edgar Varèse e o nacionalismo (musical) de Bartók?

Que realizador sairia de um caldeirão no qual se pudesse juntar a frieza (emocional) de Bergman, o humor (absurdo) de Groucho Marx, a violência (estilizada) de Sam Peckinpah e a perversidade (da carne e da mente) de David Cronenberg?

Que escritor sairia de um caldeirão no qual se pudesse juntar a verve (erótica) de Henry Miller, a visão (pessimista) de Schopenhauer, a loucura (desenfreada) de Ezra Pound e a placidez (contagiante) de Albert Cossery?

Que banda sairia de um caldeirão no qual se pudesse juntar a pop (decadentista) dos Tindersticks, o humor (cáustico) dos Butthole Surfers, a convulsão (sónica) dos Einstürzende Neubauten e o lirismo (noir) dos Dead Can Dance?

Que fotógrafo sairia de um caldeirão no qual se pudesse juntar a plasticidade (perturbadora) de Diane Arbus, a beleza (etérea) de Sebastião Salgado, a irreverência (sexual) de Robert Mapplethorpe, e a espontaneidade (histórica) de Robert Capa?

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

George Antheil - Bad boy of music


(Imagens: George Antheil / Ezra Pound e George Antheil)
Pergunto-me muitas vezes porque é que o génio artístico de George Antheil (pronuncia-se "antil") não é reconhecido ou nem sequer surge, muitas das vezes, referenciado nos dicionários musicais como merecia.
George Antheil (1900 - 1959) foi um músico à frente do seu tempo. Nascido nos EUA, New Jersey, aprendeu muito cedo a tocar piano. Um dia teve um ímpeto expansionista e deixou os EUA com uns imberbes 22 anos, mudando-se para a Europa (Paris, Berlim, Viena...) onde conheceu Stravinsky, uma das suas principais referências. Começou a dar concertos de piano que ficaram famosos pela total inovação técnica de abordar o teclado: de forma percussiva e violenta, gerando amálgamas sonoras abruptas e harmonicamente dissonantes. Numa época em que ainda se respirava a música melódica dos impressionistas (Debussy, Ravel...), George Antheil quebrou regras e violentou os ouvidos mais sensíveis, de tal forma que alguns concertos acabavam em verdadeiros motins.
Vanguardista e revolucionário foram os primeiros epítetos atribuídos a Antheil. Estávamos nos gloriosos e ricos anos 20 do século XX e o próprio pianista auto-proclamava-se, apropriadamente, "bad boy of music". A sua irreverente visão criativa da música levou-o a experimentar inusitadas combinações de instrumentos que nunca tinham sido tentadas, inventar instrumentos (como os futuristas italianos) e a utilização, como fez também Edgar Varèse, de sons e ruídos urbanos - sirenes, buzinas, ruídos industriais, etc.
Com um espírito ávido de novas experiências artísticas e novos conhecimentos, foi amigo de artistas ilustres: James Joyce, Ezra Pound, Gertrude Stein, Pablo Picasso, Salvador Dali, Ernest Hemingway, Erik Satie, Igor Stravinsky, Fernand Léger... Ou seja, alguma da nata artística daqueles anos. Uma das suas obras musicais mais conhecidas e celebradas é a música que compôs para o filme dadaísta "Ballet Mécanique" de 1924, realizado pelo pintor e cineasta Fernand Léger. "Ballet Mécanique" é um marco insuperável do cinema de vanguarda dos anos 20, uma proposta visual abstracta, usando técnicas mistas - fotografia, colagens de imagens, animação, imagem real, ângulos de câmara e montagem ritmada. A música de George Antheil é um portento de erupção rítmica e combinações tímbricas, numa massa sonora agreste e imprevisível (aqui se nota onde o poianista de free jazz Cecil Taylor foi buscar inspiração) - um "ballet mecânico" com objectos e formas) como se poder ver e ouvir aqui:

Mais tarde, George Antheil regressa à américa natal e enverada por uma carreira de compositor de bandas sonoras para filmes de Hollywood. Com o passar dos anos, a música de Antheil foi evoluindo para um estágio estético mais convencional, quase próximo no neo-clacissismo, deixando para trás os anos de rebeldia e ousadia formal.

Agora chamo a especial atenção para o que se segue: a recriação da peça musical "Ballet Mécanique" de George Antheil recriada por uma orquestra de instrumentos... robots. Trata-se do projecto norte-americano LEMUR - League of Electronic Musical Urban Robots . A apresentação deste concerto aconteceu na Nation Gallery of Art, Washington, em 2006. São 16 pianos a tocar simultaneamente com uma parafernália imensa de percussão e objectos sonoros pré-controlados.

Deveras impressionante.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Satie - o pianista que gostava de guarda-chuvas


Erik Satie (1866 - 1925) é um dos compositores mais excêntricos e subestimados da história da música. Foi sempre um pianista de recursos técnicos limitados, mas transformou essas debilidades com notável capacidade criativa e invenção melódica. Superava as suas limitações técnicas com uma desarmante e eficaz simplicidade das suas composições. Em termos melódicos e musicais, Satie criou verdadeiras peças de relojoaria e de grande beleza musical. Foi um dos percursores do minimalismo – com a peça “Vexations”, peça com estruturas melódicas minimalistas. Foi também o percursor do género “ragtime” (anterior ao jazz). Era um grande amigo dos principais artistas da vanguarda do início do século XX: Picasso, Mas Ernst, Man Ray, Jean Cocteau e René Clair. Tinha uma particular obsessão por guarda-chuvas (tinha muitas dezanas deles) e cachecóis e nutria uma aversão pelo sol. Produziu um razoável número de peças para piano, de onde se destacam as insuperáveis séries “Gymnopédies” e “Gnossiennes”. Ouça-se a beleza e simplicidade encantatória da peça "Gnossienne Nr.1":

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Oliver Sacks - a música cura e enlouquece


A última revista Sábado traz uma entrevista com Oliver Sacks, conhecido neurologista americano. Ficou mundialmente famoso com o livro "Despertares" adaptado ao cinema por Penny Marshall em 1990, e que contava com os actores Robin Williams e Robert de Niro. Sacks tem dedicado parte da sua vida a estudar a influência que a música tem nos seus doentes, nomeadamente, naqueles que sofrem de doenças degenerativas como Alzheimer ou Parkinson. O resultado das suas investigações e experiências revela que os sons são um remédio para a demência (não é novidade absoluta), mas que também podem levar à loucura uma pessoa mentalmente sã (esta afirmação já contém alguma novidade). Conta um caso de um pianista que sofre de uma variante grave de Parkinson que mal se conseguia mover com espasmos nervosos. Um dia senta-se ao piano e interpreta brilhantemente um "Nocturno" de Chopin. Assim que parou de tocar, voltaram os sintomas da sua doença. Este é apenas um exemplo (entre muitos) do poder que a música exerce sobre o nosso cérebro. A mais recente técnica de pesquisa cerebral - a ressonância magnética funcional, demonstra que ainda há muito para descobrir sobre o modo como o cérebro humano responde aos estímulos sonoros e musicais. Mas uma coisa é certa - a música tem propriedades terapêuticas incríveis (a musicoterapia é uma ciência comprovada). Já Edwinn Gordon, reputado teórico
O livro "O Efeito Mozart", editado há uns anos em Portugal, demonstra inúmeras provas de como a música exerce um poder curativo e regenerador no homem (e não só no homem, uma vez que está comprovado que a música de Mozart incrementa o crescimento de plantas e a produção de leite nas vacas). Quanto à questão da música poder levar à loucura é algo muito mais difícil de comprovar. É o mesmo que afirmar que a pintura ou a escultura ou o cinema levam também à loucura. Se não há predisposição para qualquer tipo de esquizofrenia ou paranóia, se não há outros estímulos e circunstâncias que ajudem a desenvolver a loucura em alguém, como se pode afirmar que a música, por si mesma, "leva à loucura"? Ficaremos loucos se ouvirmos de forma patológica determinado disco, género musical ou grupo? Será que o Death Metal ouvido pelos jovens influencia actos de violência (como já foi sugerido?). Será que ouvindo obsessivamente Leonard Cohen ou Erik Satie entramos em depressão? Neste campo teórico, é muito mais perigoso e difícil comprovar laços de causa-efeito.
Oliver Sacks terá de trabalhar ainda muito para provar esta premissa teórica.